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DOUTORAMENTO EM EDUCAÇÃO: A EXPERIÊNCIA DA PUC-SP

Procurar ser breve para que a discussão,(1) propriamente, seja feita a partir dos problemas que forem levantados; porque, efetivamente, para se expor com mais detalhes a estrutura e o espírito do programa de doutoramento da PUC de São Paulo seria necessário um tempo maior do que aquele determinado pela mesa; mas talvez não seja o caso de

fazermos isso "a priori" e sim em função dos problemas que forem surgindo no próprio âmbito dos debates.

Sendo sintético, cabe dizer, em termos de estrutura, que o programa exige como pré-requisito o mestrado. Uma vez matriculado, o aluno tem que cumprir um total de trinta e três créditos, sendo que desses trinta e três, nove são em disciplinas de três créditos cada uma. Quinze créditos correspondem a atividades programadas e nove créditos correspondem à própria tese de doutoramento.

Como se pode notar; há aí a presença do espírito que se procurou imprimir ao doutorado. Assim, diferentemente do mestrado, onde a carga maior é em disciplinas, no doutorado procurou-se reduzir o número de créditos em disciplinas e ampliá-los no que nós chamamos de atividades programadas; isto porque essas atividades programadas são organizadas já em função da pesquisa que está sendo desenvolvida pelo candidato, portanto, da tese que ele pretende elaborar.

1. Apresentada na II Reunião Científica da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação), realizada de 12a 14 de março de 1979, em São Paulo.

101 ▲ A vantagem também dessas atividades programadas é que permitem um grau bem maior de flexibilidade na montagem tanto da forma de organização como do tipo de conteúdo que é trabalhado no interior das mesmas.

A esse respeito, no entanto, cabe salientar que essas atividades programadas são, efetivamente, atividades programadas, isto é, trata-se de um programa de atividades cuidadosamente elaborado e intencionalmente proposto, cuja execução é posta em prática com a máxima seriedade. Isso me parece importante de ser salientado, para justamente se evitar a idéia de um espontaneísmo em que a tese é feita pelo candidato de uma forma solta e sem uma estruturação mais sólida que permita desenvolvê-la com a necessária densidade de fundamentação. Conseqüentemente, o sentido das atividades programadas é justamente o de garantir que a elaboração da tese se desenvolva num ambiente de intenso e exigente estímulo intelectual.

Ainda quanto ao espírito do programa, cabe lembrar que se trata de um programa de doutorado em educação. Nesse sentido, pretende-se fugir ao esquema um tanto rígido do mestrado, onde os programas são organizados por áreas de concentração restritas. Assim, no doutorado em educação, se procurou atender à exigência reconhecida academicamente e consagrada no plano legal (cf. Parecer 77/69 do CFE) segundo a qual o doutoramento implica estudos amplos e aprofundados. Em conseqüência, uma visão ampla da realidade educacional se torna fundamental para o desenvolvimento do doutorado; daí porque se imprimiu ao programa uma orientação que busca juntamente atender a essa ênfase na problemática educacional.

No entanto, o modo como as disciplinas foram estruturadas pode sugerir uma concentração mais restrita, tendo em vista que esse programa surgiu a partir de uma inspiração mais direta da filosofia da educação. Com efeito, nós temos duas disciplinas que são consideradas obrigatórias, quais sejam: Filosofia da Educação l e Filosofia da Educação II. Depois existe a disciplina optativa, através da qual se completam os créditos em disciplinas, e as atividades programadas, que, como já disse, constituem o número maior de créditos a serem cumpridos.

Caberia, pois, uma observação sobre o sentido desta filosofia da educação, incluída no plano programático das disciplinas do curso. Aqui, nós já entraríamos mais diretamente na experiência concreta do programa. Quando o programa se iniciou no segundo semestre de 1977, a disciplina de Filosofia da Educação l foi montada à base das dissertações de mestrado dos próprios alunos. Dessa forma, o papel dessa disciplina era fazer uma crítica dos trabalhos já realizados pêlos doutorandos, tendo

102 ▲ em vista o encaminhamento do projeto da tese de cada aluno. O problema-chave era justamente o seguinte: o projeto da tese de doutorado dará continuidade àquilo que já se fez no mestrado, ou o estágio de desenvolvimento do candidato implica uma ruptura? Quer dizer, ele pretende romper com o que ele fez até o momento em nível de mestrado e partir para um tipo de projeto totalmente novo?

Assim entendida, a disciplina foi toda ela centrada nos projetos, partindo da dissertação de mestrado em direção à tese de doutorado.

já a cadeira denominada Filosofia da Educação II foi montada à base de temas. Foi selecionado um conjunto de temas considerados significativos para a educação brasileira e organizados seminários em torno desses temas. Depois, a disciplina optativa surgiu da própria proposta do grupo de alunos que tinha interesse específico de aprofundar a teoria da educação e a disciplina foi montada nesse contexto.

Numa segunda experiência, nós consideramos que essas duas disciplinas, Filosofia da Educação l e Filosofia da Educação II, deveriam garantir uma discussão teórica sistematizada da área educacional. Como atingir esse objetivo?

Considerando-se que, após estudos que venho desenvolvendo já há alguns anos, adquiri condições de estabelecer uma classificação razoavelmente sistematizada das concepções básicas de filosofia da educação, tomamos essa classificação como ponto de referência. Tais concepções(2) são trabalhadas, parte delas no curso de Filosofia da Educação l e parte no curso de Filosofia da Educação II. A idéia central que está presente aí é justamente a seguinte: todas as teorias formuladas numa tentativa de explicar e de dar conta da problemática educacional seguem, se orientam, por determinada concepção filosófica. Conseqüentemente, a classificação das concepções básicas de filosofia da educação nos permite situar as diferentes teorias.

Com isto, nós pretendemos superar um nível que no mestrado tem que ser admitido como satisfatório, pelo menos na atual conjuntura, isto é, o fato de que o

2. A referida classificação englobou quatro grandes tendências de filosofia da educação: I. Concepção "humanista" tradicional; 2. Concepção "humanista" moderna; 3. Concepção analítica; e 4. Concepção dialética. Tais concepções, por sua vez, subsumem diferentes correntes, a partir das quais se torna possível a abordagem sistematizada das teorias educacionais. A disciplina Filosofia da Educação l desenvolveu as concepções "humanista" tradicional e "humanista" moderna, reservando-se a disciplina Filosofia da Educação II para o estudo das concepções analítica e dialética de filosofia da educação. (Para um melhor entendimento da referida classificação, ver, D. Saviani, "A Filosofia da Educação e o Problema da Inovação em Educação", in GARCIA, W.E. (Org.) - Inovação Educacional: Problemas e Perspectivas.)

103 ▲ aluno parte de um referencial teórico e o aplica na análise de um problema. Quanto à questão de se examinar de onde surgiu esse referencial teórico e como esse referencial teórico pode ser criticado (porque a crítica dele supõe justamente o colocar-se numa outra perspectiva) em nível de mestrado, esse tipo de abordagem não tem sido possível de se fazer. Aliás, eu acabo de fazer uma pesquisa sobre o tema "correntes e tendências da Educação Brasileira",(3) pesquisa essa que me permitiu testar já em outro nível o esquema de classificação das concepções básicas de filosofia da educação que eu havia elaborado anteriormente e que havia testado, primeiro, num curso de mestrado, e depois, na análise de um problema específico, qual seja, o da inovação em educação. Finalmente, testei esse mesmo esquema no projeto de pesquisa acima referido.

Para levantar as tendências e correntes da Educação Brasileira, naturalmente eu tive que fazer o levantamento da literatura a respeito do assunto; e uma literatura já razoavelmente vasta são as teses de mestrado, doutorado e livre- docência que surgiram na área de educação nos últimos anos. Com a ajuda de uma auxiliar de pesquisa(4) foram levantadas seiscentas e quarenta e seis teses. Obviamente, não me era possível (e nem era necessário para os objetivos que me propus) analisá-las todas em detalhes; por essa razão, tive que estabelecer critérios de seleção e de análise. Mas o que importa salientar, para efeitos dessa exposição, é que um exame dessas teses do ponto de vista do referencial teórico nelas presente revelará que a grande maioria é pobre teoricamente. E me parece que esta é uma situação que nós não podemos reeditar no doutorado: desenvolver programas de doutoramento, com teses de doutorado com uma marcante pobreza teórica.

Cabe lembrar que a capacidade crítica de utilizar determinada teoria supõe justamente a capacidade de se detectar os pressupostos dessa teoria e também de se verificar quais as objeções mais sérias de que é passível a teoria em questão. Por isso, no esquema que estamos desenvolvendo no doutorado da PUC de São Paulo, estamos muito atentos para esse tipo de problema, vale dizer, estamos procurando extrair dos cursos o máximo que eles possam dar em termos de uma solidez de abordagem da problemática educacional. É com esse espírito que procuramos evitar

3. Cf. SAVIANI, D. - "Tendências e Correntes da Educação Brasileira", in TRIGUEIRO MENDES, D. (coordenador) - Filosofia da Educação Brasileira.

4. Trata-se da professora Célia Pezzolo de Carvalho a quem consigno, aqui, os meus sinceros agradecimentos.

104 ▲ a sobrecarga de disciplinas, reduzindo-as a apenas três; essas três, porém, são fundamentais, e têm que ser desenvolvidas com o máximo de aproveitamento possível.

As atividades programadas, por sua vez, são organizadas justamente para que os problemas que as disciplinas levantam possam ser aprofundados já diretamente voltados para a pesquisa de tese que o aluno está desenvolvendo. Nessa linha de considerações, vale a pena ressaltar que temos experiências práticas e concretas muito interessantes sobre a organização das atividades programadas como, por exemplo, a do segundo semestre de 1978, quando os próprios candidatos exigiram atividades programadas montadas em termos constantes e semanais, à semelhança dos cursos, isto é, do modo de funcionamento das disciplinas; só que, é claro, com uma temática que foi levantada previamente e considerada como relevante por todos os membros do grupo, envolvidos nesse processo de

pesquisa.

Um outro detalhe estrutural é que a atividade programada está articulada mais diretamente com o orientador, porque ela se liga à complementação da orientação dos trabalhos do candidato. Eu disse "mais diretamente" porque existem casos em que essa atividade programada pode ser coordenada por outro professor que não o orientador. Eu, por exemplo, que tenho um grande número de orientandos, venho organizando regularmente atividades programadas. Nesse contexto, candidatos que são orientados por outros professores vêm participando também dessas atividades por mim organizadas; isto ocorre quando o candidato manifesta interesse em função da sua tese e, naturalmente, discutindo preliminarmente com o seu orientador, se considera que a participação é recomendável. Existe, pois, essa possibilidade de se montaras atividades programadas de diferentes formas permitindo, inclusive, um intercâmbio entre alunos de diferentes orientadores.

Dentro dos limites de tempo estabelecidos pela mesa que preside a esta reunião, creio ter deixado claro, ainda que resumidamente, qual é o espírito que enforma a experiência, por sinal bastante promissora, de doutoramento em educação que estamos desenvolvendo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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