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O CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

CAPÍTULO 3 – A SEGURIDADE SOCIAL E SEU CUSTEIO

3.1. O CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

De que modo o Custeio da Seguridade Social pode ser relacionado à terminologia da Teoria dos Sistemas, ou, talvez, à Teoria do Caos?

Para responder a esta questão, é preciso primeiro observar, em atenção à proposta metodológica, o que pode ser verificado empiricamente no sistema da Seguridade, onde o custeio encontra sua previsão legal no artigo 195 da Carta Magna e, na esfera infraconstitucional, regulado pela Lei 8.212/91, denominada Plano de Custeio da Seguridade Social.

Os recursos para o financiamento da Seguridade provêm de toda a sociedade, principalmente do Estado, e têm como fundamento a Constituição Federal no seu artigo 195:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento; c) o lucro;

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III – sobre a receita de concursos de prognósticos;

IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar”.

Dentro dessa previsão legal, cabe ressaltar as considerações de Wagner Balera116:

“Recursos são o instrumental financeiro apto a dar sustentação ao sistema.

Cada plano de proteção – tanto público quanto privado – deverá ser dotado de reservas que fundearão, em conformidade com a legislação, os contratos, convênios e termos de parceria, o objetivo social antes definido.

Caracterizando os planos de proteção como integrantes de certo sistema destacado do arcabouço institucional do Estado brasileiro, a Carta Magna estabelece – art. 165, §5º - que os setores da seguridade social estarão contemplados por orçamento próprio.

Com efeito. De conformidade com o esquema constitucional de distribuição dos recursos, a etapa a ser vencida, de início, no terreno da seguridade social é a do planejamento.

Consistente com o Plano Plurianual de Investimento (PPA) deve ser desenhada, com os dados de cada setor, a proposta orçamentária.

Nos precisos termos do art. 195 do Estatuto Fundamental, a construção legislativa do orçamento deve ser calcada em metas e prioridades que, para o sistema de seguridade social, o Congresso Nacional tenha ditado, a seu tempo, em Lei de Diretrizes Orçamentárias.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) nada mais consiste que no Plano Plurianual desdobrado ano a ano.[...]. Verdadeira lei sobre leis do orçamento, à LDO caberá delimitar as linhas básicas para futuras alterações da legislação que disciplina o financiamento da seguridade social”.

As metas e prioridades, constantes da construção legislativa do orçamento da Seguridade Social, devem observar o equilíbrio – a homoestase - que surge como resultado da aplicação de cada princípio expresso pela Constituição da República.

Assim, o numerário117 para o financiamento da Seguridade Social é

arrecadado de forma direta, mediante as diversas contribuições sociais de Seguridade Social autorizadas pela Constituição, e de forma indireta, mediante as receitas orçamentárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

116 Sistema de seguridade social. 4.ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 25. 117 Dinheiro, verba.

O legislador constituinte não fixou um percentual específico, determinando a parte que cada uma das pessoas políticas (União, Estados Distrito Federal e Municípios) deveria direcionar para o custeio da Seguridade, deixando esta matéria para a disciplina infraconstitucional.

Então, hierarquicamente abaixo da Constituição, cabe à Lei de Diretrizes Orçamentárias estabelecer metas e prioridades também para a gestão da Seguridade Social, e as leis orçamentárias das diferentes pessoas políticas fixam a parcela do orçamento público a ser destinada à concretização desses objetivos. Cada pessoa política deverá definir o percentual que será consignado à Seguridade.

Cumpre ressaltar que, com referência específica à Saúde, que ao lado da Previdência e da Assistência compõe a Seguridade Social, a Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000, instituiu modificações importantes, inserindo os parágrafos 2º e 3º ao artigo 198 da Carta Magna, dando a esta esfera da Seguridade um quantitativo fixo de receita pública, de uma forma que poderá servir de inspiração para a disciplina do financiamento das demais áreas da Seguridade, conforme a ponderação de Wagner Balera.118

Reforçando as características do financiamento indireto, a Lei 8.212, em seus artigos 16 e 17, dispõe que a contribuição da União seja constituída de recursos adicionais do orçamento fiscal, “fixados obrigatoriamente na lei orçamentária anual”, sendo tal pessoa política responsável também “pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social, quando decorrentes do pagamento de benefícios de prestação continuada da Previdência Social, na forma da Lei Orçamentária Anual”. Mais especificamente no artigo 17, “para pagamento dos encargos previdenciários da União, poderão contribuir os recursos da Seguridade Social referidos na alínea d do parágrafo único do artigo 11 desta Lei119, na forma da Lei Orçamentária anual, assegurada a destinação de

recursos para as ações desta Lei de Saúde e Assistência Social”.

Percebe-se a existência de caminhos de financiamento, ordenados segundo a previsão legal que, por sua vez, deve observar os princípios constitucionais.

118 Direito Previdenciário. 7ed São Paulo: Método, 2010, p. 78.

Sobre os encargos previdenciários da União, retro citados, Balera ensina que

“são responsabilidades financeiras que a União assumiu com dependentes dos seus servidores já falecidos. Essas pessoas recebem pensões, que deveriam ser custeadas pelo Tesouro Nacional. Mas, por absurda disposição legal, são sacadas do orçamento da seguridade social. Estamos, pois, diante de uma situação paradoxal. Ao invés de verter recursos regulares para cumprir com suas obrigações constitucionais a União saca verbas da seguridade social para pagamento de encargos previdenciários que são de sua exclusiva responsabilidade”120.

E não apenas isso. O autor prossegue:

“O artigo 90 da Lei 8.212/91 previu que o Conselho Nacional de Seguridade Social deveria ter apurado os valores correspondentes a essa dívida no prazo de 180 dias, prazo esse que nunca foi cumprido. Ademais, referido Conselho foi extinto pela MedProv 2.216—37/2001 e não há, hoje em dia, quem possa ordenar a apuração dessa antiga e elevada dívida”121.

Com isso, já nos deparamos com a realidade de que o financiamento indireto da Seguridade Social é maculado pela elaboração de leis que se afastam dos princípios constitucionais que deveriam norteá-las, como o da Regra da Contrapartida122, que não vem sendo observada, como na questão dos encargos previdenciários dos servidores da União, acima exemplificada.

Com a extinção do Conselho Nacional de Seguridade Social, o sistema jurídico perdeu um importante mecanismo de auxílio no controle de sua homoestase.

Já com relação ao financiamento direto, a chamada contribuição social de Seguridade Social é o veículo eleito para custear basicamente a Seguridade, conforme o preceituado no artigo 149, conjugado com o artigo 195 da Constituição, seus parágrafos e incisos.

120 Direito Previdenciário, ob. cit., p 79. 121 Idem, p. 80.

122 Nenhum benefício ou serviço da Seguridade Social poderá ser criado, majorado ou estendido, sem a correspondente fonte de custeio total – parágrafo 5º do artigo 195 da Constituição Federal.

As contribuições distinguirão grupos de contribuintes aos quais esteja referida determinada atividade econômica.

As receitas dessas contribuições deverão ser exclusivamente aplicadas para a sua finalidade constitucionalmente prevista.

É através do Plano Plurianual123, elaborado com base em critérios encontrados pela ciência atuarial e pelas estatísticas, além da colaboração interdisciplinar, que se poderá apurar com maior segurança o valor das cotas de financiamento tanto diretas quanto indiretas.

O custeio contemplado no Plano Plurianual deve ser construído ante as exigências da Regra da Contrapartida e do equilíbrio econômico-técnico-financeiro, com base na experiência dos riscos transformados em sinistros, no dia-a-dia da sociedade.

Com referência especificamente às contribuições sociais previstas nos incisos do artigo 195 da Constituição, faz-se necessário frisar que desde o seu nascimento – e, aliás, como mola propulsora de sua gênese -, as contribuições sociais de Seguridade Social existem unicamente para financiar a Previdência, a Assistência Social e a Saúde, ações que compõem a Seguridade, baseadas em arcabouço legal específico, constitucional e infra- constitucional.

A percepção das contribuições sociais como realidades tributárias específicas ou singulares permite sua inserção mais apurada na dialética da Teoria dos Sistemas e no tema do caos.

Como afirma Ives Gandra da Silva Martins, ao comentar sobre as contribuições sociais: As contribuições estão vinculadas às suas finalidades124.

123 Artigo 165, inciso I, da CF – “Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I – o plano plurianual; II –

as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais”.

Nesse sentido é a posição de Rubens Gomes de Souza, criador do Código Tributário Nacional125. Comungando do mesmo pensamento, além de Aliomar Baleeiro e extenso rol de doutrinadores, conforme o item 1.2 deste trabalho, posicionam-se Eurico Marcos Diniz de Santi e Vanessa Rahal Canado126:

“O mesmo se diga das contribuições: a existência de finalidades específicas a que elas se propõem é seu diferencial constitucional. É irrelevante que o Código Tributário Nacional, em seu artigo 4º, proíba a consideração da destinação do produto da arrecadação como critério para identificação das espécies tributárias, já que este diploma normativo é anterior às Constituições que trouxeram a possibilidade de instituição das contribuições”.

Cumpre, oportunamente, apresentar o ensinamento de Paulo de Barros Carvalho127:

“A Constituição da República de 1988 faz referência expressa a três espécies de contribuições passíveis de serem instituídas pela União, diferenciadas conforme as finalidades a que se destinem: (i) sociais, (ii) de intervenção no domínio econômico e (iii) de interesse das categorias profissionais ou econômicas (artigo 149, caput). Implicitamente, também estariam no rol das contribuições aquelas conhecidas por residuais.

Ao tratar das contribuições sociais, por sua vez, subdivide-as em duas categorias: as genéricas (artigo 149, caput) e as destinadas ao financiamento da seguridade social (artigo 195).

Quanto às contribuições sociais a que se refere o artigo 149, caput, da Constituição, têm acepção bem abrangente, destinando-se ao custeio das metas fixadas na Ordem Social (Título VIII). Incluem-se no seu domínio aquelas voltadas ao financiamento da seguridade social, disciplinadas pelo artigo 195 da Carta Suprema. Em síntese, as contribuições sociais são instrumentos tributários, previstos na Constituição de 1988, que têm por escopo o financiamento das atividades da União nesse setor. E, no âmbito desse campo social, encontramos contribuições com a específica finalidade de custear a seguridade social (saúde, previdência e assistência social), configurando subgrupo da classe denominada contribuições sociais.

As duas categorias de contribuição acima referidas, conquanto consubstanciem espécies de um mesmo gênero – contribuições sociais - , são disciplinadas de forma diferenciada pelo Texto Maior. Não obstante ambas sejam completamente submetidas ao regime jurídico

125 Citado por HORVATH JR, Miguel. Direito Previdenciário. 7 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 392. 126 Direito Tributário e Direito Financeiro: Reconstruindo o Conceito de Tributo e Resgatando o Controle da Destinação. In COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Contribuições para a Seguridade Social. São Paulo, Quartier Latin, 2007, p. 309).

tributário, as contribuições para a seguridade social receberam tratamento constitucional peculiar”.

Citando, também, José Eduardo Soares de Melo128:

“As contribuições sociais constituem tributos de características específicas, vinculadas a despesa especial ou vantagem referida aos contribuintes e que podem implicar, ou não, em atuação estatal. A receita das contribuições deve ser destinada diretamente ao custeio da seguridade social, integrando seu orçamento”.

Vista essa realidade, em continuidade ao tema, poderia ser feita uma descrição dos aspectos próprios das principais contribuições para o financiamento da Seguridade. Há muitas obras de Direito Previdenciário que detalham extensivamente cada contribuição social e suas diversas características.

No entanto, optou-se por não realizar este aprofundamento neste trabalho, visto que o objetivo aqui é simplesmente detectar a presença de desvios na realidade jurídico- previdenciária, independentemente do número de contribuições previsto no ordenamento jurídico brasileiro.

Cabe citar, no entanto, que, observando o primeiro inciso previsto pelo artigo 195 da Constituição, a contribuição da empresa e do empregador incide sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício, sobre o faturamento ou receita (COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social e PIS/Pasep – Programa de Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), sobre o lucro (CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido); no inciso IV do referido artigo 195, por sua vez, prevê-se a contribuição do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

É devida também contribuição pelo empregador doméstico; a contribuição pela microempresa (SUPERSIMPLES – Sistema Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte); contribuições diferenciadas pelas associações que têm atividade de futebol profissional; a do produtor rural pessoa física e pessoa jurídica; trabalhador segurado especial;

contribuição pelos trabalhadores em geral; a contribuição sobre a receita de concursos de prognósticos, esta última prevista pelo inciso III do artigo 195 da Carta Magna, além das contribuições para custear o Seguro contra Acidentes de Trabalho e aposentadorias especiais.

Existem outras receitas elencadas no artigo 27 da Lei nº 8.212/91129 que compõem o financiamento da Seguridade Social.

A Constituição Federal prevê imperativamente para a Seguridade Social um orçamento130 próprio, nos termos do artigo 165, §5º, inciso III. Assim, a lei orçamentária

anual, veiculada pela, compreenderá “o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público”.

A finalidade principal do financiamento da Seguridade Social é a transformação dos recursos arrecadados em prestações consistentes em benefícios e serviços à sociedade, com base nos objetivos e nos princípios constitucionais no que se aplicarem à Seguridade (v. art. 3º da Constituição).

De forma que a relação entre aqueles conceitos da Teoria da Comunicação e o custeio da Seguridade pode ser facilmente captada, caso sejam detectados os desvios de aplicação de recursos que originam o desequilíbrio analisado pela terminologia específica comunicacional.

Desequilíbrios não solucionados transforma-se em caos.

Interessa conhecer o demonstrativo de Receitas e Despesas da Seguridade em 2010, para auxiliar na análise da aplicação dos respectivos recursos. Mas, antes, veja-se a tabela a seguir, elaborada para o relatório de Análise de Arrecadação das Receitas Federais, sedimentado até junho de 2010 pela Receita Federal:

129Também há as contribuições devidas ao chamado “Sistema S” (ou terceiros – SESI, SESC, SENAT, SENAC,

SEBRAE, SENAI, SENAR, INCRA e outros), incidentes sobre a folha de salários também, mas que não integram o orçamento da Seguridade Social.

ARRECADAÇÃO DAS RECEITAS ADMINISTRADAS PELA RFB