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Há vozes discordantes sobre ser o condomínio de lotes uma forma de ocupação do espaço com arruamento, semelhante aos loteamentos neste quesito. Para este grupo, o condomínio de lotes pode ser adotado na escala de quadra e não é uma alternativa ao loteamento, pois não dispensa o empreendedor de destinar terrenos para instalação de equipamentos urbanos e comunitários e de fazer ruas públicas.

Ao contrário da opinião de tantos outros autores já expostos neste trabalho, Pinto (2017) afirma sobre arruamento privado e construção de muros: “A Lei nº 13.465, de 2017, deixa claro que o condomínio de lotes por ela instituído é incompatível com essa prática, que não poderá mais ser admitida”. Para ele, embora o condomínio de lotes seja constituído sobre terreno mais amplo que o dos lotes, ele não se apresenta como uma alternativa ao loteamento ou desmembramento. Se a Prefeitura considerar

necessária a abertura de novas vias ou prolongamento das existentes, exigirá que o parcelamento se faça mediante loteamento, com incorporação de áreas ao patrimônio público. Sobre o condomínio de lotes na escala de quadra, afirma:

O que muda é a forma de divisão da quadra resultante do parcelamento. Em lugar de lotes autônomos, poderá ela ser total ou parcialmente organizada mediante a constituição de um ou mais condomínios de lotes, no âmbito dos quais haverá não apenas os lotes propriamente ditos, mas também áreas, edificadas ou não, de propriedade comum dos condôminos, como piscinas, parques infantis, quadras esportivas e vias privadas. Tais áreas, no entanto, não substituem as áreas livres de uso público e o sistema viário constantes do projeto de loteamento, que serão transferidos ao patrimônio público. (PINTO, 2017, p. 11).

O senador Romero Jucá no seu relatório perante a Comissão Mista da MPV nº 759 de 2016, também cita a ideia de quadra para o condomínio de lotes:

Por meio do condomínio de lotes, permite-se que as quadras privadas derivadas do parcelamento do solo sejam organizadas sob a forma de condomínio, independentemente de edificação. Tal sistema não é uma alternativa ao loteamento tradicional, pois em nada altera os ônus a que se encontra submetido o empreendedor. Além disso, assegura-se à prefeitura a prerrogativa de instituir servidões de passagem em benefício dos não moradores e de disciplinar a construção de muros e cercas, com vistas à proteção da paisagem. (BRASIL, 2016, p. 103).

Já o senador Marcelo Crivella no Projeto de Lei no 208/2015 afirma que condomínio de lotes é uma forma de desenvolvimento urbano em que o lote não se apresenta isolado na cidade, mas integrado a um conjunto urbanístico mais amplo, dotado de governança autônoma, sob a forma de condomínio edilício, e permite que os moradores se responsabilizem por serviços de natureza local, como paisagismo, coleta de resíduos sólidos e vigilância patrimonial, que em um loteamento tradicional teriam que ser providos pelo Estado, viabilizando uma melhor qualidade de vida para os condôminos, sem nenhum ônus adicional para o Poder Público. A ideia do senador é que o condomínio de lotes serve para alguns casos, e não veio para acabar com o loteamento tradicional, como ele mesmo afirma no relatório:

Essa formulação deixa claro que o condomínio não substitui as formas tradicionais de parcelamento do solo, uma vez que é constituído sobre lotes, ou seja, terrenos derivados de loteamento ou desmembramento, para cuja produção deverão ser cumpridas todas as exigências da Lei de Parcelamento do Solo Urbano. As vias internas e áreas de uso comum do condomínio não substituem, portanto, o sistema viário e as áreas livres de uso público previstas em lei. (BRASIL, 2015).

Na justificativa do PL 208/2015 afirma-se que o condomínio de lotes deve ser feito sobre um lote já existente. Podemos então partir para a definição de lote e gleba. Scavone Junior (2018) define o que seria uma gleba: ”Gleba é a porção de terra que não tenha sido submetida a parcelamento sob a égide da Lei no 6.766/79, o que equivale dizer que estaremos diante de uma gleba se a porção de terra jamais foi loteada ou desmembrada sob a vigência da nova Lei”. A definição de lote está na própria Lei 6.766/1979, em seu art. 2º § 4º: “Considera-se lote o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe”.

Pinto (2017) continua seu artigo admitindo a existência de ruas, calçadas e praças, por exemplo, privados, mas sem restrição ao acesso público. Para ele, a vantagem aos condôminos seria que a conservação e padronização destes espaços não dependeria do Poder Público, sendo uma solução para o crônico problema da má conservação e do abandono de logradouros públicos e degradação de áreas urbanas. Isto valorizaria as propriedades e beneficiaria a cidade como um todo, unindo os dois interesses.

Com a impossibilidade do controle de acesso, são questionáveis as vantagens apresentadas, pois o ônus da conservação dos espaços comuns (por ser propriedade privada), onde entram o custo e até mesmo responsabilidade civil em acidentes (queda em buracos não sinalizados, por exemplo), são muito maiores que a eventual valorização do lote.

Se o entendimento que é defendido por Victor Carvalho Pinto está correto, o texto da Lei 13.465/2017 foi muito mal escrito, pois em nenhum momento menciona o critério de quadra. Não seria difícil para o legislador incluir algo para garantir que este fosse o sentido da Lei. Tampouco a fala do senador Romero Jucá é clara, ela deixa mais dúvidas que certezas, parecendo ser exemplificativa e não definitiva.

Mas, considerando o critério de quadra, fica então a Prefeitura responsável por aprovar ou não os empreendimentos com base no seu Plano Diretor. Em Brusque, Santa Catarina, por exemplo, a Lei nº 138 de 23 de dezembro de 2008, que integra o Plano Diretor, em seu artigo 23 estabelece que o comprimento das quadras não poderá ser superior a 500 metros. Segundo este entendimento, um condomínio de lotes com até 500 metros de lado poderia ser aprovado? Em seu tamanho máximo seriam 250.000 metros quadrados, suficientes para a criação de centenas de lotes, já descontadas arruamento interno e outras áreas comuns. (BRUSQUE, 2008).

Ainda seguindo o raciocínio, considerando que a maioria das quadras não tem 500 metros, permitir-se-ia então condomínios de lotes com algumas dezenas de lotes, mas não áreas que representassem um considerável adensamento populacional, que precisariam ser loteamentos, onde o poder público exigiria espaços públicos para prestar serviços à população da cidade toda.

Dadas as opiniões até agora sobre o condomínio de lotes do artigo 1.358-A, a ideia da escala de quadra tende a não prosperar, pois não resolve o problema que se apresentava e motivou o legislador. Esta interpretação só seria viável para pequenos condomínios de não mais que uma dezena de lotes, e caso fosse este o intuito da nova legislação, deveria estar positivado, o que não foi feito.

Este capítulo apresentou o condomínio de lotes criado pela Lei 13.465/2017, que modificou o Código Civil e a Lei 6.766/1979. Foram abordados brevemente o loteamento de acesso controlado e o condomínio urbano simples, duas figuras também criadas pela Lei 13.465/2017. Sendo um tema bastante novo, pesquisou-se as primeiras discussões sobre o assunto, e discutiu-se sobre a adaptação do condomínio de lotes ao plano diretor dos municípios e como registrá-lo nos registros de imóveis.

O conteúdo deste capítulo é central para este trabalho, pois apresenta o condomínio de lotes e a nova legislação sobre o tema. Importante trazer as primeiras opiniões, e discutir sobre possíveis soluções às lacunas deixadas, uma vez que o legislador foi bastante econômico na redação da norma. Como contraponto, foi apresentado uma interpretação divergente da nova norma, que serve para refletir sobre a aplicação das leis sobre o condomínio de lotes.

No próximo capítulo serão abordadas as questões sociais referentes aos condomínios de lotes, apresentando suas vantagens e justificativas, assim como suas desvantagens e críticas. A discussão sobre o parcelamento do solo na forma de condomínio de lotes, que a princípio será indivisível uma vez constituído, é de grande importância para a vida das pessoas pois o espaço criado existirá por muito tempo e será ocupado por diversas gerações de habitantes da cidade.

4 A SOCIEDADE E OS PRÓS E CONTRAS DO CONDOMÍNIO DE LOTES

Para compreender o processo de urbanização, é necessário conhecer e ouvir as opiniões dos diversos envolvidos no processo, tais como: empresários, corretores de imóveis, arquitetos, políticos, oficiais de registro de imóveis, tabeliães, advogados e representantes do poder judiciário (juízes e ministério público), sem deixar de lado sociólogos e outros estudiosos do comportamento humano.

Seriam os condomínios de lotes e loteamentos fechados efeitos de uma sociedade individualista, discriminatória e segregada, ou o legítimo direito à propriedade privada, liberdade de iniciativa e de associação?

Segundo Ghirardello (2016), arquiteto e urbanista, os loteamentos e condomínios de lotes fechados devido a sua horizontalidade, não se colocam como elementos agressivos e impositivos na paisagem, não fazem sombreamento na vizinhança, nem provocam túneis de vento, elementos que prejudicam todas as edificações mais baixas ao redor. Os edifícios verticais em sua construção valem-se da infraestrutura existente na área e raramente criam novos espaços abertos, mesmo que privados, como se dá nos empreendimentos horizontais. Os empreendimentos horizontais ainda são reservas verdes para as cidades, com densidade arbórea superior à média, devido as rígidas taxas de ocupação e aproveitamento internas. Ainda há outros fatores compensadores para a municipalidade, como a desnecessidade de prestar serviços internos (asfaltamento, manutenção de áreas verdes e ruas, limpeza, etc.), de forma que tais recursos poderiam ser investidos em zonas mais carentes.

A figura 3 mostra uma imagem aérea da Praia Brava, em Itajaí, Santa Catarina, na data de 13 de agosto de 2017. Em vermelho está o Brava Beach

International, com 7 torres e cerca de 200 apartamentos. Em amarelo está o Brava Home Resort, com 14 torres e mais de 300 apartamentos. Ambos contam com piscinas,

espaços de festas e para crianças, lugares para práticas de esportes, e outras áreas comuns aos condôminos. Em azul está um condomínio de lotes onde podemos contar cerca de 60 lotes, alguns com construções outros não, com ruas arborizadas e área verde. Nota-se que a área ocupada pelo condomínio de lotes é bem maior que os empreendimentos de edifícios. Pergunta-se: o que onera mais a cidade?

Comentário pertinente sobre a questão dos loteamentos e condomínios de lotes fechados nos últimos anos faz Ghirardello (2016): “Em um momento no qual todas

as questões são radicalizadas, onde tudo parece ser sim ou não, certo ou errado, ‘elite’

versus ‘despossuídos’, essa é uma questão polêmica e escada para o proselitismo fácil

e barato”. Segundo ele, em São Paulo um em cada três domicílios pertence a condomínios, em edifícios isolados ou conjuntos de torres. Quase a totalidade destes empreendimentos está dissociada da cidade por muros, portaria, câmeras, e outras formas de segurança privada. Se o argumento da insensibilidade ou alienação social merece prosperar entre aqueles que buscam um loteamento ou condomínio de lotes fechados, significa que aqueles que se trancam nos seus edifícios são semelhantes, e temos um terço da cidade mais populosa do país nesta situação. Seria razoável isso?

Figura 3 – Condomínio de lotes em azul, e em vermelho e amarelo grandes condomínios edilícios com diversas torres de apartamentos

Fonte: Arquivo do autor (2018).

Para Pinto e Chamma (2013), estudantes de arquitetura, a partir da década de 70, quando essa modalidade de loteamentos começou a ser implantada, vários empreendimentos começaram a surgir no estado de São Paulo, pois foram rapidamente aceitos pelo mercado consumidor, que buscava principalmente por privacidade e segurança. Além disso, eles conquistaram a população pelo seu belo visual, com amplas áreas verdes dentro de seus muros.

Neste capítulo serão abordados a expansão urbana e o parcelamento do solo, e os argumentos contra e a favor de empreendimentos como o condomínio de

lotes e os loteamentos de acesso controlado, do ponto de vista da sociedade e do uso do espaço urbano.