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CAPÍTULO 2 – LEITURA E APRENDIZAGEM: REVISÃO DA LITERATURA

4. Concepções sobre a leitura

4.3. Concepções de professores sobre a leitura

Nesta subsecção, apresentamos alguns estudos acerca das concepções de professores sobre a leitura. Silva (1999: 1) discute a relação entre as concepções de leitura de professores do Ensino Fundamental brasileiro e a sua prática profissional. Começa por caracterizar as concepções dos professores, que considera redutoras:

ler é traduzir a escrita em fala – os adeptos desta concepção entendem a leitura

como a capacidade de oralizar um texto, de forma expressiva, com entoação e obedecendo a regras de pontuação, sem preocupação com a compreensão das ideias do texto;

ler é descodificar mensagens – o leitor recebe passivamente os sentidos do

texto, sem revelar o seu posicionamento, sentimentos, atitudes, reflexões;

ler é dar respostas a sinais gráficos – o professor premeia o aluno que vai ao

encontro da interpretação ou dos sentidos por si construídos e penaliza os restantes. Um mesmo texto não pode ser alvo de diversas interpretações ou significações;

ler é extrair a ideia central – o professor deixa transparecer que o texto a ler é

mais importante do que os outros e espera que o leitor-aluno retire a ideia fundamental. O professor não tem em conta que são múltiplos os tipos de organização textual e nem sempre a ideia principal está explícita;

ler é seguir os passos da lição do livro didáctico – os professores nas suas

práticas criam nos alunos a ideia de que a leitura é um processo que segue sempre o mesmo padrão: ler o texto (em silêncio e/ou em voz alta), sublinhar o vocabulário desconhecido, explicitar esse vocabulário, responder a um questionário de compreensão/interpretação, análise gramatical e redacção;

ler é apreciar os clássicos – muitos professores reduzem a leitura a textos de

clássicos da literatura, esquecendo que o leitor precisa de diversificar os tipos de textos.

Silva (1999) considera imperioso encarar a leitura numa concepção interaccionista e apresenta também a sua própria concepção de leitura: “Ler é sempre uma prática social de interação com signos, permitindo a produção de sentido(s) através da compreensão/interpretação desses signos” (p. 15).

Morales (2002: 2) salienta que muitos autores consideram que a concepção que os professores têm sobre leitura, escrita, aprendizagem e ensino, orienta e condiciona,

de alguma forma, a prática e a dinâmica na sala de aula (Smith, 1978/1990; Ferreiro, 1986; Romo, 1996; Porlan y Martín 1993; Huberman, 1994; Johnson, 1992; Lollis, 1996; Urdaneta, 1998). Nesse pressuposto, realizou um estudo qualitativo, cujo objectivo fundamental foi indagar as concepções sobre leitura, escrita e sua aprendizagem, dos professores de primeira etapa de Educação Básica (dos 7 aos 10

anos)10. Esse estudo envolveu dois professores de uma escola rural oficial do Estado de

Mérida, na Venezuela: um do primeiro grau e outro do terceiro. Morales (2002) concluiu que os professores participantes têm uma concepção tradicional da leitura, da escrita e das suas aprendizagens. Esta concepção está subjacente no seu discurso e implícita na sua prática pedagógica na sala de aula. Os participantes concebem o professor como o centro do processo de aprendizagem e o aluno como aprendente passivo que aprende por repetição e memorização; a leitura é um conjunto de habilidades que podem ser ensinadas isoladamente; a escrita é apresentada como a cópia correcta de letras; a silabação é a principal ferramenta para aprender a ler e a escrever. Morales (2002) verificou também que o participante “B” não conseguiu sustentar, teoricamente, o que dizia, procedendo pragmaticamente como aprendeu na formação. Este professor considera que se aprende a ler e a escrever do particular para o geral, isto é, aprendendo primeiro as letras, as sílabas até chegar ao significado. Este participante demonstrou também resistência à mudança, em assumir outra orientação, apesar de ter frequentado cursos de actualização. Ainda segundo Morales (2002), o participante “A” revelou grande incongruência no seu discurso, tanto nas entrevistas como nas conversas informais. Apesar de aparentemente evidenciar no seu discurso uma orientação construtivista, a concepção de leitura subjacente é tradicional, assim como a sua prática pedagógica.

Soares (2006), no quadro de uma investigação-acção, realizou um estudo com um grupo de professores da 1.ª e da 2.ª séries do sistema educativo brasileiro, com o objectivo de saber como a leitura tem sido exercida na escola por professores e por alunos, a partir de acções com os professores de estímulo à leitura e de reflexões sobre o acto de ler. Os professores envolvidos concebem a leitura como actividade de indicação única, como actividade para posterior preenchimento da ficha prevista e para avaliação. A leitura era, por vezes, desvalorizada ou, em alguns casos, servia de punição ou apenas como distracção, quando não havia tempo para iniciar a abordagem de novo conteúdo

10 Na Venezuela, a Educação Básica (dos 7 aos 16 anos) compreende três ciclos, cada um com uma

curricular. Depois da consciencialização dos professores sobre a importância da leitura e do reconhecimento que a partir dela poderiam trabalhar qualquer assunto com os alunos, as suas acções começaram a mudar. Após propostas de trabalho de leitura de livros diversos (didácticos, literários ou paradidácticos) e da análise dos mesmos, os professores reviram as suas concepções sobre leitura, a sua importância na vida dos alunos e passaram a valorizar mais as actividades que envolvem a leitura. Soares (2006) conclui que as mudanças, para que os alunos desenvolvam o seu interesse e curiosidade pela leitura, dependem essencialmente dos próprios professores e das suas concepções de leitura.

Um outro estudo, com professores das séries iniciais do Ensino Fundamental de escolas rurais do Brasil, foi realizado por Almeida (2003) com o objectivo de identificar as concepções de leitura. A autora concluiu que os professores concebem a leitura como acto mecânico de decifração e de pronúncia correcta das palavras e desvalorizam o encontro do sentido do texto, acto que requer a mobilização de um conjunto de estratégias e de conhecimentos prévios. Durante a investigação pretendeu-se promover a reflexão dos professores, de forma a questionar e alterar as suas concepções e práticas de leitura. Os professores alteram práticas de ensino da leitura, introduzindo materiais e metodologias seleccionados e situações de leitura e escrita organizadas. Além disso, passaram a conceber o processo de aquisição da língua escrita como aquele que enfatiza o domínio dos significados, isto é, ler e escrever é estabelecer uma relação com a linguagem, conduzindo à apreensão e expressão de sentidos.

No estudo A leitura na escola: concepções de professores de diferentes

disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental, envolvendo cinco professores (de

Ciências, Geografia, Português, Matemática e História), Silva (2007) descreve as concepções de leitura que orientam a prática pedagógica dos professores das séries finais do Ensino Fundamental e a maneira como a leitura é trabalhada nas suas aulas. A autora concluiu que os professores apresentam uma concepção de leitura ampla, que vai para além da simples descodificação ou decifração, incluindo construir sentidos, ler o mundo, compreender e conhecer. A professora de Ciências, inquirida neste estudo, refere que ler é mais do que decifrar letras, é uma forma de ver e posicionar-se no mundo; ler é saber interpretar a realidade e comunicar. Considera ainda que ler é um acto quotidiano que é feito ao longo da vida. A professora de Geografia destaca, por sua vez, que a leitura é essencial para o ser humano; é fonte de informação e de conhecimento; “saber ler não é só saber falar a palavra, é também interpretar” (idem:

67) e permite conhecer o mundo. Já para o professor de História a leitura serve para comunicar o pensamento; é uma relação dialéctica de apreensão entre o imaterial/pensamento e o material/escrita; na leitura é necessário que haja identificação entre o leitor e o texto escrito e é mais que descodificação da escrita, inclui a leitura do mundo. Também para a professora de Língua Portuguesa ler é mais que decifrar o código escrito, é descobrir o mundo, é atribuir significados; é um processo de descodificação, compreensão e interpretação do conhecimento. A professora de Matemática salienta, igualmente, que ler não é apenas descodificação; é um processo de compreensão do que é lido e que se desenvolve ao longo da escolaridade.

Um outro estudo realizado por Restiffo (2007), com uma amostra bastante maior que o estudo anteriormente referido (30 professores que ensinam Língua e Literatura), em cinco escolas da Província de Mendoza, Argentina, pretendeu conhecer as concepções dos professores sobre leitura. A autora concluiu que 32% dos professores concebe a leitura como um processo cognitivo, 29% como uma habilidade social e uma forma de lazer, e para 27% é uma técnica instrumental. Acerca da finalidade com que incentivam os alunos a ler, as respostas foram variadas, destacando-se: para despertar o interesse, estimular a sensibilidade, aumentar o vocabulário e criar o hábito de ler.

Sumariando, os estudos apresentados mostram uma variedade de concepções dos professores sobre a leitura, que vão desde a mais tradicional, em que se concebe a leitura como um acto de descodificação que pode ser aprendida pela repetição e pela memorização, até à mais ampla em que é entendida como um processo de interacção que permite compreender e construir múltiplos significados a partir do código escrito, passando pela concepção sobre leitura como uma actividade social e de lazer.

A terminar este capítulo, importa ainda salientar o reduzido número de estudos sobre a temática das concepções de alunos e de professores sobre a leitura, sobretudo de âmbito nacional, o que reforça a pertinência deste nosso estudo.