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A cobertura jornalística da violência e da criminalidade em países como o Brasil não se diferencia das coberturas de guerra. Semelhanças são encontradas no número de mortes ocorridas, no armamento pesado utilizado pelos criminosos, nas imagens de violência divulgadas pela mídia e no próprio medo que desperta na população.

Kotscho (2003, p.67) relembra seus tempos de repórter diário e as inúmeras coberturas realizadas, entre elas, as que mostravam o grau de violência no cotidiano das cidades. Cita como exemplo uma matéria que fez, junto com o repórter Marcelo Auler, na Folha de São Paulo, sobre guerra urbana.

(...) Noite de quarta-feira no Instituo Médico Legal. Aqui, no fim do caminho desta luta sem fim, todos são iguais nas mesas geladas de aço inoxidável da sala de autópsias. No mesmo banco estão as famílias do assaltante morto e do vigilante que o matou e também morreu. O assalto à agência do Comind, no Pacaembu, foi de manhã e, desde o começo da tarde desta quarta-feira, as famílias de Hotelino de Carlos Ferreira, o vigilante, de 39 anos, mineiro, casado, três filhos, e de Victor Paulo Ignes,

o assaltante, de 36 anos, paulistano do Tautapé, casado, três filhos, estão à espera dos seus mortos.

Para ele, este tipo de matéria ajuda a fazer as pessoas refletirem, entretanto não basta relatar o número de mortos e feridos ou detalhar a violência, o texto precisa contar quem são as vítimas e suas histórias. Ensina: “o homem é sempre o mais importante, e um exemplo vale mais do que mil tabelas. Um pequeno furto pode acabar na primeira página do jornal, porque é o exemplo vivo de uma situação-limite, um retrato em branco e preto do país” (KOTSCHO, 2003, p.68).

Galtung, conforme foi relatado no capítulo anterior, afirma que o que faz oposição à paz é a violência e não a guerra, pois a guerra é apenas um tipo de violência. O Jornalismo de Guerra, criticado pelo autor, possui as características do jornalismo tradicionalmente questionado pela população e inclusive por seus pares: um jornalismo que não busca apurar os fatos com precisão, que mostra apenas um lado, que na desculpa da imparcialidade mostra a violência como algo insolúvel e o criminoso como o representante máximo de todos os problemas e não uma conseqüência.

A Agência de Notícias do Direito da Infância – ANDI (2001, p.30) aponta a necessidade de haver um grande empenho na formação dos jornalistas para a cobertura dos temas de violência. Para a ANDI, a grande quantidade de reportagens “descritivas”, oferecida cotidianamente ao leitor, indica que ele está sendo informado pela metade. Salvo honrosas exceções, essas reportagens são desprovidas de contextualização, não investigam as causas da violência, não procuram pelas soluções, priorizam a descrição dos atos violentos, transformam o fenômeno social da violência em caso de polícia. A imprensa vira porta-voz das delegacias, e os Boletins de Ocorrência (BO) tornam-se fontes prioritárias dos jornalistas, não responsabilizam o Poder Público, porque raramente este é procurado, bem como, não cobram a ausência de políticas públicas.

A partir desse cenário, a ANDI (2001, p.34) apresenta as seguintes recomendações aos jornalistas na cobertura da violência urbana:

• partir do singular para a análise da violência enquanto fenômeno social. As estatísticas, as pesquisas e os especialistas são recursos importantes nessa passagem do individual para o social;

• incluir dados significativos na descrição dos atores, tais como: escolaridade, cor, religião e classe social;

• conhecer em detalhes as biografias das vítimas e dos agressores, compreendendo a trajetória e o contexto familiar, respeitando, na exposição das informações, o que é protegido por lei e o que deve ser mantido em sigilo para não comprometer a imagem da criança ou do adolescente. Verificar nessas biografias os dados sobre violência de agressores e de vítimas, pois, com muita freqüência, o agressor foi vítima na infância e as vítimas podem estar sendo submetidas a formas crônicas de vitimização;

• levantar sempre os dados que comprovem ou não a impunidade. Acompanhar o desenvolvimento dos casos, desde a descoberta até as providências tomadas pelo Poder Público, de forma a evitar reforçar o mito da impunidade;

• apresentar informações precisas e detalhadas sobre o sistema legal e o papel dos diferentes personagens, com ênfase para o papel do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos Conselhos Tutelares;

• tratar o tema da Violência fora dos contextos de crise e comoção;

• estimular o senso crítico na utilização de dados sobre violência no contexto eleitoral, evitando assim que os candidatos formulem propostas visando unicamente ao êxito circunstancial da campanha e também que contribuam para fortalecer medidas de curtíssimo prazo, geralmente de cunho repressivo;

• consultar fartamente a legislação e citá-la: ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), Constituição, Código Penal, lei de Execução Penal;

• evitar a desinformação crônica sobre os direitos e deveres por parte da opinião pública;

• socializar o conhecimento legal, consultando a legislação e os especialistas e repassando em suas matérias;

• ouvir o maior número possível de fontes e atentar para os interesses que elas, legal ou ilegalmente, legítima ou ilegitimamente, representam.

A violência tratada como espetáculo enquadra-se perfeitamente na ótica apresentada pelo Jornalismo de Guerra, de violência, de cobertura da

criminalidade urbana, não só por parte da imprensa que se preocupa em ter um bom produto midiático, mas pelas próprias organizações criminosas que aprenderam como dialogar e se expressar pelo meio.

Através do espetáculo da violência, grupos criminosos foram vistos e ouvidos. Neste sentido, a violência aparece porque é espetáculo e dá audiência; já a paz não é um espetáculo, logo permanece inexpressiva, incógnita.