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Configuração espacial do desfile e a des(ordem) do carnaval natalense

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De acordo com o geógrafo, os exageros festivos, para Duvignaud, constituem ações subversivas com o império do “id” que suplanta os códigos e normas legais e morais, ao passo que Canclini entende que na festa ocorre a reprodução das contradições sociais (MAIA, 1999).

Para explicar o mapa acima, recorremos à ideia da “rua” enquanto lócus privilegiado para o ritual festivo, deixando “de ser o local desumano das decisões impessoais para se tornar o ponto de encontro da população” (DAMATTA, 1990: 46). Não obstante ser o momento em que a população se encontra festejando, é no carnaval que se dá o universo da competição dramatizada nos dias festivos (TURNER, 1974): as agremiações disputam o desfile, os espectadores competem pelos melhores lugares, os ambulantes demarcam seus espaços, materializando os vários papéis e posições das pessoas e grupos que, dada a heterogeneidade, territorializam-se ocupando lugares diversos e atribuindo ações diferentes no “espaço da folia”.

Inerente às festas, o consumo possibilita a utilização do espaço por vendedores que instalam seus “carrinhos”, trailers, mesas e cadeiras pelo entorno do local de desfile, para a venda de refrigerante, cerveja, churrasco, cachorro-quente, etc. A disputa pelos melhores lugares se inicia com a antecipação dos ambulantes e a prévia demarcação do território.

Figura 2 – Territorialidades da economia informal no desfile carnavalesco 150

Foto: Autor, 2012

150Utilizamos “economia informal” com a finalidade de caracterizar a situação ocupacional de um segmento de

trabalhadores que se encontram inseridos no circuito inferior da economia urbana, sobretudo no comércio de ambulantes, estabelecidos nas ruas.

Verificamos a presença maciça de agentes do circuito inferior da economia urbana, produzindo relações “em toda parte e todo o tempo, entre agentes, entre agentes e clientes, no exercício da própria atividade e na sua significação global dentro da sociedade” (SANTOS, 1979b: 54), funcionando, portanto, racionalmente, seguindo a lógica da economia capitalista e difundindo, entre os pobres, o modo de produção que encontramos inseridos: de um lado está quem vende o produto e de outro, quem compra.

Não raro, alguns destes vendedores se utilizam do trabalho infantil, colocando os filhos menores para trabalharem no “estabelecimento”, fato que não é apurado pelo policiamento destacado no local. É inevitável traçar um paralelo com o trabalho realizado pela Prefeitura, através da Secretaria de Assistência Social – SEMTAS, em conjunto com a Polícia Militar, a Guarda Municipal e o Poder Judiciário, no Carnatal151, em que os menores que se encontram em estado de vulnerabilidade, são deslocados para um espaço contendo brinquedos, alimentação e colchões nas noites festivas e, ao final da festa, retornam aos pais.

Este tipo de ação não é verificado no carnaval natalense; não há, sequer, fiscalização do Poder Público nas situações de vulnerabilidade social dos menores. Um dos motivos talvez seja a visibilidade das ações do ente estatal no Carnatal, associado ao alto índice de crianças e adolescentes trabalhando no evento, diferentemente do carnaval da Ribeira. Todavia, o fato de existir um número menor de crianças e adolescentes, não justifica a inércia dos órgãos públicos municipais e estaduais.

Ainda concernente à atuação do Poder Público, no primeiro dia de desfile das tribos de índios (sábado), um dos componentes da tribo Mobralino Mapabu necessitou de atendimento médico e prontamente foi atendido por uma das ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU, entretanto, no dia seguinte, quando duas integrantes da tribo Gaviões-Amarelo se sentiram mal ao término do desfile, não havia ambulância no local, fato este presenciado pelo próprio pesquisador que solicitou o serviço e foi informado que não havia ambulâncias disponíveis.

Observamos, também, que nem o titular do Executivo Municipal152, tampouco a Governadora do Estado, fizeram-se presentes na abertura da festividade. Outros políticos –

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O Carnatal é o carnaval fora de época de Natal e considerado uma das maiores micaretas do Brasil, sendo prestigiado por milhares de foliões que vêm de vários estados brasileiros, assim como se verifica uma significativa presença significativa de estrangeiros.

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Frisamos, no entanto, que vislumbramos a presença do Prefeito em exercício na época, que compareceu rapidamente no primeiro dia carnavalesco.

vereadores, senadores e deputados – igualmente não compareceram ao tradicional carnaval da Ribeira, denotando um descaso dos próprios entes políticos.

Enquanto algumas pessoas se projetam nos “territórios de consumo”, entre as mesas e cadeiras dos vários trailers, para comer e beber enquanto assistem ao desfile, a maioria prefere manter-se no lado oposto, não consumindo (ou “gastando” o necessário para se manter na festa) ou nas arquibancadas, com visão privilegiada do evento, e, igualmente, participando do carnaval. Há, aqui, um dado espacial importante: o espaço como norma para as territorializações dos locais de consumo de alimentos e bebidas, que só podem se territorializar de um lado da “avenida”, que comporta espacialmente as várias mesas e cadeiras.

Figura 3 – O espaço normatizado para o consumo

Foto: Autor, 2012

Contudo, não podemos essencializar o fato e afirmar que as pessoas que se encontram de um lado (ou nas arquibancadas) não possam deslocar-se ao outro para o consumo; queremos, com a discussão, dizer que a paisagem projetada conduz a uma leitura funcional do espaço, onde uma parte consome a “cultura-arte” e outra tem como consumo o espetáculo somado ao consumo de produtos agregados ao carnaval: bebida, comida, etc.

Há, também, aqueles que têm o evento como local de encontro, onde conversam, bebem, flertam, namoram, não se preocupando com o desfile carnavalesco. O espaço destas pessoas é, preferencialmente, o que se encontra abastecido de ambulantes para comprarem sua bebida e “tira-gosto”. A finalidade está nos vínculos afetivos em que amigos vão à festa, em sua maioria jovens e adolescentes, por vezes, como “preliminar” para o evento que ocorre na praia da Redinha, onde grupos se deslocam àquela localidade, também um dos polos carnavalescos da Prefeitura de Natal, e permanecem até o amanhecer do dia, valendo-se, principalmente, da relativa proximidade entre os dois bairros (Ribeira e Redinha), interligados pela Ponte Newton Navarro.

Outro grupo que exerce uma função e, portanto, estabelece uma territorialidade no polo carnavalesco, são os jurados do desfile. Como já destacado alhures, o carnaval é um tempo de trabalho, não só para as agremiações, mas, também, para outros agentes que exercem uma importante atividade, podendo, inclusive, traçar os rumos futuros de uma tribo de índios. Exemplo disso foi a agremiação Tapuias, onde o rebaixamento para a chave B no carnaval de 2012 levou a que o presidente confidenciasse que não iria desfilar no ano seguinte.

Tal papel desempenhado pelos jurados é, pois, de grande relevância, para o carnaval e os participantes sabem bem disto. Em um dos momentos, registramos o desespero do presidente da tribo de índios Guaracis, Joselito Damasceno, quando o grupo carnavalesco não procedeu ao ritual diante do júri, fato que retirou uma grande pontuação. Noutro, verificamos a reverência do Pajé da tribo Gaviões-Amarelo, como forma de obter a simpatia do corpo de jurados.

Tais ações legitimam a relação hierárquica entre a agremiação e o júri, que se manifesta, também, espacialmente: os jurados encontram-se no alto, “acima de tudo e todos”, vislumbrando todo o grupo que está desfilando e verificando cada detalhe que abrilhante o desfile ou o prejudique, sob um “olhar panóptico”, num “estado consciente e permanente de visibilidade que assegure o funcionamento automático do poder” (FOUCAULT, 1987: 166). O panóptico é aqui utilizado por sua polivalência, servindo para inúmeras situações, por tratar-se de:

[...] um tipo de implantação dos corpos no espaço, de distribuição dos indivíduos em relação mútua, de organização hierárquica, de disposição dos centros e dos canais de poder, de definição de seus instrumentos e de modos de intervenção. [...] Cada vez que se tratar de uma multiplicidade de

indivíduos a que se deve impor uma tarefa ou um comportamento, o esquema panóptico deverá ser utilizado (FOUCAULT, 1987: 170).

Os frequentadores – estejam trabalhando ou “curtindo”, “de passagem” ou permanecendo até o final do desfile – deste “pedaço efêmero” podem não se conhecer, porém se reconhecem pela corporalidade – aspectos simbólicos de identidade, como roupa e linguagem – que traz as marcas de seu pertencimento a uma classe menos abastada, mas que, igualmente, deixa-se levar pelo lazer, permitindo-se vivenciar o carnaval.

No próximo tópico analisaremos o dia do desfile das tribos de índios, desde os atos preparatórios que antecedem o acontecer na avenida até a dispersão do bloco carnavalesco, buscando compreender as apropriações dos espaços públicos com suas alegorias e brincantes, práticas que se iniciam a partir da concentração na sede do bloco carnavalesco.

4.1.2. O acontecer da tribo na “avenida”: atos preparatórios e o desfile carnavalesco

Domingo de carnaval, eram 16h00min quando os primeiros componentes chegaram à residência da presidente da tribo de índios Gaviões-Amarelo. Crianças e jovens ansiosos por suas fantasias, feitas sob medida. De forma ritualística, os integrantes passam a se vestir: saia, cocar, lança, arco e flecha e demais artefatos. As crianças logo encetam as brincadeiras na rua, imitando o “índio tradicional”, ato provavelmente aprendido na escola ou em casa.

Também é tempo para os últimos ajustes nas roupas, realizados pela equipe de apoio. Desprovidos de qualquer pudor, os integrantes trocam-se na rua – homens e mulheres, meninos e meninas com saias feitas de agave e por baixo, em alguns deles, apenas as roupas íntimas que a ação do vento, por vezes, permite visualizar – e, em poucas horas, o espaço está repleto de jovens indígenas, numa paisagem que nos permite confirmar um tempo diverso daquele das racionalidades: o tempo da folia. Afinal, é carnaval!

Em meio à profusão de brincadeiras e muita alegria, aqueles que lideram a organização da tribo se encontram em pleno movimento, correndo de um lado a outro para que nada fuja da “normalidade”. Para o carnaval de 2012, a tribo de índios Gaviões-Amarelo, contando com a ajuda do Conselho Comunitário do Conjunto Cidade do Sol, alugou dois

ônibus153 que conduziram os integrantes ao local de desfile. Esta foi uma das menores preocupações, tendo em vista que os transportes chegaram ao local combinado com bastante antecedência.

Para estas pessoas que estão à frente da organização, há, concomitantemente com o “tempo de folia”, o “tempo de trabalho”. Já na manhã do grande dia, preocupam-se com o transporte das alegorias; contrata-se um caminhão que, com muita cautela e cuidado, transporta os itens alegóricos para o bairro Ribeira. Os homens mais engajados com a agremiação ajudam no carregamento do material. Observamos tanto na tribo de índios Gaviões-Amarelo quanto na Tabajara o mesmo procedimento: jovens brincantes que se predispuseram a ajudar.

Figura 4 – Montagem da alegoria da tribo Tabajara na manhã do desfile

Foto: Autor, 2012

É chegada a hora de partir para o desfile; os componentes adentram ao ônibus que os aguarda. Uma hora depois, chega-se ao destino: o bairro Ribeira. Nas ruas perpendiculares à Avenida Duque de Caxias, verificamos o domínio dos espaços pelas agremiações para os

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De acordo com a presidente Zeneide Diniz, o aluguel pago foi R$ 300,00 reais pela tribo e R$ 100,00 pelo Conselho Comunitário. Após o desentendimento com a presidente do Conselho Comunitário, o que antes era considerado “ajuda” por Zeneide Diniz, deixou de ser, prevalecendo o discurso do interesse.

últimos ajustes, principalmente as maquiagens. Os maquiadores da tribo de índios Gaviões- Amarelo são o Pajé e o Feiticeiro.

Um momento de tensão da referida agremiação foi o esquecimento da arma do caçador na sede da tribo. Ir de ônibus, ainda mais em época de carnaval, tornar-se-ia impossível. A saída foi utilizar o automóvel do pesquisador que não teve outra alternativa a não ser permitir a ida dos integrantes em busca do artefato, ademais, eu já me encontrava como integrante do grupo carnavalesco, o que legitimou o pedido e, pari passu, a concessão.

Para a tribo de índios Apaches tudo é festa e não poderia faltar a bebida. Os adultos, em sua imensa maioria, aproveitavam do tempo em que se encontravam aguardando para a entrada no desfile e festejavam, dançavam, bebiam, até a entrada na “avenida”. Já a agremiação Gaviões-Amarelo preferiu “orar”, pedindo força e brilhantismo para a tribo.

Após os preparativos, um novo momento surge: o acontecer das tribos de índios na “passarela” carnavalesca, em um profundo momento de festejo, mas também de organização. É a ocasião crucial no qual estão em jogo vários meses de preparação, sobretudo para o presidente da tribo de índios – sempre o mais empenhado. O tempo é cronometrado e a agremiação dispõe de quarenta ou cinquenta minutos (Chave B e Chave A, respectivamente) para atravessar o espaço destinado à apresentação, com a necessidade de demonstrar o “ritual da morte do caçador”, por duas vezes, em frente aos dois palanques de jurados – o primeiro localizado no centro da avenida e o segundo já no final do desfile.

Antes do primeiro toque do surdo, o presidente da tribo de índios Guaracis, Joselito Damasceno, localizada no bairro Mãe Luíza, promove um discurso que reforça e vangloria o fato de ser a “única” agremiação cujos integrantes são, em sua totalidade – duzentos e quarenta componentes –, do bairro da tribo. Ele manifesta uma identidade territorial construída a partir da identificação do grupo com o lugar por meio deste discurso que aciona uma alteridade154. Tal significação está assentada no sujeito pós-moderno de Stuart Hall (2003)155, que, naquele momento, encontrava-se inscrito numa identidade barrial, pois é “se opondo aos outros e, simultaneamente se identificando aos seus, que se constrói uma identidade” (CLAVAL, 2008: 21).

154“Isto significa que discursos, por uma parte, e ações, por outra, não são realidades que se opõem, nem que

uma opera distorcendo a outra: seriam antes formas diferentes mas complementares de expressão de um mesmo universo simbólico que só pode ser apreendido como sistema abstrato, mas que se manifesta através da especificidade de cada situação concreta” (MAGNANI, 1998: 58).

155 “[...] à medida em que os sistemas de significações e representação cultural se multiplicam, somos

confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente” (HALL, 2003: 13).

Figura 5 – Discurso do presidente da tribo de índios Guaracis

Foto: Autor, 2012

Ao pensarmos a identidade territorial conjuntamente com a identificação social do grupo, estamos sendo tributários do pressuposto geral de que:

[...] toda identidade territorial é uma identidade social definida fundamentalmente através do território, ou seja, dentro de uma relação de apropriação que se dá tanto no campo das ideias quanto no da realidade concreta, o espaço geográfico constituindo assim parte fundamental dos processos de identificação social (HAESBAERT, 1999: 172).

Esta prática discursiva liga-se à representação e à construção social das várias identidades postas em interação: por um lado, a tribo de índios de Mãe Luíza, por outro, as tribos dos outros bairros da cidade e municípios do estado. Este caráter “grupal” aparece como um contraponto ao individualismo enquanto valor fundamental da sociedade moderna156 e a disputa surge não somente relacionada às agremiações carnavalescas, mas,

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Dumont (1985) anota o individualismo como a ideologia moderna, contrapondo-se à ideologia holista das “sociedades tradicionais”, porém, “no estágio atual da pesquisa, essa coexistência, na ideologia do nosso tempo, do individualismo e de seu oposto impõe-se com mais força do que nunca. É nesse sentido que, se a configuração individualista de ideias e valores é característica da modernidade, não lhe é coextensiva” (DUMONT, 1985: 29).

sobretudo, às localidades – tribo Guaracis do “bairro” de Mãe Luíza e tribo Tupi-Guarani do “município” de São Gonçalo do Amarante – enquanto lugares de referência coletiva.

Estes são os aspectos da realidade subjetiva que criam uma identidade comum através da manifestação do sentimento de pertença (MAIA, 2003), que pode se dá na relação tribo- bairro ou tribo-município, existentes na vida social destes grupos, mas que ganha relevo em determinados momentos ritualísticos, ao transmitirem valores, possibilitando a tomada de consciência das coisas, definindo sua posição social e reforçando sua coletividade:

O ritual tem, então, como traço distintivo a dramatização, isto é, a condensação de algum aspecto, elemento ou relação, colocando-o em foco, em destaque, tal como ocorre nos desfiles carnavalescos.

[...] podemos conceituar o mundo do ritual como totalmente relativo ao que ocorre no quotidiano. Uma ação que no mundo diário é banal e trivial pode adquirir um alto significado (e assim ‘virar’ rito) quando destacada num certo ambiente, por meio de uma sequência (DAMATTA, 1990: 31).

A passagem pela “avenida” é a coroação dos momentos de compartilhamento e relacionamento do grupo, da rede de sociabilidades construídas, externando os referenciais simbólicos que os identificam socialmente e espacialmente como participantes da agremiação e do bairro. A “passarela” passa a se constituir em um território cujos grupos sociais – a própria tribo de índios – constroem microterritorialidades a partir da singularização de uma parcela do espaço onde este grupo exerce suas práticas sociais, de modo a afirmar seus predicados identitários e preservar a identidade: “Identificar-se com um território implica tornar-se parte de determinados círculos sociais e redes de lugares e itinerários e partilhar um sentimento coletivo em relação a signos, códigos e práticas culturais” (MARANDOLA JR; DAL GALLO, 2009: 07).

Vemos que o fator preponderante dessa identidade territorial de que estamos falando não está no simples fato de residir em determinado bairro – Mãe Luíza para os brincantes da tribo de índios Guaracis – mas “a significação que essa contiguidade espacial ganha dentro de um contexto específico” (GOMES, 2010: 119). É o significado da solidariedade adquirida no fenômeno do coabitar que interessa e não a coabitação em si. Esta ressalva é importante na análise, pois tal identidade é clamada em determinadas circunstâncias e noutras pode ter variabilidade, sendo algo reversível e mutável.

Durante o desfile, vários agentes no interior da tribo de índios têm seus papéis revelados e a agremiação funciona como um organismo, numa completa dependência uns dos outros para o bom desempenho, que pode ser expresso na luta entre o caçador e os índios, que

perdura por todo o desfile. Aquele, juntamente com o Pajé e o Feiticeiro, percorre toda a tribo, com movimentos diferentes da dança em que se encontra a quase totalidade dos participantes. Busca-se, com isso, a representação simbólica do enredo, sobretudo o ritual de morte- ressurreição do caçador, juntamente com o movimento e a ocupação do espaço, inscrevendo uma nova dinâmica espacial.

A primeira ala que segue à frente encabeçada pelo Cacique empreende uma dança gingada, carregando arcos e flechas que se tocam ao ritmo da toada realizada pela “bateria” ao final da agremiação. A “bateria”, ao contrário do que ocorre nas escolas de samba, não executa o “recuo” – considerado um momento complexo da performance dos grupos de sambistas – mas se coloca em linha, sempre por último e atravessa a “avenida” juntamente com a tribo carnavalesca.

Entre os carros alegóricos, há algumas alas de homens, mulheres e crianças enfileirados e realizando, de forma sincronizada, uma única dança por todo o tempo na “avenida”. E, à frente da agremiação, o estandarte da tribo de índios, igualmente como os cucumbis de outrora, demarcando a territorialidade efêmera do grupo indígena.

Ao final, após a execução do ritual para o segundo corpo de jurados, chega-se ao término da apresentação, em que os vários integrantes, acompanhados do presidente da tribo, deslocam-se, cansados pelo exaustivo desfile, aos ônibus que os esperam para o retorno às suas residências. Alguns, porém, permanecem no polo carnavalesco e somam-se àqueles espectadores e consumidores para festejarem e assumirem outra identidade e inscreverem outra territorialidade, sem deixar, porém, de serem membros da tribo de índios, pela própria corporalidade posta à visibilidade, pois, geralmente, permanecem com a fantasia indígena, embora novas ações surjam para estes participantes.

Ultrapassada a discussão acerca das várias territorialidades encontradas no desfile do carnaval natalense, adentraremos em outros espaços públicos para compreender as territorialidades das agremiações nas relações com o entorno, nas ruas e bairros da capital potiguar, demonstrando usos do território que, por vezes, escapam à análise geográfica, mas que produzem, no interior da urbe, ocupações e significados passíveis de um estudo de perto e

4.2. A RUA DAS TRIBOS E A REFUNCIONALIZAÇÃO DO LUGAR

Ouve-se o apito, seguido da forte batida do surdo. A tribo de índios sai à rua para o ensaio. As crianças deixam suas casas para participarem da “festa”, e os jovens saem para o encontro com os amigos, cuja duração é demarcada pelo tambor e pela musicalidade peculiar da agremiação indígena, rearranjando espacialmente o lugar e atribuindo-lhe um novo