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Reação em cadeia e crise internacional

CAPÍTULO 4 – VERIFICAÇÃO DA POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA TEORIA DO CAOS NA ANÁLISE DA APLICAÇÃO DOS

4.1. SOBRE O CAOS

4.1.6. Reação em cadeia e crise internacional

A questão do risco social remete à indagação de qual seria sua mola propulsora. E essa origem também pode ser resultado de algum tipo de reação em cadeia.

Duas grandes guerras e o avanço tecnológico conferiram ao homem a capacidade de produzir bombas atômicas, utilizando fusão ou fissão nuclear. Núcleos de hidrogênio e hélio se unem formando elementos mais pesados, liberando uma quantidade fantástica de energia destrutiva. Ou então é empregado um mecanismo de bombardeamento de nêutrons sobre núcleos pesados de plutônio ou urânio. Seja qual for o método, o resultado todos conhecem bem, ou já ouviram falar. Aqui, a reação em cadeia é evidente, partindo do nível atômico, passando ao macromolecular numa fração de segundos, e em seguida a todo o meio ambiente próximo. A velocidade de tal reação é surpreendente, e não pode ser observada a olho nu. Diferentemente do que acontece ao posicionarmos as peças de um dominó em fileira. Ao empurrarmos a primeira peça, também poderemos prever – em condições normais de ausência de vento, perpendicularidade, gravidade etc. – o que acontecerá.

A previsibilidade das reações em cadeia de certos fenômenos naturais contrasta com as interrogações manifestas pela mobilidade das criações humanas. As realidades política e econômica, por exemplo, nem sempre são fáceis de serem compreendidas quanto à sua gênese e ao seu futuro. Entretanto, a complexidade das causas dos problemas

Um caso recente de chain reaction158 é emblemático, e merece destaque. Foi o que originou a crise internacional de 2008, e que, segundo a mídia especializada, pode gerar uma segunda onda de caos nos próximos anos.

De fato, a crise econômica internacional também é o resultado de inúmeras reações em cadeia, e ela por si própria também afeta sistemas sociais, políticos, até mesmo culturais. Portanto, há poucos anos atrás, a mídia relatou o caso envolvendo o presidente do Federal Reserve – FED, o Banco Central dos Estados Unidos -, Alan Greenspan, que orientou os investimentos norte-americanos para o setor imobiliário, em decorrência da crise da “bolha da Internet” em 2001159.

Em resumo, na nova política de investimentos, houve a adoção de taxas de juros muito baixas nos Estados Unidos, gerando um aumento na demanda por imóveis. A seguir, bancos concederam empréstimos altíssimos a famílias que não tinham condições de arcar com as dívidas, hipotecando suas casas. Chamados de empréstimos hipotecários

subprimes, foram feitos incontáveis financiamentos de imóveis a clientes de alto risco. Só que os mesmo bancos que emprestaram esse dinheiro criaram títulos negociáveis baseados nessas mesmas hipotecas. E por alguns anos tais títulos circularam no mercado.

O curioso é que o mesmo FED aumentou as taxas de juros em 2005, causando a queda no preço dos imóveis. Com essa queda, as famílias que tiveram a casa hipotecada já não tinham mais como solver a dívida, o que originou um boom160 de inadimplência norte-americana.

Por incrível que pareça, o efeito dominó que surgiu dessa inadimplência afetou não apenas a economia americana, mas o mundo todo, pois foram numerosas as instituições financeiras que apostaram suas fichas em títulos repentinamente desvalorizados. Bancos sem dinheiro, empresas sem dinheiro. O fenômeno desencadeou – exatamente como na imagem das peças do dominó chocando-se umas às outras quando enfileiradas - demissões em massa no mundo todo, pedidos de falência e de recuperação judicial, e diversos encontros

158 Reação em cadeia, em tradução livre.

159 Crises financières à répétition: quelles explications? quelles réponses, Fondation Res Publica, Paris, 2008. 160 Explosão, proliferação, em tradução livre.

de políticos e chefes de Estado que falam, ainda hoje, em criar uma nova forma de controle financeiro internacional, e até mesmo em moeda única mundial161.

Sob o ângulo proposto por este trabalho, interessa a relação de interação que houve entre os sistemas familiar-social, financeiro (particularmente o bancário), político e econômico, finalmente gerando o advento do sinistro social.

É, portanto, o sinistro social162 o evento que concretiza a perda de emprego – como as demissões em massa geradas pela crise -, a diminuição do nível de vida do trabalhador, e a influência destes prejuízos afetando toda a coletividade, em maior ou menor grau, de acordo com a realidade e a preparação de cada país.

A origem desse sinistro social poderia ter sido evitada pela ação humana, da mesma forma que a aplicação dos recursos arrecadados para o financiamento da Seguridade também passa pelo crivo desta vontade, seja no ato de elaboração de uma lei, seja na obediência aos seus preceitos. Recordando o trabalho de Bonting, verifica-se empiricamente a possibilidade do homem interferir nos processos de reação em cadeia, ainda que, no primeiro momento, sua pesquisa tenha se circunscrito ao universo físico.

Neste momento, é apropriada a exortação do Papa Bento XVI em sua Encíclica Caritas in Veritate163, a respeito da crise econômica e de suas relações com os sistemas de Seguridade mundiais. Observe-se como o Papa apresenta alguns fenômenos de reação em cadeia:

“25. Do ponto de vista social, os sistemas de segurança e previdência — já presentes em muitos países nos tempos de Paulo VI — sentem dificuldade, e poderão senti-la ainda mais no futuro, em alcançar os seus objetivos de verdadeira justiça social dentro de um quadro de forças profundamente alterado. O mercado, à medida que se foi tornando global, estimulou antes de mais nada, por parte de países ricos, a busca de áreas para onde deslocar as atividades produtivas a baixo custo a fim de reduzir os preços de muitos bens, aumentar o poder de compra e deste modo acelerar o índice de desenvolvimento centrado

161 Sem mencionar o fato de que o Fórum Econômico Mundial – FEM, em janeiro de 2011, apresentou relatório

afirmando que o mundo não está preparado para uma segunda onda de crise internacional como a que aconteceu em 2008.

162 Por exemplo, a probabilidade de perda de emprego é um risco; a perda concreta, real é, portanto, um sinistro. 163 Disponível no www.vatican.va.

sobre um maior consumo pelo próprio mercado interno. Conseqüentemente, o mercado motivou novas formas de competição entre Estados procurando atrair centros produtivos de empresas estrangeiras através de variados instrumentos tais como impostos favoráveis e a desregulamentação do mundo do trabalho. Estes processos implicaram a redução das redes de segurança social em troca de maiores vantagens competitivas no mercado global, acarretando grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os direitos fundamentais do homem e a solidariedade atuada nas formas tradicionais do Estado social. Os sistemas de segurança social podem perder a capacidade de desempenhar a sua função, quer nos países emergentes, quer nos desenvolvidos há mais tempo, quer naturalmente nos países pobres” (trechos ora destacados).

Talvez seja a primeira vez que um Papa tenha falado tão abertamente sobre uma ameaça aos sistemas de Seguridade, em razão da crescente competitividade econômica e de outros fatores de risco, o que faz visualizar a inter-relação entre os sistemas econômico e jurídico da Seguridade Social.

A competitividade econômica acirrada, ou descontrolada, também é capaz de atingir um degrau onde os atores sociais se tornam negligentes quanto à observação da promoção da dignidade humana e do mínimo existencial, abrindo as portas para a desordem social em detrimento dos valores, em torno dos quais os sistemas criados pelo homem devem gravitar.

4.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS FORMAS DE ATUAÇÃO DO