• Nenhum resultado encontrado

2.1 Criminalidade: causas e relações.

2.1.2 Crise no Sistema de Justiça Criminal

Com as mudanças sociais anteriormente descritas, o crime cresceu, mudou e aperfeiçoou-se, enquanto o sistema de justiça estagnou. Para Adorno (2002) a justiça segue os mesmos moldes adotados décadas atrás. Lamenta ao afirmar que “aumentou sobremodo o fosso entre a evolução da criminalidade e da violência e a capacidade de o Estado impor lei e ordem”.

No caso brasileiro, destaca que, após o fim da ditadura militar, os governos estaduais, responsáveis pela segurança pública, tiveram dificuldade em lidar com o desejo social de desconstituir a estrutura policial de repressão política. Ao mesmo tempo, havia a necessidade de fortalecer a estrutura policial e modernizá-la para o combate ao novo perfil de crime.

A Polícia é, normalmente, vista nas sociedades ocidentais como aparelho repressor Estatal com legitimidade para exercer a violência travestida de segurança pública. De acordo com Chevigny (2000, p.65) muitos políticos e administradores públicos [ainda] acreditam que o policial deve combater o inimigo

e o crime, incorporado na pessoa do criminoso. A violência policial como a tortura e as execuções extrajudiciais e a rotineira impunidade são conseqüências dessa situação. Por outro lado, alerta o autor: “os policiais são mal-equipados tanto para prevenir crimes e manter a ordem como para investigações criminais” (CHEVIGNY, 2000, p. 65).

Zaluar (2007) destaca que o núcleo duro da discriminação no Brasil está na esfera institucional, ou seja, nas violações dos direitos dos mais pobres advindas do funcionamento do sistema de justiça.

(...) os policiais corrompidos (...) formam o que se poderia chamar "grupo de extorsão", um nome mais apropriado que "grupo de extermínio", já que os policiais matam jovens traficantes que habitam as regiões pobres das cidades exigindo a sua parte do dinheiro do tráfico (ZALUAR, 2007). O resultado mais visível dessa crise do sistema de justiça criminal é, sem dúvida, a impunidade penal que tem como conseqüência mais grave a descrença dos cidadãos nas instituições promotoras de justiça.

Em pesquisa específica sobre a sensação de insegurança da população,11 é possível visualizar que, enquanto a Polícia Federal é a mais respeitada (69% dos entrevistados confiam nela), a Justiça é a que possui menor crédito (63% dos entrevistados não confiam). As Polícias Militares e Civis Estaduais possuem situação intermediária com a confiança de 50% e de 48% dos entrevistados, respectivamente.

Apesar de apenas 50% da população confiar nas Polícias Estaduais, 70% querem-na mais perto. Do total dos entrevistados que declara ter medo da polícia (26%), a maioria declara ter receio de ser confundida com criminosos (o medo é maior entre os menos favorecidos).

Esses dados de 2007, entretanto, demonstram uma sensação da população que não pode ser chamada de surpreendente. Em 1990, uma pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE-PNAD, 1990) investigou o comportamento social face à Justiça Pública. Os dados revelaram que, no período de outubro de 1983 a setembro de 1988, 55,20% de todas as pessoas que se envolveram em diferentes conflitos não recorreram à justiça. Entre estes, o motivo preponderantemente alegado foi que "resolveram por conta própria". Acresce notar que 23,77% dos entrevistados revelaram não confiar nos serviços

jurídicos e judiciais. Esses dados são indicativos da baixa confiabilidade nas instituições públicas e, em particular, na Justiça. A Justiça não é vista, pelos cidadãos, como instrumento adequado de superação da conflitualidade social.

Adicionalmente, cada vez mais a população aponta a segurança como um dos principais problemas da sociedade brasileira. Em pesquisa realizada no final de 2007, verificou-se que "A segurança pública (52%), o combate à corrupção (46%) e a melhoria na qualidade da educação (42%) são temas que exigem atenção especial da sociedade brasileira na opinião da população12".

Na já referida pesquisa específica sobre a sensação de insegurança da população, realizada em agosto de 200713, os resultados apontam que para 36%

dos entrevistados houve mudança de hábitos em função da insegurança. Metade da população adulta brasileira acredita que a situação da segurança pública se agravou nos últimos dois anos. As mulheres entre 30 e 49 anos, com nível superior, moradoras da região Sul e com maior poder aquisitivo são as que mais percebem a piora.

Sobre a possível influência dos meios de comunicação no aumento da sensação de insegurança, a maioria da população, cerca de quatro em cada cinco entrevistados, tem convicção de que isso está ocorrendo, de fato, porque a violência está maior hoje em dia.

Adorno (2002) revela que, como conseqüência desse quadro, os cidadãos buscam saídas individuais.

Aqueles que dispõem de recursos apelam, cada vez mais, para o mercado de segurança privada, um segmento que vem crescendo há, pelo menos, duas décadas. Em contrapartida, a grande maioria da população urbana depende de guardas privados não profissionalizados, apóia-se perversamente na "proteção" oferecida por traficantes locais, ou procura resolver suas pendências e conflitos por conta própria. Tanto num como noutro caso, seus resultados contribuem ainda mais para enfraquecer a busca de soluções proporcionada pelas leis e pelo funcionamento do sistema de justiça criminal.

O cidadão cobra do Estado a sua segurança que parece cada vez mais inatingível. De acordo com Sodré (2002, p.8), no entanto, o próprio Estado “com suas estruturas de omissão, impunidade, corrupção e violações das regras

12 Pesquisa realizada pelo IBOPE entre 30/11/2007 a 05/12/2007 sobre temas que exigem atenção especial da sociedade brasileira.

comezinhas (sic) de cidadania” é o maior responsável pela disseminação da insegurança e do medo.

Dentro desse quadro de violência e criminalidade, sentimentos como o medo e a insegurança dominam as mentes das pessoas, alterando comportamentos, relações sociais e profissionais. Já não se sabe quem exatamente é o inimigo, não tem nome, é ao mesmo tempo real e imaginário, pois não o conhecemos de fato, vemo-lo pela TV, na foto estampada no jornal, na Internet ou o imaginamos na notícia contada no rádio. Como subterfúgio, os cidadãos comuns buscam a segurança acima de tudo e contra todos. Neste sentido Bauman (1999, p.55)explica que:

Os medos contemporâneos, os “medos urbanos”, típicos, ao contrário daqueles que outrora levaram à construção de cidades, concentram-se no “inimigo interior”. Esse tipo de medo provoca menos preocupação com a integridade e a fortaleza da cidade como um todo – como propriedade coletiva e garante coletivo da segurança individual – do que com o isolamento e a fortificação do próprio lar dentro da cidade. Os muros construídos outrora em volta da cidade cruzam agora a própria cidade em inúmeras direções. Bairros vigiados, espaços públicos com proteção cerrada e admissão controlada, guardas bem armados no portão dos condomínios e portas operadas eletronicamente – tudo isso para afastar concidadãos indesejados, não exércitos estrangeiros, salteadores de estrada, saqueadores ou outros perigos desconhecidos emboscados extramuros.

Os criminosos são os que se diferenciam das pessoas comuns, vivem em locais estranhos, comem e vestem-se diferentes. O desconhecido oferece perigo e é deles que precisamos ser protegidos. Bauman (1999, p. 134) constata que existe uma identificação do crime com as pessoas de renda mais baixa, ou seja, uma criminalização da pobreza. “Os tipos mais comuns de criminosos, na visão do público, vêm quase sem exceção da base da sociedade. Os guetos urbanos e as zonas proibidas são considerados áreas produtoras de crime e criminosos.”