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Facção criminosa que já foi chamada de "organização falida" pela polícia paulista, o PCC (Primeiro Comando da Capital) precisou de 24 horas, entre a noite de anteontem e a de ontem, para promover pelo menos 63 atentados no Estado de São Paulo, segundo dados preliminares da Secretaria da Segurança Pública.

Os ataques ocorreram em pelo menos 23 cidades paulistas. Bases da Polícia Militar e da Guarda Civil, carros da polícia e agentes de folga foram alvo dos criminosos, que usaram metralhadoras, pistolas e bombas caseiras.

Os atentados começaram na noite de sexta-feira, logo depois da transferência do líder máximo do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, para a sede do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), na capital paulista. O último ataque ocorreu por volta das 19h de ontem, em um base comunitária da PM em São Bernardo do Campo (Grande São Paulo).

Pelo menos metade dos 27 agentes do Estado mortos nos atentados do PCC estava de folga. Eles foram surpreendidos na rua ou em suas casas. Dezessete suspeitos de participar dos atentados foram presos, segundo a polícia.

A transferência provisória de Marcola ao Deic fazia parte de um plano do governo paulista de isolar os líderes do PCC e evitar que a facção promovesse atentados e rebeliões. Segundo o governador Cláudio Lembo (PFL), as transferências de 765 líderes da facção para uma penitenciária em Presidente

Venceslau foi decidida na quarta-feira. O projeto começou a ser implantado no dia seguinte.

Marcola chegou ao Deic anteontem sob um forte esquema de segurança. A intenção era isolar o líder do PCC na carceragem do departamento por pelo menos 10 dias, mas o projeto foi modificado quando os atentados começaram a ser deflagrados.

Quando a onda de ataques foi confirmada pelo governo, Marcola foi levado diversas vezes para uma sala do Deic onde estava o diretor do departamento, Godofredo Bittencourt.

As conversas, no entanto, não conseguiram evitar a seqüência de atentados. Marcola foi transferido novamente ontem pela manhã, pouco mais de 12 horas depois de ter chegado ao Deic. O destino foi o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), em Presidente Bernardes (589 km de SP).

Em 2002, após a divulgação pelo Deic de um organograma da facção -na qual Marcola aparecia no topo da hierarquia-, Bittencourt afirmou, em tom de ironia e vitória, que o PCC era uma "organização falida".

"O PCC é uma organização falida. Se o PCC tinha uma boca cheia de dentes, agora tem um dentinho ali e outro lá. Não morde mais ninguém", disse o delegado, em 2002.

Atentados

Na capital e na Grande São Paulo, os ataques aconteceram principalmente na noite de sexta-feira e na madrugada de ontem. Dois guardas municipais de Jandira (Grande SP) -Sidney de Paiva Rosa, 25, e Antonio Carlos de Andrade, 34- foram mortos a tiros. Em Osasco, um PM foi morto. Ele levou pelo menos 12 tiros depois que seu carro foi atacado por homens que estavam em um Gol.

Na porta do Hospital Geral de Guaianazes, na zona leste, um policial civil que trabalhava na delegacia do bairro, o 44º DP, foi atacado e morto. Ainda na mesma região, outro PM foi baleado e está internado em estado grave. Uma moradora de Sapopemba foi atingida na mão por uma bala perdida. Ao todo, na zona leste, foram três PMs baleados.

Na zona sul, um policial civil que trabalhava no 85º DP (Jardim Mirna) foi morto na porta de sua casa. Em outra ação, um investigador do 15º DP (Itaim Bibi) foi morto quando estava ao lado da noiva, sentado no balcão de um bar na rua Clodomiro Amazonas. Um homem encapuzado entrou no local e atirou na sua cabeça.

No centro de São Paulo, perto do teatro Sérgio Cardoso, um outro PM levou um tiro na perna. Por volta da 0h30 de ontem, um bombeiro foi morto na alameda Barão de Piracicaba. Três suspeitos foram presos pelo crime.

São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 2006

"É um urro de animal acuado", diz sociólogo

DA SUCURSAL DO RIO

O coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Cláudio Beato, comparou a ação do PCC a um "urro de animal acuado" que organizou os ataques na tentativa de obter benesses por parte das autoridades.

"Eu me preocuparia muito mais com o PCC silencioso, com pleno domínio da situação nas cadeias, na polícia, nos agentes e no sistema judiciário. Do ponto de vista institucional, seria mais preocupante", disse à Folha, por telefone, de Belo Horizonte.

Sociólogo, Beato, 49, considera a legislação brasileira "muito leniente em relação a certo tipo de preso". Defendeu que os líderes do PCC sejam encarcerados sob guarda do governo federal. "Botar [os presos] lá no meio do Amazonas, sem celular nem nada. E deixá-los trancados lá. Esses caras não têm recuperação", afirmou.

Folha - A que o senhor credita o que está ocorrendo no sistema carcerário a partir de São Paulo? Beato - Não há novidade nenhuma. É um protesto que já vem vindo há algum tempo. Temos uma crise no

sistema prisional de algumas décadas, decorrente de várias coisas. A opção majoritária de juízes pela pena privativa de liberdade, contra a pena alternativa, o que acaba misturando presos perigosos com comuns. Há o problema histórico da nossa legislação penal, que é dura. O problema é a legislação de execução das penas, toda a discussão de benefícios, de progressão de regime dentro das cadeia. Que é onde moram muitas das benesses pelas quais esse pessoal do PCC briga.

Folha - A legislação não diferencia as lideranças do PCC e os presos de menor periculosidade. Essa diferença deveria ocorrer?

Beato - Deveria. Você tem regime disciplinar diferenciado. O líder do PCC deveria ficar permanentemente

nesse regime. Mas não, fica um ano, depois volta. A legislação é muito leniente em relação a certo tipo de preso. Há também o problema do controle do que acontece nas prisões. A questão dos celulares, a corrupção dos agentes e os advogados. Três coisas que há pelo menos dez anos a gente discute.

Folha - Não é mais fácil controlar o uso do celular na cadeia?

Beato - Há grande interesse em que não se mude [a questão dos celulares]. Hoje em São Paulo o grande

objeto dos assaltantes em vias públicas é o celular. Assaltam para roubar o celular. Onde esse celular vai parar? Ou na mão de traficantes ou dentro das prisões. As operadoras não fazem nada, estão faturando com isso. A polícia, por sua vez, também não se esforça muito, pois usa isso para fazer escuta dentro das prisões ou de bandidos. É uma polícia cuja inteligência se limita à escuta.

Isso aliado à questão do gigantismo do sistema prisional de São Paulo, que tem 40 mil pessoas. É muito difícil de controlar as visitas, o que estão levando. O que você tem, não é nem uma torneira aberta, é uma enxurrada mesmo.

Essas coisas somadas geraram um sistema que funciona muito mal e, pior, é muito violento. O PCC surgiu nas cadeias; é um movimento de reivindicação de dentro das cadeias. O que fortalece o PCC é a reação violenta da sociedade tem em relação aos presos.

Folha - Como assim?

Beato - Pessoalmente, acho que, por mais dramático que seja -e nunca vi uma situação tão dramática na

segurança pública, em termos de reação de um grupo organizado-, isso por outro lado é sintoma de uma debilidade. É coisa de quem está acuado, de animal acuado. A gente sabe que os cartéis da Colômbia, quando foram mais acuados, foi a época em que foram mais violentos. Matavam juízes e inocentes na rua.

Folha - O que as autoridades devem fazer com os líderes do PCC?

Beato - Esses criminosos tinham que estar separados. Misturar presos perigosos e comuns é uma idéia

muito ingênua de que prisão recupera alguém. Se a pessoa tem alguma chance de recuperação, não a ponha na cadeia. Para essas lideranças as prisões tinham que ser federalizadas. Botar lá no meio do Amazonas, sem celular nem nada. E deixá-los trancados lá. Esses caras não têm recuperação. (SERGIO TORRES)

São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 2006