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LEI VALOR (R$) DESTINAÇÃO

6.2. CONCLUSÃO GERAL

Ao final destes capítulos, percorreu-se um caminho que se iniciou com o questionamento quanto à existência ou não de desvios na aplicação dos recursos arrecadados financiamento da Seguridade Social, analisando os respectivos desequilíbrios que esses desvios produziriam, sob a ótica das Teorias dos Sistemas e Comunicacional, e ainda indagando a possibilidade de aplicação complementar da Teoria do Caos à problemática dos desvios eventualmente encontrados – tendo este último questionamento encontrado resposta negativa.

Verificou-se a existência de desvios na aplicação dos recursos da Seguridade Social. Estes desvios são representados pelo instituto da Desvinculação das Receitas da União, pela existência de leis que desviaram recursos da Seguridade, pela elaboração de um Plano Plurianual que não observa princípios constitucionais, e por fraudes contra o sistema, particularmente contra a Previdência. Todos estes desvios geram uma propaganda sobre um déficit previdenciário que não corresponde à realidade.

Tais desvios, a partir da perspectiva das Teorias dos Sistemas e Comunicacional, são capazes de violar a integridade do sistema jurídico, em realidade entrópica ameaçadora da homoestase desse sistema, pela introdução de elementos geradores de feedbacks contrários aos princípios constitucionais.

Existe a necessidade de controlar não apenas o risco, mas também o caos decorrente da não atenção aos princípios estabelecidos para o gerenciamento do risco.

A desordem é capaz de gerar reações em cadeia – conforme a exemplificação gráfica apresentada - com força para afetar o sistema social, político e econômico, igualmente complexos e abertos, por definição, os quais ficam afetados pelos processos comunicacionais.

A intercomunicação entre as diversas áreas do Direito, a despeito da codificação e da fonte escrita (legislativa, além da doutrina, jurisprudência etc.), assim como ocorre na intercomunicação entre o sistema jurídico e os sistemas social, econômico, político etc., possibilitada pela abertura dos respectivos sistemas, existe com a necessária intervenção do ser humano, e daí não se pode comparar, de forma técnica, tais interpenetrações com aquelas comandadas pelas leis físicas ou da natureza.

Ocorre que, se o Sistema Jurídico possui valores – eleitos na forma de princípios de caráter deôntico - , o ser humano também os carrega consigo, na forma dos ditames morais, de consciência, de formação de cada pessoa humana.

Deste modo, para além do jurídico, existe uma realidade possível de ser observada pelo cientista - que é antes de tudo um ser dotado de capacidade de reflexão -, que demonstra uma interação entre dois conjuntos: o primeiro, formado pelos valores que cada um carrega consigo – e a direção que o homem toma, conforme os ditames da razão e do espírito – , e o segundo conjunto, dos valores que foram eleitos pelo Sistema Jurídico.

Nesse passo, a pessoa humana deve observar a solidariedade como valor inequívoco para a harmonização social, perseguindo indelevelmente a concretização daquela, pela utilização de todo o instrumental fornecido pelo Direito. Em outras palavras, a solidariedade é um valor, mas também é um dever-ser no ordenamento positivo brasileiro.

A intercomunicação entre os sistemas complexos nos conduz ao reconhecimento de que a ordem de cada sistema em particular pode ser afetada em maior ou menor grau, com o triunfo do equilíbrio interno – homoestase - ou com a geração de confusão, quer dizer, de caos.

Se o homem, contemplando a importância da solidariedade, foi capaz de criar institutos para a prevenção, redução e eliminação dos riscos, mesmo dos riscos sociais, também tem o poder e o dever de tentar controlar o caos, o que já foi cientificamente constatado. Procurando evitar também, de forma mais eficiente, as fraudes perpetradas contra a Seguridade.

De modo que as leis que autorizam o desvio na aplicação dos recursos da Seguridade Social – de estrutura caótica por estarem desconectadas dos princípios constitucionais da Seguridade - geram a eclosão de um feedback que prejudica a harmonia do sistema jurídico, sem mencionar a violação do princípio da contrapartida, e de outros que com ele são conexos.

É possível, portanto, comprovar cientificamente que a desordem no sistema jurídico, causada pela efetivação desses desvios aqui demonstrados, é capaz de afetar a destinação das contribuições da Seguridade arrecadadas, gerando uma reação em cadeia que irá, cedo ou tarde, interagir de forma diversificada com outros sistemas complexos nos quais o homem está presente.

A diminuição no custeio de recursos da Seguridade, por estes desvios, interfere automaticamente na contrapartida das quantias a serem aplicadas no pagamento de benefícios. Essa interferência provoca a propaganda sobre o falso déficit da Seguridade, e preconceitos quanto à possibilidade de aumento do valor dos benefícios. Faltando recursos, em contrapartida faltarão verbas para os benefícios, afetando, em maior ou menor grau, a família brasileira. E com a base da sociedade - conforme a letra do artigo 226 da Constituição Federal -, atingida pelo desrespeito à regra da contrapartida, a capacidade laboral de cada membro da família pode sofrer influência negativa. Trata-se de risco social caracterizado pela possível eclosão da diminuição no nível de vida dessas pessoas. Com muitas famílias atingidas, a produção econômica pode ser prejudicada. Por meio da interpenetração dos sistemas Direito-Economia, o revés econômico a partir daí experimentado, dependendo da escala em que ocorrer, é capaz de ameaçar a Ordem Social, em suma, ameaçar todo o Brasil.

Os efeitos nos diversos sistemas comunicacionais também são trágicos, na medida em que se vai admitindo, sem oposição popular, a existência de comandos legais inconstitucionais que são interpretados como aceitáveis ante o revestimento legal que apresentam. A antinomia não atacada, ou a ficção jurídica não combatida, faz recordar o pensamento do nazista Goebbels, para quem a insistência em contar uma mentira poderia ser utilizada como arma, para que a mesma mentira pudesse finalmente ser aceita como verdade. No caso, a mentira é uma ficção jurídica, consistente na aceitação dos desvios legais de aplicação dos recursos da Seguridade como se fossem normais.

É o caos ruim entrando no mundo jurídico.

A permissão à entrada do caos no sistema jurídico decorre do esquecimento dos seus valores e princípios fundamentais, como incansavelmente recordaram Canaris, Balera e outros doutrinadores que se debruçaram sobre a Teoria dos Sistemas.

A dignidade do homem deve ser o centro dos propósitos legislativos, não só no universo da Seguridade, mas em todo o sistema jurídico autopoiético, onde a aplicação de uma norma significa a aplicação de todo o sistema.

E sistema que pode ser entendido como ordem teleológica de princípios gerais de Direito.

Sem a observância da solidariedade, cujo espírito é o que mantém unido, de

certo modo, o sistema da Seguridade Social, a legislação previdenciária não atingirá a efetividade que é o objetivo de todo o sistema protetivo na busca da concretização da justiça social e do estado de bem-estar.

Por fim, ressalte-se que para além da constatação da inegável importância da contribuição do positivismo kelseniano para a evolução da ciência jurídica, hoje a doutrina está redescobrindo a importância de uma revalorização do espírito que precede o Direito, instigando o jurista a investigar o que está por trás da norma fundamental de obediência à Constituição, para que se reencontre, finalmente, e de uma forma mais efetiva, com o mundo dos valores, sem os quais a Seguridade não poderá evitar as insídias do caos.