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UM ESTUDO DE POLÍTICA EDUCACIONAL

O problema-objeto deste título(1) originou-se das pesquisas feitas pelo autor a respeito das Leis 4024/61 (Lei de Diretrizes ë Bases da Educação Nacional), 5540/68 (Lei da Reforma Universitária) e 5692/71 (Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus). A análise da gênese dessas leis, efetuada através de exaustivas investigações,(2) chamou a atenção do autor para um aspecto sistematicamente ignorado pêlos estudiosos da legislação do ensino. Trata-se das emendas apostas pêlos parlamentares aos projetos de lei de ensino; ou, formulado em outros termos, trata-se da função do Congresso Nacional na Legislação do Ensino. Descobriu-se que, representando as emendas a contribuição específica do Poder Legislativo aos projetos de lei oriundos do Poder Executivo, constituíam a chave para a compreensão da função do Congresso Nacional na legislação do ensino.

Estudos preliminares indicaram que a referida função era, fundamentalmente de duas ordens: de preservação e de deformação. Buscou-se, então, precisar o significado dessas funções, utilizando-se para isso o critério da coerência. Em outros termos: o Congresso Nacional, através das emendas, pode deformar (enfraquecendo) ou preservar (reforçando) a coerência dos projetos oriundos do Poder Exe-

1. Comunicação apresentada à XXIX Reunião Anual da SBPC, S. Paulo, 1977.

2. Cf. SAVIANI, D. - Educação Brasileira: Estrutura e Sistema e SAVIANI, D. - Análise Crítica da Organização Escolar Brasileira através das Leis 5540/68 e 5692/7/, in GARCIA, W. (org.) - Educação Brasileira Contemporânea: Organização e Funcionamento.

171 ▲ cutivo. A partir desse referencial passou-se a um estudo cuidadoso das emendas apresentadas quando da discussão dos projetos que resultaram nas três leis referidas.

A conclusão a que se chegou indica claramente que, em relação à Lei 4024/61 a função desempenhada pelo Congresso Nacional foi de deformação da coerência do projeto original elaborado por uma comissão de educadores designada pelo então Ministro da Educação, Clemente Mariani. Já em relação às Leis 5540/68 e 5692/ 71, a função desempenhada foi a de preservação da coerência dos projetos originais. Este caso é eloquentemente ilustrado através das 362 emendas apresentadas quando da discussão do projeto que resultou na Lei 5692/71.

Porque essa diferenciação de funções? Quais as suas causas? A resposta a essas perguntas deve ser buscada numa análise do modo de funcionamento do regime político brasileiro. Uma vez que tal regime é oficialmente denominado democrático, buscou-se compreender o significado dessa expressão, momento esse em que ganhou importância central as noções de "democracia restrita" e "democracia excludente".

A atitude metodológica assumida(3) no decorrer de toda a pesquisa garantiu que, a partir de um fenômeno restrito como o das emendas se pudesse fazer extrapolações de amplo alcance teórico, à luz das quais se pode compreender com maior precisão o modo de funcionamento do regime político e da estrutura educacional brasileira.

As principais conclusões podem ser resumidas como segue:

1. As emendas, apesar de não merecerem a atenção dos estudiosos da educação brasileira, constituem peça importante para a compreensão da legislação do ensino e, conseqüentemente, da política educacional. Isto porque, "a única maneira eficaz de se esclarecer o significado do produto"(4) é examinar o modo como foi produzido.

2. As emendas, por representarem a contribuição específica do Congresso Nacional aos projetos oriundos do Poder Executivo, constituem a chave para se compreender a função do Congresso na legislação do ensino. 3. A compreensão da função do Congresso Nacional na legislação do ensino abre uma perspectiva inédita para os

estudos da Política Educacional.

4. Na Política Educacional Brasileira do após-guerra (últimos 30 anos) podem 3. Cf. SAVIANI, D. - Educação Brasileira: Estrutura e Sistema, pp. 25-30. 4. SAVIANI, D. - Educação Brasileira: Estrutura e Sistema, p. 28.

172 ▲ se distinguir duas fases nitidamente diferenciadas no que diz respeito à função do Congresso Nacional na legislação do ensino:

a) A primeira fase corresponde à gênese da Lei 4024/61 (L. D. B.), quando a função desempenhada foi de "deformação", desfigurando o projeto original;

b) A segunda fase é marcada pela gênese das Leis 5540/68 e 5692/71 com a função de "preservação" garantindo e aperfeiçoando a orientação impressa ao projeto original.

5. As duas fases mencionadas correspondem respectivamente aos períodos pré e pós 1964, ilustrando eloquentemente a ruptura política levada a efeito pela revolução de 1964.

6. A primeira fase se desenrolou no quadro da "democracia restrita". Embora circunscrito às elites, o jogo democrático se deu de modo aberto, possibilitando uma crescente participação da sociedade civil no processo político.

7. A segunda fase se desenrolou no quadro da "democracia excludente", quando amplos setores da sociedade civil são deliberada, e sistematicamente excluídos do processo político.

8. O papel desempenhado pelo Congresso Nacional refletiu com fidelidade, nos dois casos, o processo político. Com efeito:

a) A função de "deformação" decorreu da representação no Congresso Nacional de diferentes grupos da sociedade civil com interesses conflitantes;

b) A função de "preservação" decorreu da cooptação exercida pelo Executivo em relação aos membros do Poder Legislativo.

9. Encarando-se o Estado como um conjunto constituído pela sociedade política e pela sociedade civil,(5) conclui-se que:

a) Na primeira fase, a sociedade civil ganhava crescente representatividade perante a sociedade política;

b) Na segunda fase ocorreu uma hipertrofia da sociedade política em detrimento da sociedade civil. A primeira sufocou a segunda, no âmbito da organização e funcionamento do Estado.

10. O aparelho escolar foi reorganizado (Leis 5540/68 e 5692/71 e legislação complementar) no sentido de garantir, prolongar e perpetuar a hegemonia da sociedade política. Entretanto, a sociedade política, numa manifestação determinada,

5. Cf. GRAMSCI, A. - Maquiavel, a Política e o Estado Moderno, p. 149.

173 ▲ não pode subsistir por muito tempo senão na medida em que retira a sua força da representatividade que exerce em relação à sociedade civil.

11. A atual crise política e, por conseqüência, educacional, deriva da falta de representatividade da sociedade política. A sociedade civil, através de diferentes grupos que a compõem, reivindica uma mudança política necessária para garantir o lugar que lhe pertence no seio do Estado.