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CAPÍTULO 2 – LEITURA E APRENDIZAGEM: REVISÃO DA LITERATURA

4. Concepções sobre a leitura

4.1. Representações, crenças e concepções

Viver em sociedade exige dos indivíduos, entre outros aspectos, a interpretação, avaliação e a tomada de decisões sobre acontecimentos e vivências sociais. Este processo envolve a mobilização de conhecimentos de natureza diferente, com graus de estruturação, formalização e origens diversas. Na literatura educacional, este conhecimento que as pessoas usam no seu quotidiano surge associado a termos como representações, crenças e concepções. Estaremos a falar da mesma coisa ou constituirão conceitos diferentes?

As representações das pessoas têm um cunho iminentemente social, sendo marcadas pela cultura onde estão inseridas. As representações sociais constituem, pois, o saber comum a um determinado grupo, uma forma de conhecimento construída e partilhada pelos membros de uma sociedade. Esta noção teve origem na Psicologia Social, com Emile Durkheim, que já em 1897 opunha as representações individuais às representações colectivas. No entanto, foi sobretudo Serge Moscovici (1960) que desenvolveu o conceito de representação social. Para este autor, as representações sociais são indispensáveis nas relações humanas, pois permitem aos membros de um grupo comunicar e entender-se. As representações sociais são, pois, formas de entendimento e de integração do mundo físico e social que envolve o indivíduo, isto é, são mecanismos psicológicos de identificação, explicação e apropriação da realidade circundante.

Para Matos (1992: 133) as representações são teorias implícitas sobre os objectos sociais importantes, ou seja, uma “modalidade de conhecimento que serve a apreensão, avaliação e explicação da realidade.” Este autor, usando as ideias de Vala (1986), refere que a representação é a manifestação de um processo de categorização em que a função é a organização significante da realidade. A representação é, pois, um produto e um processo de uma actividade através da qual as pessoas constroem a

realidade face a situações e objectos com que são confrontados e lhes atribuem uma significação específica.

A noção de concepção, que também tem sido alvo de muita discussão entre vários autores, aproxima-se da de representação (Matos, 1992). Para este autor, por concepção entende-se o conhecimento que o indivíduo constrói na interacção e construção do real. Nessa construção activa, os sujeitos usam a informação que

elaboram a partir da experiência e do confronto de ideias. Também entre o termo

crença (termo mais usado na literatura anglo-saxónica) e o termo concepção se verifica

uma certa indefinição conceptual, que Ponte (1992) procura resolver desta forma:

As crenças referem-se a uma parte do conhecimento relativamente “pouco elaborada” [...]. Nas crenças predominaria a elaboração mais ou menos fantasista e a falta de confrontação com a realidade empírica. […] As concepções podem ser vistas neste contexto como o pano de fundo organizador dos conceitos. Elas constituem como que “miniteorias", ou seja, quadros conceptuais que desempenham um papel semelhante ao dos pressupostos teóricos gerais dos cientistas. (p.195-196)

Para este autor, o estudo das concepções dos professores deve apoiar-se necessariamente no quadro teórico referente à natureza do conhecimento. Assim, salienta que as crenças constituem um domínio do conhecimento do professor com pouca elaboração, mais ou menos fantasista e com uma fraca confrontação com a realidade empírica. Thompson (1992), uma autora norte-americana que se dedicou ao estudo deste assunto, entende concepções do professor como "uma estrutura mental mais geral, incluindo crenças, significados, conceitos, proposições, regras, imagens mentais e outras coisas semelhantes" (p.130). A autora diferencia crenças de conhecimento, embora refira que alguns investigadores, ao estudarem o conhecimento do professor, incluem também as suas crenças. No sentido de distinguir crenças de conhecimento, a autora analisa algumas características que considera essenciais. A primeira delas diz respeito à existência nas crenças de diferentes graus de convicção, ao contrário do que acontece no conhecimento. A segunda característica distintiva das crenças é o seu carácter não consensual: um sujeito pode saber que os outros têm convicções diversas das suas, sem que isso constitua para ele um problema. A última característica diz respeito à existência de critérios que permitem julgar e avaliar a validade do conhecimento, inexistentes para as crenças.

Neste quadro, Ponte (1992) distingue concepções manifestadas de concepções

(i) as primeiras são aquelas que eles descrevem como sendo as suas e podem sofrer uma influência significativa do que no discurso social e profissional é tido como adequado, mas não serem capazes de informar a prática, devido a diversos factores: falta de recursos materiais e organizativos; falta de recursos conceptuais; ou pelo esforço exagerado que se antevê;

(ii) as segundas são as que efectivamente informam a sua prática.

Comparando as enunciações sugeridas por Ponte (1992) e Thompson (1992) para o conceito de concepções, verificamos numa primeira análise preocupações substancialmente diferentes. O primeiro autor apresenta uma definição essencialmente compreensiva e com um certo carácter dinâmico, orientada para a explicação dos factos. Thompson, por sua vez, tem uma preocupação mais extensiva, mas também mais estática, enumerando os diversos elementos que constituem as concepções.

Thompson (1992) defende, ainda, que é importante para os professores terem consciência das suas concepções, pois considera que as concepções (conscientes ou inconscientes) acerca do conhecimento e do seu ensino são importantes no desenvolvimento das práticas no seu quotidiano profissional. Nesta linha de pensamento, Morales (2002) sustenta que as concepções não só determinam a maneira de ver a realidade, mas guiam e orientam a maneira de actuar na sala de aula. Neste sentido, considera que “cada individuo construye su cosmovisión a partir de sus experiencias de vida, elabora una serie de teorías y conceptos que le permiten, en parte, enfrentar las situaciones que se le presentan en la vida, solucionar problemas tanto personales como profesionales, tomar decisiones, en otras palabras, orientar su acción.” (idem: 1).

Em síntese, podemos afirmar que as crenças se distinguem das concepções, uma vez que as primeiras têm um grau de elaboração e um nível de sustentação menores do que as segundas. As concepções constituem as teorias pessoais das pessoas, apoiando-se tanto no conhecimento científico como no saber prático resultante da reflexão sobre a experiência. As representações estão a meio caminho entre as crenças e as concepções, aproximando-se mais de umas ou de outras consoante os autores. Neste estudo, adoptamos o termo concepção para analisar o conhecimento que alunos e professores têm sobre a leitura, uma vez que pretendemos ter acesso às “teorias pessoais” dos diversos intervenientes no estudo, que resultam de uma combinação de saberes de diversa natureza, tanto teóricos (sobretudo no caso dos professores e dos professores

bibliotecários, obtidos no contexto de cursos e outras actividades de formação) como práticos (obtidos da reflexão sobre as suas práticas de leitura).

Nas secções seguintes focamos as concepções de alunos e professores sobre a leitura.