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2.4. Confiança

2.4.4. Confiança dos clientes em organizações do setor de serviços

O processo de prestação de serviços propicia momentos de interação entre funcionários e clientes (HOFFMAN e BATESON, 2003) e a confiança dos clientes nas organizações pode ser influenciada por percepções advindas das experiências decorrentes dessas interações (GRÖNROOS, 2003). Dessa forma, é possível que a confiança dos clientes nas organizações do setor de serviços esteja associada aos valores organizacionais e às práticas por eles percebidas mediante as interações com os funcionários das organizações.

O estudo da confiança dos clientes nas organizações levando em consideração enfoques relativos aos valores e às práticas organizacionais, pode ser identificado nos trabalhos de Halliday (2004) e de Harisalo, Huttunen e McInerney (2005), respectivamente.

Halliday (2004) realizou um estudo junto a pacientes que utilizaram serviços de saúde em maternidades, utilizando-se de entrevistas e observações. O autor apresenta uma distinção entre a confiança atribuída à organização, resultante das interações entre clientes e funcionários; e a confiança construída, fruto do relacionamento de longo prazo com a organização. Conforme esse autor, a confiança atribuída é uma condição para a construção do relacionamento, o qual irá levar ao reforço dessa confiança.

Halliday (2004) constatou que a confiança atribuída era fruto das percepções das pacientes com relação às habilidades dos funcionários e às informações recebidas, as quais lhes proporcionavam uma sensação de controle do processo no qual se sentiam vulneráveis. Também identificou que essas pacientes buscavam, nos valores percebidos como

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compartilhados pelos funcionários, as certezas de que podiam confiar nos serviços da organização.

Com o intuito de identificar práticas organizacionais que pudessem propiciar a confiança de stakeholders, Harisalo, Huttunen e McInerney (2005) realizaram um estudo junto a gerentes e supervisores de marketing, de organizações pertencentes a diversos setores de atividade. Os respondentes eram alunos de um programa de treinamento na área de vendas. Os alunos foram separados em grupos e foi pedido a eles que compartilhassem, junto aos colegas, suas próprias experiências, nas respectivas empresas, quanto a práticas organizacionais que propiciavam a confiança de alguns stakeholders (clientes, empregados, e os responsáveis pelas áreas de estratégia e de finanças nas respectivas organizações). Na sequência, cada grupo deveria eleger, entre todas as práticas, aquelas que considerava mais adequadas, relativas a cada tipo de stakeholder.

No que se refere à confiança dos clientes, Harisalo, Huttunen e McInerney (2005) salientam que as idéias resultantes das respostas dos grupos levaram a duas dimensões: uma referente à confiança na organização em si e outra relacionada a seus produtos e serviços. A dimensão que diz respeito à confiança na organização constituiu-se de quatro principais práticas:

- comprometimento dos funcionários no que se refere à qualidade dos produtos e serviços, trabalhando de forma consistente com vistas a atender às necessidades, expectativas e prioridades dos clientes;

- demonstração de integridade, fornecendo aos clientes o que foi prometido, e sendo responsável, reparando eventuais danos causados por erros;

- comunicação, fornecimento de informações e auxílio aos clientes, bem como procura por clientes em potencial e por necessidades insatisfeitas no mercado; - coragem de assumir erros e prejuízos junto aos clientes.

Na dimensão que se refere à confiança nos produtos e serviços da organização, identificaram-se, de acordo com os autores, idéias relacionadas principalmente a três práticas:

- flexibilidade nos produtos e serviços fornecidos aos clientes e solução rápida de seus problemas;

- pesquisa junto aos clientes no que se refere à satisfação na utilização dos produtos e serviços, à forma de utilização e a eventuais reclamações;

- demonstração aos consumidores de que o produto ou serviço comprado apresenta um preço justo no mercado.

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Para Harisalo, Huttunen e McInerney (2005, p. 469), os indivíduos “calculam sua confiança mútua em termos de promessas, comprometimentos e contratos”. Conforme estes autores, as promessas se referem a que se faça de fato o que foi prometido pelas partes envolvidas; o comprometimento diz respeito aos valores, normas, princípios e objetivos da organização, que guiam seus membros nos processos de tomada de decisões, no atendimento a clientes e na solução de conflitos; e os contratos asseguram que ambas as partes irão cumprir com suas obrigações e contribuições.

De acordo com Harisalo, Huttunen e McInerney (2005), a confiança pode ser resultante das percepções dos clientes, geradas através dos momentos de interação com os funcionários das organizações, nos quais estes podem transmitir, através das práticas desempenhadas, a idéia de que os valores organizacionais priorizam o cumprimento das promessas, dos comprometimentos assumidos e dos contratos efetivados pela organização.

Tomando-se por base as conclusões de Sirdeshmukh, Singh e Sabol (2002), as práticas podem ter função no desenvolvimento da confiança dos clientes, por consistirem na atuação dos funcionários das organizações prestadoras dos serviços permitindo, assim, que os clientes percebam a competência desses funcionários nas execuções das tarefas, bem como suas intenções em proteger os interesses dos clientes e suas orientações quanto à solução de problemas.

Baseando-se nas considerações de Kramer (1999), é razoável supor que as práticas e os valores organizacionais possam se configurar tanto como antecedentes da confiança, no sentido de que as interações entre clientes e funcionários das organizações venham a suscitar a confiança baseada na história, permitindo aos clientes identificar as intenções de uma organização e prever seu comportamento; como em condutoras da confiança, possibilitando que ocorram percepções quanto às regras, normas e rotinas da organização.

A confiança dos clientes numa organização pode estar associada aos valores por eles percebidos como aqueles que guiam as ações dessa organização, no sentido de que ela venha a apresentar um comportamento responsável, de acordo com o que define Deutsch (1958), ou seja, caracterizado pela busca da realização dos objetivos dos clientes. E a sucessiva confirmação das expectativas dos clientes, no decorrer dos momentos de interação com os funcionários, pode reforçar a confiança que depositam numa organização, uma vez que, como salienta Deutsch (1958), a confiança de um indivíduo tende a aumentar conforme cresce a confirmação de suas expectativas junto à outra parte.

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Suh, Fanda e Seo (2006) salientam que, quando um cliente desenvolve confiança junto a uma empresa prestadora de serviços, ele espera que haja um relacionamento durável e de longo prazo junto a essa organização, e que o desenvolvimento da confiança depende da interação contínua e das experiências vivenciadas na prestação dos serviços.

Garbarino e Johnson (1999), ao fazerem uma distinção entre confiança e comprometimento, estabelecem que a confiança está associada ao quanto os clientes acreditam na qualidade dos serviços prestados e na integridade de uma organização. Por outro lado, o comprometimento refere-se à identificação, lealdade e preocupação dos clientes para com a organização, sendo gerado pela confiança.

Ball, Coelho e Machás (2004) argumentam que, para que haja a intenção de um cliente em manter o relacionamento com uma organização prestadora de serviços, ele precisa acreditar na benevolência e na integridade dessa organização. Sendo assim, é possível que os valores organizacionais sejam percebidos por intermédio da atuação dos funcionários das organizações junto aos clientes, ou seja, das práticas, e que traduzam, para esses clientes, as intenções da organização e os princípios que guiam suas ações, levando ao desejo desses clientes em permanecerem fiéis à organização.

Ranaweera e Prabhu (2003, p. 376) enfatizam a importância da confiança na retenção de clientes, ou seja, “na propensão futura do cliente permanecer com o mesmo prestador de serviços”; bem como o papel da confiança associado à satisfação e às barreiras para troca do fornecedor do serviço. Zeithaml, Berry e Parasuraman (1996) salientam que a longevidade do relacionamento entre empresa e cliente favorece a lucratividade, sendo que clientes mais antigos tendem a comprar mais serviços adicionais oferecidos pela empresa e a indicá-la como prestadora de serviços a outros clientes. Nesses casos, de acordo com estes autores, a empresa pode até vir a cobrar um preço mais elevado pelos serviços, uma vez que esses clientes podem aceitar pagar mais caro para manterem esse relacionamento.

Tomando-se por base as colocações dos autores e as dimensões da confiança apresentadas por Hernandez e Mazzon (2005) e Hernandez e Santos (2007) pode-se supor que a confiança baseada em conhecimento, a confiança baseada em características e a confiança baseada em identificação, venham a se configurar como as mais importantes para a manutenção do relacionamento entre clientes e organizações. Além disso, é possível que sejam as mais suscetíveis aos valores organizacionais e às práticas organizacionais, na forma como são percebidos pelos clientes, no decorrer dos momentos de interação junto aos funcionários das organizações do setor de serviços.

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