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A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NO ATUAL CONTEXTO BRASILEIRO

2. O ATUAL CONTEXTO BRASILEIRO

2.1. O Contexto Econômico

2.1.1. A Radicalização do processo de desenvolvimento capitalista no Brasil.

Comecemos então pelo contexto econômico. Eu diria que a nível estrutural, o contexto econômico atual se caracteriza por aquilo que eu chamaria "a radicalização do processo de desenvolvimento capitalista no Brasil". Em verdade o projeto de desenvolvimento capitalista no Brasil toma formas mais nítidas depois de 30 e vai se aprofundando, progressivamente, até assumir formas mais radicais no período posterior a 64.0 que nós tivemos então, neste período, é justamente o aprofundamento do desenvolvimento capitalista que tende a se expandir para todo território nacional e abarcar todo o conjunto da sociedade. O que é característico do desenvolvimento

213 ▲ capitalista? O característico do desenvolvimento capitalista é justamente se tornar cada vez mais predominantemente industrial e urbano. Isto significa que, no processo de desenvolvimento capitalista, a própria agricultura tende a assumir a forma da indústria diferentemente, por exemplo, do que se constata no quadro de desenvolvimento feudal, no modo de produção feudal, em que, dado que a agricultura predomina nas formas próprias deste modo de produção, ocorre aí o inverso: a indústria é que tende a assumir a forma da agricultura. Nesse sentido é que a forma industrial das sociedades agrícolas é o artesanato, (ou se quiserem, para ficarmos com a expressão literal precisa - é a manufatura: a transformação da matéria-prima efetuada manualmente), enquanto que a forma do desenvolvimento industrial na sociedade capitalista é a maquinofatura. Ora, se a indústria própria da sociedade agrícola é o artesanato (ou a manufatura, no sentido literal da palavra) isto significa que as relações agrárias são predominantes na sociedade em seu conjunto. Daí que, mesmo as atividades artesanais são caracterizadas pelas relações do tipo rural, ao passo que na medida em que se aprofunda o desenvolvimento capitalista, a tendência é justamente a agricultura assumir a forma da indústria: então vamos ter justamente uma crescente maquinização da agricultura, uma crescente mecanização da agricultura. Em conseqüência, a agricultura tende a dispensar cada vez mais mão-de-obra que, por sua vez, é absorvida pelas indústrias propriamente ditas que se instalam nas cidades do interior. Neste sentido, as relações sociais cada vez mais vão assumindo a forma urbano-industrial. O que nós vemos no Brasil dos últimos anos é justamente o aprofundamento desse processo. Configura-se, assim, aquilo que os economistas chamam "a expansão das relações capitalistas no campo". O processo de produção no campo tende a assumir a forma capitalista, a forma da indústria, ou seja, o agricultor, de arrendatário, de meeiro e assim por diante, isto é, aquele que está radicado à terra, passa a ser um trabalhador livre, portanto, laqueie que vende sua força de trabalho; os bóias-frias não são outra coisa senão a expressão disto que acabo de indicar. Cito o exemplo dos EEUU, que nos ajuda a entender melhor isto. Há 100 anos, portanto, no século passado, os EEUU tomaram a decisão de espalhar por todas as regiões do país as faculdades rurais. Qual era o objetivo dessas faculdades rurais? Era justamente o de desenvolvera produção, o armazenamento e a distribuição de alimentos. Essas faculdades rurais foram fatores importantes na consolidação da potência económica e especificamente da potência agrícola em que se transformaram os EEUU,

214 ▲ através da policultura crescentemente maquinizada. Ora, a instalação dessas faculdades rurais foi um dos fatores que, ao mesmo tempo, implementaram o desenvolvimento da agricultura, mas também estimularam o êxodo rural: a fixação da população rural nas cidades. Esse fenômeno não é outra coisa senão a expressão do aprofundamento do processo de desenvolvimento capitalista que ao assumir a forma urbano-industrial tende a introduzir também na agricultura esse tipo de relação social.

Se pensarmos no caso brasileiro, vamos ver que essa situação já é razoavelmente configurada no Estado de São Paulo, onde o interior é constituído de cidades de médio porte, com cerca de 100 mil habitantes (80, 100, 120 mil hab), cidades essas que se fundam numa exploração agrícola mais sofisticada e que tornam, então, possível que se constituam também indústrias fundadas na transformação da matéria-prima que essas regiões produzem.

Portanto, o caso do Estado de São Paulo indica a predominância da relação urbano-industrial na sociedade brasileira, já se nota uma situação diferente quando passamos a examinar o caso de outros Estados e vamos nos distanciando até a região CO, a região NE, a região N: ali, as relações sociais agrícolas ainda têm vigência, embora situadas no âmbito da tendência dominante do desenvolvimento capitalista que estruturalmente caracteriza o Brasil. Bem, já poderíamos retirar uma conseqüência de caráter educacional das considerações feitas: a escola própria da sociedade capitalista expressa as relações características desse tipo de sociedade; daí porque ela se organiza segundo os padrões urbano-industriais. E a escola será tanto mais necessária quanto mais se radicaliza o processo capitalista, isto é, quanto mais avança o processo de industrialização e de urbanização. É nesse sentido que, mesmo a implantação de escolas no campo, tende a se efetivar de acordo com os padrões urbanos. Quando ela se implanta no campo ela assume o caráter de força modernizadora concorrendo para que as relações sociais do tipo rural-agrário cedam lugar àquelas do tipo urbano-industrial. Assim, a escolarização do campo se revela um fenômeno decorrente da expansão das relações capitalistas no campo. Quando eu digo que do ponto de vista estrutural o contexto econômico se caracteriza pela radicalização do processo de desenvolvimento capitalista eu quero com isto dizer que a tendência do desenvolvimento

econômico brasileiro aponta para a permanência, ainda por um certo tempo, dessa característica; ou seja, a curto prazo, o desenvolvimento brasileiro não deixará de ser capitalista: ao contrário, tenderá a aprofundar essas características capitalistas.

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2.1.2. Crise no bloco dominante (arranhões na aliança entre a tecno-burocracia (militar e civil) e o empresariado industrial (burguesia).

No plano conjuntural como é que se manifesta o contexto econômico?

Eu diria que no plano conjuntural, o contexto econômico se caracteriza por uma crise no bloco dominante; essa crise pode ser expressa nos seguintes termos: a aliança entre a tecnoburocracia militar e civil e o empresariado, ou seja, a burguesia industrial, sofreu abalos. Esta crise se explica da seguinte forma: após o movimento de 64, estabeleceu-se um pacto entre o empresariado e os militares. A estes caberia o controle político com a finalidade de estabelecer as estratégias do desenvolvimento e garantir a ordem social, isto é, a segurança necessária ao processo de acumulação do capital. Com isto, os empresários ficavam livres para fazer prosperar os seus negócios. Ao organizar a máquina administrativa, vale dizer, ao reordenar o aparelho governamental, os militares foram chamando para assessorá-los os "técnicos de alto nível" do "staf civil (administradores, planejadores, basicamente economistas). Configurou-se assim, aquilo que está sendo denominado tecnoburocracia militar e civil. Então toda atarefa política toma a direção desta ordenação da sociedade, deste controle da sociedade, desta planificação da sociedade de modo a visar uma nacionalidade do projeto de desenvolvimento.

Isto significava basicamente o seguinte: do ponto de vista econômico, o empresariado desempenhava o papel principal - a ele cabiam as iniciativas básicas do desenvolvimento econômico. Ao aparelho governamental cabia secundá-lo, garantindo as condições ótimas para que o desenvolvimento capitalista prosseguisse sem percalços. Esse fenômeno é o que veio a ser chamado de processo de acumulação capitalista no Brasil. O processo de concentração de rendas se situa dentro desse quadro. Acontece, porém, que, na medida em que o aparelho governamental assumiu a tarefa de planejar a economia, o que ele fez foi, em parte, organizar, racionalizar as empresas estatais ainda existentes e, ao planificar a economia, ele passou a criar novas empresas estatais, que exerciam funções econômicas diretas. Neste sentido, o Estado passou a desenvolver funções econômicas diretas, a intervir diretamente no processo econômico. Assim os empresários, que desempenhavam o papel principal no processo econômico, tenderam a ficar num plano secundário, passando o aparelho governamental a exercer as tarefas principais no próprio plano do desenvolvimento econômico - o que acabou por se chocar com os interesses

216 ▲ empresariais. É a isto, então, que estou chamando de crise no bloco dominante, ou, arranhões na aliança entre a tecnoburocracia militar e civil e o empresariado em geral, e mais especificamente, a burguesia industrial.

Quais os sintomas dessa crise? Ela se manifestou por diferentes meios, tendo sido registrada, por exemplo, pêlos jornais. Vou mencionar exemplos dessa manifestação, para concretizar melhor.

Uma das manifestações foi justamente a crítica que se desencadeou a partir de 74 à estatização. Os jornais vinham com frequência veiculando notícias da estatização da indústria brasileira, e advogavam uma desestatização. Paralelamente a isto, os empresários também faziam pronunciamentos no sentido de advogarem uma maior participação política. Ora, o que é a exigência de maior participação política por parte dos empresários senão a exigência de virem a desempenhar o papel principal no controle do processo económico? De 64 até 74, 75, os empresários não reivindicavam participação política; por que? Porque estava em vigência justamente um quadro que garantia, através da ação política da tecnoburocracia militar e civil, o desempenho do papel principal dos empresários.

No momento em que eles correm o risco de passar para um papel secundário, aí então, surgem reivindicações de uma participação política para a defesa de sua posição e é nesse quadro que cabe situar os outros elementos que vou mencionar em seguida: a movimentação da sociedade civil, a defesa pêlos empresários das negociações diretas, do direito de greve, etc.

Essa crítica à estatização está associada ao movimento de desburocratização. Dir-se-ia, mesmo, que atarefa principal do ministro extraordinário Hélio Beltrão não é propriamente a desburocratização, mas sim, planejar e coordenar a privatização das empresas estatais. Com efeito, a questão da privatização das empresas estatais é algo que interfere no jogo político e diz respeito, por exemplo, aos interesses de parcelas importantes dos próprios militares, que visam participar nesse processo de intervenção na economia através, inclusive, da criação de empresas estatais (ver, por exemplo, o caso da EMBRAER). Com isso, acabam transferindo para o próprio campo da economia uma certa visão nacionalista característica de parcelas consideráveis das forcas armadas. Ora, tal visão nacionalista vem gerar conseqüências em relação à tendência dominante da indústria brasileira nos últimos anos que foi justamente a articulação da burguesia nacional com a burguesia internacional, sob a direção, sob a predominância da burguesia

internacional, ou seja, das empresas multinacionais. É nesse quadro também que a crise do bloco dominante tem reflexos internacionais

217 ▲ relacionando-se, inclusive, com a política de direitos humanos do governo Cárter, bem como com a política de desestabilização dos regimes militares. Esta política está ajustada aos interesses das empresas multinacionais, que vêem na estatização da economia um risco de conflito com os pólos militares que poderiam se articular com a própria classe dominada, através da exacerbação da posição nacionalista, o que se chocaria com os interesses das multinacionais. Quando situo essa problemática dentro da crise de conjuntura, isto significa que essa crise não altera necessariamente a estrutura. É preciso, então, compreender as relações com a estrutura, isto é, é necessário levar em conta a correlação de forças, seja no que diz respeito aos interesses que se defendem seja em referência aos condicionamentos que servem de base à tendência do desenvolvimento da sociedade em seu conjunto.