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O falso déficit 183 da Previdência Social

LEI VALOR (R$) DESTINAÇÃO

5.1.5. O falso déficit 183 da Previdência Social

Dispõe o artigo 167 da Constituição Federal, em seus incisos VIII e XI:

“Art. 167. São vedados:

[...] VIII - a utilização, sem autorização legislativa específica184, de recursos

dos orçamentos fiscal e da seguridade social para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas, fundações e fundos, inclusive dos mencionados no art. 165, § 5º;

[...] XI - a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201”. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).

No item 3.1.5 verificou-se um resultado negativo para o ano de 2010, aparentemente demonstrando que as despesas da Seguridade ultrapassaram suas receitas. Porém, o que se contatou até aqui é que tabelas como aquela do referido item deixam de

183 Termo contábil indicador da existência de um saldo negativo em conta financeira, causado pela existência de

despesas em número superior às receitas.

184 “A autorização legislativa refere-se ao controle do Congresso Nacional ou das Casas Legislativas Estaduais e

Municipais sobre o Poder Executivo, visto que, como princípio geral, tal vedação aplica-se a Estados, Municípios e Distrito Federal, de acordo com a minha particular visão da questão. É necessária para utilização dos recursos a que faz menção o dispositivo. Tal autorização, todavia, não pode ser genérica, diluída em algum verbete, em que se entenda que os recursos poderiam de lá sair. A autorização deve ser específica, isto é, clara e nitidamente voltada à utilização que se fará dos recursos mencionados” (MARTINS, Ives Gandra. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1991, 6º volume, tomo II, p. 359). Ressalte-se que, no que tange especificamente aos recursos da seguridade social, a hipótese autorizadora é especialíssima e não deixa de constituir, segundo o conceito adotado por este trabalho, uma forma de desvio.

informar os desvios mencionados nos itens 5.1.2 a 5.1.4, quais sejam, a Desvinculação das Receitas da União, as leis que desviaram recursos da Seguridade, e a elaboração do Plano Plurianual contendo a destinação de recursos da Seguridade para outras finalidades que não a Saúde, a Assistência e a Previdência Sociais. Quer dizer, o famigerado déficit da Previdência não leva em conta esses desvios.

A cada aplicação de recursos da Seguridade Social, em finalidades diversas das constitucionalmente previstas, está ocorrendo desvio.

Não há nem que se falar em reserva do possível, ou seja, no fato de que a construção do estado de bem-estar só é possível se houver recursos financeiros disponíveis para tanto. Aqui, trata-se de falar em retorno à obediência dos princípios constitucionais e à atenção aos valores que os permeiam. Pois, já está comprovado, no curso deste trabalho, que há recursos suficientes; no entanto, uma grande parcela destes é desviada.

Os desvios na aplicação dos recursos da Seguridade, dentro de suas finalidades constitucionais, prejudicam toda a sociedade. Nesse sentido, cabe recordar o que ensinou Wagner Balera no seu O Direito dos Pobres185:

“A segurança social é prioridade que só governantes inspirados na regra básica da solidariedade, podem escolher.

O desafio da erradicação da miséria, da opressão e da doença, ainda não encontrou estadistas que tivessem suficiente amor para arrostá-lo de forma corajosa e integral” (ora destacado).

Esta forma corajosa e integral não aceita os desvios tratados por este trabalho. Nesse sentido, no que tange à Previdência Social, é muitíssimo oportuna a colocação de Denise Lobato Gentil186:

Em textos de alguns pesquisadores do ramo, são encontradas recomendações que reivindicam atitudes enérgicas do governo para corrigir a situação de descontrole financeiro na previdência social e diminuir a intensidade do problema fiscal futuro [...]. A imprensa noticia dados trágicos acompanhados de linguagem dramática sobre a situação da previdência social. Um dos argumentos mais repetidos periodicamente pela mídia é de que os déficits crescentes da previdência engessam a

185 São Paulo: Edições Paulinas, 1982, p. 21. 186 A falsa crise, ob. cit., p. 3.

administração das contas públicas, restringindo cada vez mais o espaço para investimento pelo Estado.

Diante dessa avalanche de avaliações sombrias massificadas pela mídia, não é de se estranhar que pessoas comuns, políticos e até pessoas respeitáveis do meio acadêmico acreditem que é preciso, urgentemente, fazer a reforma da previdência para resolver um problema financeiro gravíssimo. O déficit, no entanto, não existe. Se investigados mais detidamente, os dados estatísticos do Brasil revelam que não há crise financeira na previdência social e, principalmente, não há crise no sistema de seguridade social. No caso do sistema previdenciário [...], tem havido uma situação muito mais tranqüila do que se poderia supor [...], com alguns escassos momentos de déficit, apesar da política econômica recessiva adotada nesse período, que conduziu a resultados perversos no nível de produção e no mercado de trabalho. À revelia do quadro econômico desfavorável desse período, o desempenho do sistema previdenciário foi apenas parcialmente prejudicado. Quanto ao conjunto de ações associadas à seguridade social, verifica-se que o sistema como um todo é superavitário nesse período, o que indica que o governo pôde dispor de recursos excedentes. Ao decidir sobre sua utilização, no entanto, deixou de gastá-los com serviços de saúde, previdência e assistência social, para aplicá-los no orçamento fiscal, contribuindo para os superávits primários elevados dos últimos tempos”.

A constatação desta autora vem confirmar o fato de que não existe déficit na Previdência Social. Há recursos disponíveis, porém desviados para outras áreas que não as afeitas à Seguridade, como foi demonstrado nos itens anteriores.

Recorde-se, aqui, o pensamento sistemático de Canaris, mencionado em capítulo anterior, segundo o qual o sistema jurídico deve prevenir a contradição de valores, pela inserção de leis que afrontam as diretrizes constitucionais.

Por fim, ressalte-se que a ocorrência de desvios fere frontalmente o disposto no parágrafo 5º do artigo 195 da Constituição, a chamada regra da contrapartida, comentada em capítulos anteriores.