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3 A COBERTURA DOS JORNAIS FOLHA DE SÃO PAULO E O GLOBO

3.2 Análise da Cobertura

3.2.1 Folha de São Paulo

3.2.1.1 Destaque do Contexto ou da Violência do Conflito

Na leitura das matérias publicadas pela Folha de São Paulo, foi constatado que 68,93% das matérias (284 das 412) apresentaram contextualização dos fatos, enquanto que 31,07% (128) caracterizaram-se pelo exclusivo relato da violência.

Cabe lembrar que, se a violência apareceu em destaque em cerca de 30% das matérias, o fato não indica necessariamente que ela foi secundarizada, pois, enquanto os demais 70% dividiram-se em um conjunto de outros temas, envolvendo o contexto geral do conflito, estas matérias se concentram, quase que exclusivamente, em narrar, com detalhes, a violência. Além disso, é importante destacar que, em muitas das matérias que compõem os demais 70%, a violência também esteve presente, mesmo que de maneira secundária.

Gráfico 1: Destaque do Contexto ou da Violência do Conflito – Folha de São Paulo (Total)

Contexto 284 (68,93%) Violência 128 (31,07%)

Na primeira fase de análise da Folha de São Paulo, observa-se o destaque na categoria Contexto do conflito sobre a Violência do conflito. Em 65,95% das 185 matérias, houve a predominância no contexto contra 34,05% que ressaltaram mais a violência. Entretanto, a grande maioria das matérias que contextualizava o conflito restringia-se a relatar o estopim dos fatos e não, a sua origem real

Das 185 matérias, nesta etapa, poucas abordaram a questão carcerária, as desigualdades sociais no Brasil, a corrupção institucional e os problemas da justiça criminal ou mesmo a falta de investimento na área de segurança. Na entrevista feita com o coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da UFMG, Cláudio Beato, publicada no dia 16 de maio,

observa-se que o foco não está centrado na narração da guerra, mas sim, em suas causas. Como define Beato: “a ação do PCC é um urro de um animal acuado” (TORRES, 2006), ver Anexo A. Segundo ele, o que está acontecendo não é novidade, mas o reflexo da crise no sistema prisional que é causada, entre outros motivos, pela opção majoritária pela pena privativa, misturando presos comuns com perigosos.

Outra matéria que busca contextualizar é “Maioria dos jovens mora em área de risco” (BILLI, 2006), ver Anexo A. O texto jornalístico mostra a vulnerabilidade de jovens que vivem em “condições de risco”, seja pela falta de acesso aos estudos para superarem a pobreza, seja pelo risco de optarem por atividades ilegais para terem acesso às necessidades básicas e aos bens de consumo.

Verifica-se também que, na segunda fase mantém-se a mesma tendência com um pequeno aumento no Contexto 67,83% sobre a Violência 32,27%. Já na terceira onda de violência, período no qual ocorre o seqüestro do jornalista Guilherme Portanova, houve o aumento na contextualização do conflito que passa para 75,00%, reduzindo as matérias com foco na violência para 25,00%, como mostra o gráfico abaixo:

Gráfico 2: Destaque do Contexto ou da Violência do Conflito – Folha de São Paulo (três fases)

Contexto 122 Contexto 78 Contexto 84 Violência 37 Violência 28 Violência 63 - 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200

Fase 01 Fase 02 Fase 03

N º d e m at ér ia s (34,05 %) (67,83 %) (65,95 %) (32,17 %) (75,00 %) (25,00 %)

Pode-se dizer que houve preocupação em se relatar como ocorreram os fatos, mas pouco foi dito sobre suas causas primeiras. Explicar à população o porquê da ação do PCC dirigida aos policiais não é difícil, o que faltou foi contextualizar por que as coisas vieram a se tornar desse jeito.

O percentual de aproximadamente 30% das matérias que se concentrarem apenas no relato da violência representa um número menor do que as que contextualizam o conflito, mas esta quantidade é significante para demonstrar a presença de elementos do Jornalismo de Violência nesta cobertura.

Apesar do percentual de matérias com destaque para a Violência ser inferior ao número de matérias que abordam o Contexto do conflito, alguns elementos presentes nas matérias indicam o sentido oposto. A cartola17, utilizada em muitos dias da cobertura dos atos violentos, é um bom exemplo. A cartola escolhida, Guerra Urbana, estava presente com muita freqüência nas matérias da primeira fase. Em 99 das 185 matérias da primeira fase foi utilizada a cartola

Guerra Urbana. Neste período, houve críticas à atuação de várias emissoras de

TV acusadas de fazer sensacionalismo sobre os fatos, utilizando inclusive efeitos sonoros para intensificar o tom dramático. Na matéria “Para Ombudsman, TVs ajudaram a criar pânico” (COLUNISTA, 2006) observa-se a repercussão da postura dos veículos de comunicação. Estas avaliações influenciaram não só o comportamento das televisões, mas de toda a mídia. Nas etapas seguintes, este número reduz-se bastante, confirmando os dados que mostram uma gradual diminuição dos textos que destacam a violência. Na segunda fase, o número passa para cinco e, na última, para apenas três.

Outra questão presente, que favoreceu o predomínio do contexto, foi a proximidade das eleições para o governo estadual e a presidência da república. Isto acabou por direcionar os olhares da mídia. Verifica-se, em função disso, durante vários dias, a secundarização do problema da violência criminal que aflorava nas ruas de São Paulo em conseqüência da preocupação com o relato do uso dos conflitos na disputa política explícita entre os poderes.

Na terceira onda de violência, o seqüestro do jornalista da Rede Globo polarizou os debates sobre a atitude da emissora de atender à exigência do PCC e transmitir o vídeo gravado pelo “Comando”. A mensagem de um representante do

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No jornalismo, cartola é “o mesmo que retranca ou chapéu. Uma ou mais palavras usadas para definir o assunto da matéria. É usada sobre o título do texto” (RIBEIRO, 2008).

PCC, encapuzado, foi exibida no plantão de notícias da Rede Globo, às 0h28min de sábado (13/08), no intervalo do programa "Supercine", em rede regional, em São Paulo.

O programa “Supercine” costuma superar a marca de dez pontos nas pesquisas de audiência, o que equivale a mais de 550 mil domicílios18. No dia seguinte, o vídeo foi editado e reprisado no “Fantástico19”, um programa que atinge, em média, 30 pontos de audiência e é assistido por mais de 20 milhões de brasileiros.