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No Código Civil atual, os bens públicos são tratados do artigo 98 ao 103. Destaque para o art. 99, inciso I, que afirma serem as ruas, estradas e praças bens de uso comum do povo.

Freitas (2002) afirma que os bens de uso comum do povo não constituem um direito de propriedade ou domínio patrimonial de que o Estado possa dispor, segundo as normas de direito civil. O Estado é gestor destes bens, e tem o dever de sua superintendência, vigilância, tutela e fiscalização para assegurar sua utilização comum. A fruição de bens públicos só pode ser conferida para os bens dominicais, sendo incompatíveis para os bens de uso comum ou especial enquanto destinados aos fins precípuos. E para a desafetação de uma rua, ela deve ter perdido sua utilização pública, seu sentido de via de circulação. Para ele, na concessão para fechamento ou controle de ruas e outros espaços públicos, impera o desejo dos moradores na sua utilização privada, de cunho individual (sossego, segurança e conforto pessoais), contrapondo o interesse privado ao coletivo.

Pietro (2004 apud MARINI; PIRES, 2011) defende que todos devem ter assegurado o livre acesso aos bens públicos, podendo haver o uso exclusivo por

particulares apenas em casos excepcionais, em áreas protegidas por legislação específica como nos casos de segurança nacional. Para ela, as áreas públicas servem para oferecer aos moradores do meio urbano a concretização de funções inerentes às cidades, como recrear e circular. Assim, desempenham inúmeras funções urbanísticas, de maneira que a sua adequada ordenação, de acordo com a natureza de cada área, constitui meio de oferecer uma melhor qualidade de vida à população.

A função social da propriedade, que está na Constituição da República Federativa do Brasil no art. 5º inciso XXIII e também é tratada no art. 182 e seguintes, sempre faz parte das discussões sobre políticas de ocupação do solo, urbanas e rurais. Para Alves (2007), a Constituição de 1988 imprime uma nova concepção não só ao direito de propriedade como à ordem jurídico-urbanista, e que tal comando constitucional impulsiona maior reflexão sobre a legislação infraconstitucional vigente, já inadequada à realidade das cidades, e em especial sobre a Lei 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. A seu tempo, esta lei depositou ênfase no sentido de ordenação, equilíbrio, padrão e organização dos loteamentos ou desmembramentos urbanos (art. 2º, parágrafos 1º e 2º), harmonizando seu regramento com as legislações estaduais e municipais, com vistas ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Já mais recentemente e dentro da visão constitucional atual, a Lei 10.257/2001, chamada de Estatuto da Cidade, fixou as diretrizes gerais da política urbana a ser executada pelo poder público municipal e estabeleceu as normas de ordem pública e de interesse social que regulam o uso da propriedade urbana, com vista ao bem coletivo, a segurança, ao equilíbrio ambiental e ao bem-estar dos cidadãos.

Pinto (2017) comenta sobre a paisagem urbana e eventuais problemas para as cidades, como a necessidade de contornar áreas muradas. Ele afirma que condomínios fechados de grande dimensão, constituídos sobre glebas não parceladas e separados da cidade por muros, comprometem a paisagem urbana e geram problemas concretos para a cidade, na medida em que fazem uso da infraestrutura existente, mas não contribuem para a sua provisão. Em muitos casos, chegam a prejudicar o fluxo de veículos, que se veem obrigados a contorná-los, ou a impedir o acesso da população a bens de uso comum do povo, como praias e parques naturais. Para ele, estes empreendimentos podem eventualmente propiciar boa qualidade de vida no seu interior, mas causam degradação do espaço público, pois geram um

ambiente externo inóspito para o pedestre, que se vê obrigado a caminhar por longos percursos sem qualquer atrativo paisagístico ou comercial.

Sobre as áreas muradas, diante do aumento do problema da insegurança urbana, é natural que haja um aumento no número de condomínios de lotes e loteamentos de acesso controlado.

Marini e Pires (2011) concluem artigo escrito por elas sobre o direito coletivo ao uso das áreas públicas relacionando com o direito social da segurança:

O fechamento de um loteamento, sob o argumento de concretizar o direito social da segurança, não pode ser acolhido pelo poder público para a concessão da privatização de áreas públicas, pois o direito à segurança está garantido a todos, sem qualquer distinção, e é dever do poder público efetivar tal direito. Assim, não pode a coletividade ser ainda mais prejudicada pela insuficiência deste, que além de não ser capaz de proporcionar a segurança, faz gritar a desigualdade, ao passo que isola poucos abastados citadinos em lugares privilegiados, em detrimento dos demais, suprimindo direitos fundamentais que lhes são inerentes.

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 3º inc. I, afirma ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Áreas urbanas fechadas colaborariam para criar uma sociedade cada vez mais individualista e discriminatória, produzindo uma verdadeira segregação sócio espacial. Para Michel (2017), prepondera na regulamentação do parcelamento (Lei 6.766/1979) o seu papel integrador da cidade e os interesses transindividuais em jogo, sobretudo ambientais e urbanísticos. Para Oliveira (2007), o direito urbanístico não deve se restringir a “definir as regras do jogo”, e sim discutir e conceber regras para modificar o resultado deste jogo, pensando o presente, mas sempre mirando o futuro. O direito urbanístico deve agir como força transformadora.

Para Lopes (2009), os loteamentos e condomínios fechados ferem o direito dos moradores da cidade pois: restringem o acesso às ruas e outras áreas comuns, como as praças, prejudicando o lazer dos outros cidadãos; trazem transtornos à população causada pelo fechamento de vias; são contrários ao direito constitucional de livre locomoção; afrontam a privacidade dos cidadãos pelo acesso controlado por seguranças; e formam-se guetos exclusivos, dificultando a realização dos valores do art. 3º da Constituição da República Federativa do Brasil, que prestigia a convivência social livre, justa, igual e solidária.

Barcellos e Mammarela (2016 apud MICHEL, 2017) comentam o individualismo crescente da sociedade e seus impactos na vida urbana. Para elas,

empreendimentos fechados são o resultado de uma sociedade cada vez mais individualista e discriminatória, produzindo uma segregação socioespacial. A implantação de empreendimentos autos segregativos residenciais fraciona o tecido social de tal maneira que a complexidade das relações na sociedade urbano-industrial, que são de diversidade, de complementaridade, e contraditórias, fica encoberta. A opção crescente dos ricos e de parcelas das camadas médias, pela residência em bairros ou espaços cada vez mais elitizados e autossuficientes, especialmente no formato de “condomínios fechados” se constitui em evidência desta fragmentação social uma vez que promove seu isolamento, inclusive físico, em relação ao resto da população.

Para Barroso (1993), com um novo espaço residencial, uma nova realidade urbanística se apresenta no local e adjacências, razão de haver o legislador cogitado de estabelecer normas tutelares dos interesses da coletividade afetada, especialmente dos compradores dos lotes integrantes do plano de loteamento. Para ele, a normatização legislativa deve ir além da tutela do interesse dos tomadores de unidades autônomas imobiliárias em loteamentos abertos ou em condomínio fechado, e cuidar também, do interesse geral da cidade, no que concerne à inserção do novo bairro ou conjunto habitacional da cidade.

Barroso (1993) ainda afirma que a nova realidade urbanística resultante da implantação do loteamento, como é óbvio, afeta à cidade como um todo, sobrecarregando seus equipamentos urbanos, sua malha viária e toda a gama de serviços públicos de infraestrutura da cidade. O loteamento não é patrimônio de um conjunto de pessoas, mas, sim, núcleo urbano de interesse comum de todos.

Encerrando-se os argumentos contrários ao fechamento de áreas da cidade, sejam loteamentos ou condomínios, serão apresentados na próxima seção os argumentos favoráveis aos condomínios de lotes e loteamentos de acesso controlado.