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Para Japiassu e Lins (2014), em termos territoriais, a cidade cresce de modo a ampliar sua área urbana, ou seja, o perímetro urbano, ou aumentando sua mancha edificada, ou ainda parcelando o solo em áreas não ocupadas. A figura 4 mostra os três esquemas de expansão urbana.

Figura 4 – Esquema de expansão urbana

Fonte: Japiassu e Lins (2014).

No Brasil, a partir dos anos 50 principalmente, a população urbana cresceu de forma abrupta, enquanto a população rural decresceu vertiginosamente. Para Mesquita (2008), o aumento da população nas cidades não foi seguido de um planejamento que pudesse absorver as necessidades de oferta de equipamentos urbanos (água, luz, esgoto, etc.) e de serviços públicos de transporte, educação e saúde. O crescimento se deu de forma desordenada e sem controle, apresentando habitações de baixa qualidade, bairros e favelas carentes de condições mínimas de habitabilidade.

Ainda segundo Adailson Mesquita, o descontrole do processo de urbanização levou à periferização dos bairros para pessoas de renda mais baixa, ao

mesmo tempo em que se deixavam grandes vazios entre esses últimos e as áreas centrais, no intuito de angariarem valorização com a passagem das redes de infraestrutura e serviços urbanos. A localização da classe trabalhadora na periferia da cidade se deu sob o estigma do processo especulativo e da reprodução do capital imobiliário, favorecendo a segregação espacial e o tratamento desigual para essas áreas e aquelas apropriadas por cidadãos de renda mais elevada, normalmente bem servida de infraestrutura, equipamentos e serviços públicos.

Adailson Mesquita continua sua crítica, afirmando que o cenário de segregação espacial foi facilitado pela omissão do estado e construído pela ação de proprietários de terras e agente imobiliários ávidos por lucratividades, obtidas com a valorização de terras. O mercado de terras caracterizou-se sempre por duas vertentes, uma pela via formal, onde o parcelamento do solo se processa seguindo os estatutos legais e outra pelas vias da informalidade, onde o parcelamento se dá pelo retalhamento da gleba em lotes sem o devido processo legal e à revelia do Poder Público.

Os altos custos para a aquisição de lotes formais empurraram a população mais pobre para parcelamentos irregulares e clandestinos, dotados de pouca ou nenhuma infraestrutura, ou para ocupações em áreas de propriedade contestadas, áreas de preservação ou não adequadas à moradia, como áreas alagáveis e encostas sujeitas a desmoronamentos. A legislação municipal da cidade de Brusque, comentada na seção 3.3.2, por exemplo, exige destinação mínima de 35% da área loteada para o sistema de circulação, a implantação de equipamentos urbanos e comunitários, áreas verdes e outras áreas exigidas pela municipalidade. Ao deixar o encargo da expansão urbana apenas para os loteadores, o Estado fica à mercê do mercado imobiliário. Destaca-se o pesado ônus ao loteador, que precisa seguir uma série de formalidades, entregar mais de um terço do terreno para o poder público, pagar todos os projetos, taxas e realizar toda a infraestrutura, antes de vender os lotes. Poucas pessoas podem fazer todo esse investimento, o que gera grandes margens de lucro, e consequentemente, lotes caros.

Para Maricato (1997), a moradia torna-se uma mercadoria especial devido ao seu custo ser muito elevado em relação a outras mercadorias e estar acima das condições de pagamento dos trabalhadores assalariados. Ela concorda com o exposto no parágrafo anterior, afirmando que a especulação imobiliária, o custo alto da formalização dos loteamentos, a concentração dos investimentos de infraestrutura e os

problemas de financiamento e de produtividade de construção são fatores que podem ser considerados responsáveis pela dificuldade ao acesso de lotes legais.

No campo ou na cidade, a alto custo da terra e a ilegalidade tem sido o principal fator de segregação. Pode-se somar o alto custo da construção civil no Brasil também como fator segregacionista, basta comparar as casas e edifícios de médio e alto padrão com as residências apenas tijoladas (sem reboco ou pintura) de bairros pobres.

A ilegalidade praticada na oferta de lotes para os habitantes de renda mais baixa torna-se muitas vezes oportuna para o estado que se isenta temporariamente do ônus de prover condições de acesso à moradia para esses grandes contingentes de pessoas. Mesquita (2008) enumera três fatores que contribuíram para a proliferação da ilegalidade:

1. A omissão do estado em construir instituições formais capazes de controlar as ocupações do solo realizadas pela população de baixa renda;

2. O crescimento da periferia urbana, que ocorreu por meio da iniciativa privada, ou seja, do loteador, sem regulação e reconhecimento do estado; e 3. As contradições da evolução da legislação, no sentido de aperfeiçoar seus instrumentos de planejamento e gestão do solo urbano (sendo que alguns desses instrumentos são para coibir os loteamentos clandestinos/irregulares) ao mesmo tempo em que o estado adota políticas de anistia e regularização desses assentamentos.

Caldeira (2000 apud RODRIGUES, 2006) avalia que a segregação social ao longo do século XX teve pelo menos três formas diferentes. A primeira ocorreu do fim do século XIX até a década de 40, e originou cidades concentradas, onde os diferentes grupos sociais se comprimiam numa área urbana e viviam segregados por tipos de moradia. A segunda forma, a centro-periferia, foi dos anos 40 até os anos 80, e caracterizou-se pela separação por grandes distâncias: classe média e alta residiam no centro da cidade com boa infraestrutura e os pobres nas áreas distantes e precárias periferias. A terceira forma vem se configurando nas últimas décadas: espaços onde muitas vezes grupos sociais estão próximos, mas separados por muros e altas tecnologias, de forma que muitas vezes não circulam ou interagem nas mesmas áreas. Para ele, estes enclaves fortificados, que são espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho, se caracterizam como o principal instrumento desse novo modelo de segregação espacial.

Para Rodrigues (2006), o acesso à moradia depende de acesso ao trabalho, educação e às tecnologias. Somando-se à ausência de políticas habitacionais por parte do Estado, a dinâmica histórica da própria sociedade leva à segregação, na qual as classes mais abastadas tendem a se concentrar em certas zonas, a classe média em outras, e os estratos de renda mais baixa em outras ainda. Para ela, o local de moradia é muito importante para a população mais pobre porque ao isolá-la dos circuitos sociais e econômicos, diminuem suas possibilidades de interação e mobilidade social.

Pode-se dizer que a segregação social independe do condomínio de lotes ou do fechamento de áreas, está ligada ao acesso à trabalho, transporte, educação, serviços públicos e infraestrutura. Nas cidades brasileiras e de todo o mundo, há bairros ricos e bairros pobres, e os condomínios e loteamentos fechados não são um fenômeno isolado segregacionista.

Na continuação deste capítulo, os prós e contras dos condomínios de lotes serão discutidos sob o olhar dos princípios do direito e constitucionais brasileiros.

4.2 O DIREITO COLETIVO AO USO DE ÁREAS PÚBLICAS E LIBERDADE DE