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O Jornalismo para a Paz surge como uma alternativa às coberturas de guerra, centradas no relato detalhado da violência. Essa corrente de pensamento propõe que o jornalista contextualize os conflitos, as causas, sua história, os interesses e os objetivos em jogo.

Nesta visão, o jornalista deve ser um profissional engajado nas questões sociais que, além de ser “testemunha ocular” dos fatos, procura ter papel ativo, criativo e participativo. Dessa forma, contribui para reduzir, ou mesmo, amenizar as mazelas sociais, colocando o ser humano como sujeito prioritário e não mero personagem, sem face, das histórias que relata. Assim, prioriza a paz e não a violência.

Por outro lado, a violência possui atributos de um fato que sempre deve ser noticiado. Um acontecimento para ser notícia precisa falar do novo, da mudança. O repórter escreve sobre os fatos de hoje que serão lidos amanhã. O leitor, por sua vez, quer descobrir o que mudou no mundo, na cidade, no bairro, no esporte, na política, na economia e em todos os demais ambientes e cenários que o envolvem e nos quais se sente inserido. Quando um repórter escolhe uma história, o editor quer saber o que há de novo nela. Nas notícias sobre conflitos, a novidade é a violência e o número de mortos. Observa-se, no entanto, que falar sobre notícias que visam resolver os conflitos nem sempre tem o mesmo potencial de atração da curiosidade popular e, por conseqüência, da própria mídia.

Mas, por que discutir o Jornalismo para a Paz na realidade nacional? O argumento preponderante, que se evidenciou neste estudo, é que o crescimento da violência e da criminalidade no país tem gerado situações de conflito,

próximas às vividas por nações em guerra. A imprensa não é alheia a isso. A palavra “guerra” está cada vez mais presente nas páginas dos jornais, quando essas se referem a problemas nacionais. Por isso, torna-se relevante estudar o comportamento da imprensa na cobertura da violência urbana e refletir sobre modelos alternativos de jornalismo, com o posicionamento explícito pela imprensa em favor da paz.

Certamente, não estamos vivendo a guerra no seu sentido clássico, mas os jornalistas brasileiros, cada vez mais, são obrigados a cobrir situações de risco. Ao se apurar o material jornalístico da cobertura da Folha de São Paulo sobre os ataques do PCC, chegou-se a um número considerável de textos noticiosos. Em 45 dias foram produzidas mais de 400 matérias sobre o tema. Na análise do O Globo, o número foi menor, mas não menos expressivo, 151 textos jornalísticos. Em São Paulo, a violência ocorrida nos meses de maio, julho e agosto de 2006 foi um fato inédito, repleto de elementos de noticiabilidade valorizados pelo jornalismo como novidade, imagens espetaculares e ações estratégicas. Já no Rio de Janeiro, a violência do crime organizado faz parte do dia-a-dia da cidade.

Objetivou-se, nesta pesquisa, pensar sobre a viabilidade do uso do

Jornalismo para a Paz na realidade brasileira, a partir de um pequeno retrato de

dois jornais. Vale lembrar que não houve a intenção de se fazer uma análise maniqueísta, rotulando-os como, exclusivamente, de Jornalismo para a Paz ou de

Jornalismo de Violência. Procurou-se apresentar as características

preponderantes nos veículos, como forma de se inferir a existência ou não de elementos de cobertura noticiosa como os sugeridos por Galtung, constituindo por conseqüência um modo distinto de fazer jornalismo.

Na análise dos dados, a primeira consideração a ser feita é que, na avaliação global, os dois jornais tiveram comportamentos muito próximos nos três períodos analisados. Encontrou-se, tanto na Folha de São Paulo como no O Globo, características consideradas importantes na concepção do Jornalismo

para a Paz. Entretanto, verificou-se a ausência de elementos necessários para

um jornalismo que tenha como objetivo contribuir para a resolução dos conflitos analisados.

Nas categorias ‘Destaca o Contexto’ e ‘Destaca a Violência’, relativas à descrição do conteúdo do conflito, entre 60% e 70% das matérias dos jornais estudados fazem mais do que apenas narrar a violência. Elas abordam, mesmo

que parcialmente, o contexto, dando ao leitor fragmentos relevantes para que ele possa compreender algumas variáveis da crise. Questões como o tráfico de drogas, o crime organizado, o anacronismo das ações do poder público e a corrupção presente no meio policial são temas abordados. Entretanto, na apresentação do contexto, ambos os periódicos restringiram-se à descrição dos problemas, sem um aprofundamento detalhado das suas causas.

Na caracterização dos personagens envolvidos, nos acontecimentos narrados pelos jornais, pressupomos que haveria uma preponderância de matérias dualistas (com apenas dois atores), tratando um lado como o bem (os policiais) e o outro como o mal (os bandidos). Entretanto, o resultado surpreendeu. Entre 65% e 75% das matérias da Folha de São Paulo e do O Globo foram plurais, abordando vários personagens, e/ou destacando os problemas e defeitos, não apenas dos “bandidos”, mas também dos demais envolvidos.

Este resultado deve-se, pelo menos em parte, à relevância dos acontecimentos, já que, em ambos os casos, houve diversas denúncias de excessiva violência policial e morte de inocentes. Em função disso, os jornais abriram espaço para críticas àqueles que combatiam os criminosos: o Estado e as forças policiais.

Para o Jornalismo para a Paz é importante dar voz aos diversos atores e interesses envolvidos. Uma fonte não citada, inexiste, é condenada ao silêncio e à invisibilidade, já que suas necessidades, angústias e sofrimentos não podem ser conhecidos pelos leitores. Do total das 563 matérias investigadas, nos dois veículos de comunicação, mais da metade adotou, exclusivamente, o uso de fontes oficiais (Poder Executivo). Considerando que se tratava de fatos envolvendo o conjunto da sociedade com a participação ativa e/ou passiva de moradores, empresários, ONGs, entidades representativas entre outros, esta análise impõe uma questão latente: não seria possível e nem necessário consultar outras fontes além do Estado?

Na busca da objetividade e da imparcialidade, com a restrita narração dos fatos, o jornal pode incorrer naquilo que mais condena: o “pecado” de um tipo de parcialidade, aqui considerada como deletéria. O jornalista para a paz tem como princípio a parcialidade, aqui como útil à promoção da paz. Não a paz passiva, mas a que pressupõe iniciativas com matérias que contribuam para a resolução

do conflito. Nas categorias analisadas sobre este aspecto, notou-se que mais de 80% das matérias do O Globo e mais de 90% das matérias da Folha de São Paulo não pautaram quaisquer medidas, projetos ou ações que almejassem o fim pacífico dos conflitos.

Adicionalmente, constata-se que se o advento das novas tecnologias facilitou a mudança de postura do jornalista, impôs também uma nova problemática. Barreiras físicas que impediam o acesso a informações foram rompidas, ampliando a capacidade dos meios de comunicação de interagir com os atores sociais e influenciar positivamente na resolução do conflito. Entretanto, a oferta excessiva de informação, característica dos tempos atuais, dificulta a apuração devida dos dados, fragilizando a confiabilidade do produto jornalístico.

Praticar o Jornalismo para a Paz é um grande desafio. Utilizar palavras e imagens como arma para se conscientizar e instrumentalizar pessoas com informações que as permitam refletir, mais profundamente, sobre o seu cotidiano, priorizando a paz e não a violência é uma opção arriscada. Evidentemente, é mais fácil e cômodo, aos veículos de comunicação, restringirem-se ao relato das notícias, resignarem-se aos releases institucionais e, fundamentalmente, não adotarem posição, mesmo que esta seja a favor da paz. No entanto, entendendo a mídia como um ator social relevante, esse comportamento parece insuficiente, frente ao avanço da violência e da criminalidade nas últimas décadas.