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OS ASPECTOS ECONÔMICOS DO CARNAVAL DAS TRIBOS

Mapa 7 – Redes socioespaciais da tribo de índios Tabajara

3. O CARNAVAL DAS TRIBOS: ARRANJOS E PRÁTICAS ESPACIAIS

3.1. OS ASPECTOS ECONÔMICOS DO CARNAVAL DAS TRIBOS

É impossível pensar as relações sociais sem considerar os elementos globais projetados nos lugares, principalmente quando estamos considerando estas relações na urbe. Deste modo, não podemos deixar de observar as tribos de índios em uma dimensão econômica, posto que “a ordem global busca impor, a todos os lugares, uma única racionalidade. E os lugares respondem ao mundo segundo os diversos modos de sua própria racionalidade” (SANTOS, 1996a: 272).

A criação das alegorias e a confecção das fantasias promovem uma importante rede de relações econômicas, com toda a complexidade que caracteriza uma cidade, que não permanece somente no bairro, mas espraia-se pela urbe e agrega uma gama de agentes. Portanto, se existe um mercado que reproduz o capital no interior destas tribos, gerando renda e ocupação, envolvendo o setor público e o privado, é imprescindível a abordagem econômica na presente discussão.

É neste sentido que Santos (2000) ensina que o lazer é capaz de gerar empregos que não se restringem ao âmbito das empresas e da burocracia, utilizando-se do tempo livre das pessoas para produzir diversão, mas, também, trabalho, por meio de uma cadeia de solidariedade.

Se o carnaval institucionalizado dos desfiles de escolas de samba do Grupo Especial carioca e paulista indicam uma alta concentração econômica que estrutura uma rede de comércio e trabalho133, a festividade momesca em Natal, se pensarmos em termos comparativos, não conta com investimentos vultosos pelo Poder Público municipal, que, no ano de 2012, subvencionou as escolas de samba com o valor de R$ 189.700,00 e as tribos de índios com R$ 79.390,00. Quanto à premiação fornecida aos vencedores, às escolas foi destinado o valor de R$ 123.000,00 e, às tribos, a importância de R$ 36.000,00134. Houve, ainda, o investimento de R$ 120.000,00 para contemplar cinquenta projetos carnavalescos, lançado por meio de Edital de Chamamento Público135. Quanto ao Governo Estadual, foram

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É importante observar que estamos nos referindo à fábrica de entretenimento que se tornou o carnaval carioca e paulista do Grupo Especial.

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Os valores foram indicados pelo Tesoureiro da Associação das Escolas de Samba e Tribos de Índios de Natal – AESTIN, em reunião ocorrida no dia 02.02.2012, bem como através dos Decretos Municipais nº 9.622/2012 e 9.623/2012.

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destinados R$ 410.000,00 para as festas em todo o Estado, dos quais, R$ 100.000,00 para as escolas de samba e R$ 30.000,00 para as tribos de índios.

Tabela 1 – Investimento Público para o Carnaval/2012

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base nos dados indicados pelo tesoureiro da AESTIN e os Decretos Municipais nº 9.622/2012 e 9.623/2012.

A participação financeira da iniciativa privada para o carnaval tradicional da Ribeira é inexistente, conforme relata o tesoureiro da AESTIN, Ronaldo Cruz: “não há participação da iniciativa privada e as pessoas que trabalham na FUNCARTE não têm know-how para trabalhar com cultura”. O entrevistado mencionou que a associação iria procurar por investimentos privados, independentemente dos órgãos públicos, para aumentar a receita das agremiações carnavalescas e, assim, produzir melhor o desfile.

Contudo, pensamos que, provavelmente, a intenção de angariar patrocínio privado pela AESTIN – elemento essencial nos grandes eventos e festas – não avance em virtude da pouca divulgação da imagem do patrocinador, pela ausência da mídia local. A divulgação se restringirá às pessoas que forem assistir o evento, o que, em sua grande maioria, congrega a população pobre da cidade.

Não podemos negar que, embora o montante destinado às agremiações carnavalescas seja residual, a produção do desfile das tribos de índios movimenta – mesmo que minimamente – a economia local, sobretudo o varejo moderno e o pequeno varejo, bem como o trabalho autônomo no interior dos bairros, para a produção dos artefatos utilizados no desfile. Neste sentido, Santos (2000) argumenta:

0,00 20.000,00 40.000,00 60.000,00 80.000,00 100.000,00 120.000,00 140.000,00 160.000,00 180.000,00 200.000,00 Subvenção municipal Subvenção estadual Premiação municipal Escolas de Samba Tribos de Índios

Ao mesmo tempo em que, com a globalização da economia, se modifica a organização da produção e mudam as condições do emprego e as condições do desemprego, criam-se novas atividades, inclusive essas ligadas ao tempo livre e ao lazer, que passam a constituir um fenômeno misto, porque participando como um setor importante da economia e porque vigorosa manifestação da cultura, opondo e reunindo cultura de massa e cultura popular, o mundo e o lugar, o mercado e a vida” (SANTOS, 2000: 35). Os grupos carnavalescos são, assim, dependentes do capital, essencialmente na sua forma líquida – em espécie –, diante da imperiosa necessidade do pagamento “à vista” para determinados materiais importantes para a confecção, sobretudo àqueles adquiridos no circuito inferior da economia urbana, posto que este circuito “tem uma verdadeira ‘fome’ de dinheiro líquido, [...] ele [dinheiro em espécie] age como um ‘lubrificante’ nas engrenagens do circuito inferior” (SANTOS, 1979a: 182)136

. Zeneide Diniz descreve esta necessária liquidez financeira:

“Pra gente botar a tribo na avenida, a gente não bota só com agave, com cola, nem com papel. A gente precisa de agave, a gente tem que comprar. Eu compro lá em São Gonçalo [do Amarante]. Para ir pra São Gonçalo, eu preciso de ônibus, de carro, pra isso, eu preciso de dinheiro, né verdade? Pra comprar, eu tenho que ter dinheiro. Um quilo de agave é três e vinte e cinco; um quilo de agave só dá pra eu fazer uma saia. Eu tenho quase cento e cinquenta componentes, aí tem que buscar esse agave e tem que fazer essa saia; eu tenho que pagar uma pessoa pra fazer, pra isso tudo precisa de dinheiro” (Zeneide Diniz – Presidente da tribo de índios Gaviões-Amarelo). Há, também, a necessidade de deslocamentos a outros centros urbanos para comprar determinados produtos não encontrados na capital, acarretando maior dispêndio à tribo em virtude do aluguel de veículos para o traslado dos itens comprados. Paulo Lira analisa o fato de ter se deslocado à cidade de João Câmara, distante 75 quilômetros da capital potiguar, para realizar a compra de materiais importantes:

“Eu tomei trezentos reais emprestados pra comprar o agave e o sisal137 em

João Câmara, paguei o carro. O agave não é nem tão caro, mas foi cento e cinquenta reais pra o rapaz ir comigo lá em João Câmara comprar o agave,

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O dinheiro líquido, conforme Milton Santos (1979a), consiste num dos três elementos essenciais para o funcionamento do circuito inferior, por assegurar várias funções no interior do circuito. Ele representa “os pagamentos em numerário, indispensáveis ao consumidor final, bem como aos agentes, para pagarem parcialmente suas dívidas e obterem assim novos créditos” (SANTOS, 1979a: 180).

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Agave e sisal consistem no mesmo produto. Sisal – agave sisalana perr – é o nome popular de uma planta que, entre outros fins, é utilizado no artesanato. As tribos de índios utilizam a fibra das folhas – chamada popularmente de agave – para confeccionar as fantasias.

porque aqui em Natal não tem” (Paulo Lira – Presidente da tribo de índios Tabajara).

Dois fatores, portanto, obrigam as agremiações a adquirirem produtos em localidades distantes do centro urbano de Natal: a falta de determinados itens no comércio varejista local e o preço. Conforme colocado alhures, por vezes é necessário viajar para outros municípios em busca do material para a confecção dos artefatos.

A compra da fibra das folhas de sisal – agave – diretamente nas fazendas produtoras permite às tribos de índios utilizarem um dos mecanismos característicos para a formação do preço no âmbito do circuito inferior da economia urbana: a pechincha, isto é, “a discussão que se estabelece entre o comprador e o vendedor sobre o preço de uma mercadoria (SANTOS, 1979a: 196). Outras aquisições, tais como pneus, rodas e tábuas para confeccionar as alegorias, também exigem o dinheiro em cash, e, geralmente, tais produtos são adquiridos em pequenos comércios locais – por exemplo, borracharias – e com baixa qualidade, sendo, quase sempre, um material reutilizado – de “segunda mão”. Para Santos (1979a), esta estratégia de minoração do valor do produto só é possível em atividades econômicas de pequena escala.

A contratação temporária para determinados serviços especializados também está presente nas tribos de índios, a exemplo do soldador contratado para os trabalhos de solda das alegorias da Tabajara. Esta é uma necessidade das agremiações carnavalescas, não obstante a realização de alguns trabalhos com recursos de mão-de-obra sob o imperativo dos vínculos vicinais e de amizade.

Esta modalidade de emprego temporário também necessita de dinheiro em espécie para a aquisição do material que será utilizado e pagamento da diária ou empreitada do autônomo, pautada numa economia popular: “se nós vamos mandar fazer um trabalho de solda, nós pagamos, por sinal, eu comprei uma máquina de solda; é o meu vizinho, senhor Augusto, ele não me cobra, mas a gente dá uma gratificação” (Paulo Lira – Presidente da tribo de índios Tabajara).

No carnaval de 2011, a tribo de índios Gaviões-Amarelo contratou uma costureira do bairro pelo simples fato de ser avó de um dos batedores da agremiação, ainda que a confecção tenha saído relativamente mais “cara” que em outros lugares, reforçando os laços de solidariedade e o vínculo de vizinhança, demonstrando uma lógica interna do mecanismo dos preços diversos do sistema presentes no circuito moderno. A Tribo Tupi-Guarani também, para aquele carnaval, contratou dez costureiras para as atividades de costura.

As atividades de solda e costura são constituintes do circuito inferior, com dimensões econômicas reduzidas e não-modernas138. Enquanto o soldador da tribo Tabajara sequer dispunha de seu instrumento de trabalho, que foi adquirido pela própria agremiação; por outro lado, para a costureira que prestou seus serviços à tribo Gaviões-Amarelo, a máquina de costura representa seu capital e a sua residência é o seu local de trabalho139. Tais atividades exigem “pouco no plano dos equipamentos e de sua renovação e é sustentada pela exigência de uma demanda na cidade, adaptando-se facilmente às oscilações desta última” (SANTOS, 1979a: 166).

Na tribo de índios Gaviões-Amarelo, alguns dos componentes são remunerados pela “ajuda” dispensada ao grupo durante os meses de trabalho na produção das fantasias e alegorias. Os “voluntários” que confeccionam o material recebem um “agrado” em virtude do tempo despendido:

“Tem a contratação, só que eu faço o seguinte: eu boto minha filha e tem duas componentes da tribo que fazem a fantasia junto comigo […]. Eu dou uma contribuição; eu num vou dizer ‘eu pago’ porque a gente num tem condições de pagar. Pronto, nesse ano mesmo [de 2011] eu dei uma contribuição de cem reais para as meninas, pra me ajudarem, porque fizeram as fantasias” (Zeneide Diniz – Presidente da tribo de índios Gaviões- Amarelo).

Para o carnaval de 2012, Zeneide Diniz “contratou” três componentes para a feitura das fantasias – das quais, duas são filhas da presidente – e pagou pelo serviço a quantia de R$ 200,00. Quanto ao “desfio” do agave, um dos componentes recebeu R$ 1,00 para desfiar e R$ 2,00 para cada peça (saia) confeccionada. Quanto às alegorias, o valor foi de R$ 500,00 por cada uma das três, cuja montagem ficou a cargo de quatro componentes. As lanças e flechas – chamadas de “bodoque” – foram feitas pelo feiticeiro, que recebeu a quantia de R$ 200,00. Também houve pagamento – “gratificação” – para os componentes da bateria (batedores) e destaques da agremiação (pajé, caçador, feiticeiro) pelo “trabalho diferenciado” à frente da tribo de índios.

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Preferimos utilizar circuito inferior que terceirização ou serviços, pois concordamos com Santos (1979a), ao colocar que aquele “recobre uma realidade muito mais ampla que a expressa pelo termo ‘terciário’. Na realidade, trata-se mais de um conceito que de uma denominação; o circuito inferior é o resultado de uma situação dinâmica e engloba atividades de serviço como a doméstica e os transportes, assim como as atividades de transformação como o artesanato e as formas pré-modernas de fabricação” (SANTOS, 1979a: 158).

139 Sobre o trabalho na residência, Santos (1979a) argumenta: “É comum que o local de trabalho dos artesãos e o

ponto de venda dos comerciantes sejam em sua habitação, mesmo que alguns disponham de uma venda no mercado ou na cidade. Isso representa uma economia de tempo e de dinheiro e quase sempre constitui a única possibilidade de ter uma atividade econômica” (SANTOS, 1979a: 170).

Estas contratações, baseadas em vínculos de vizinhança, parentesco e amizade, constituem-se padrões culturais cuja racionalidade dos agentes sociais envolvidos foge àquela dominante pautada em termos eminentemente econômicos. Estes “biscaites” de origem familiar e vicinal permitem a produção sem mobilizar tanto capital, mas, por outro lado, é dependente dos horários livres de cada trabalhador que exerce algum tipo de atividade profissional, sendo, portanto, flexível e adaptável às condições impostas pelo tempo hegemônico. Tais atividades são identificadas quando não desviamos totalmente a atenção para a racionalidade hegemônica, que nos possibilita verificar estas experiências no interior da sociedade produzidas pelos de baixo:

É necessário abrirmo-nos a outras soluções, fundadas no tripé: Território, Cotidiano, Cultura. Gente junta, que cria trabalho. Gente reunida é produtora de economia, criando, conjuntamente, economia e cultura. E sendo produtora de cultura, também é produtora de política. O país 'de baixo' é uma fábrica de manifestações genuínas, representativas, autênticas. É aí que se encontra a riqueza da improvisação. Essas formas espontâneas, ou quase, tanto são alimentadas das tradições quanto das inovações” (SANTOS, 2000: 35). Percebe-se que há, no interior destes grupos carnavalescos certa racionalidade organizacional, na medida em que, para alguns trabalhos, dada a sua extrema relevância para o desfile, são contratados profissionais para a execução, e, nas contratações por afetividade, também há exigência dos presidentes das agremiações para a consecução de um bom trabalho, sempre evidenciando a necessidade de “sair bonito na avenida”. São ações cuja racionalidade instrumental nos permite pensar numa finalidade objetivada de vencer o desfile.

Verificamos que não existe um número certo de contratações – seja de profissionais ou de integrantes para ajudar na confecção – variando de um ano para outro. Esta variabilidade também se refere aos valores e as próprias pessoas que são contratadas, pois, depende da disponibilidade destas no momento da realização dos trabalhos de produção das alegorias e fantasias, que se dá nos meses que antecedem o carnaval – geralmente de dezembro a fevereiro.

As tribos de índios também dispõem de uma linha de crédito concedida por uma empresa do comércio varejista local: a loja “Ponto dos Botões”. O crédito é aberto às agremiações a partir de valores previamente combinados entre as tribos de índios e a AESTIN e “representa a possibilidade de acesso ao consumo, mesmo que não tenham renda fixa” (SANTOS, 1979a: 180). Este crediário, de acordo com o proprietário da empresa, foi solicitado há sete anos pela associação dos grupos carnavalescos e foi aceito no intuito de

ajudar o carnaval local, tendo em vista a impossibilidade de organizarem-se, posto que a subvenção do Poder Público é disponibilizada somente nas proximidades da festa carnavalesca. Representa, pois, outra racionalidade, diversa daquela cuja relação é impessoal, própria deste tipo de comércio moderno.

Não há um valor fixo para cada tribo nem a obrigatoriedade de se utilizar toda a linha de crédito disponível, mas, frente às dificuldades em se produzir o carnaval, a empresa varejista consolida-se como um “salva-vidas” destas agremiações, conforme podemos perceber nas palavras do ex-presidente da tribo de índios Tupinambá, Gaspar Santos: “A ‘Ponto dos Botões’ é quem garante a gente”. Paulo Lira, no entanto, demonstra certa insatisfação, por considerar elevados os valores dos produtos:

“O pessoal da AESTIN vai lá, conversa lá, faz um acordo com o rapaz do Ponto dos Botões, aí, por exemplo, ele nos fornece mercadoria, dá um crédito. Por exemplo, se é cinco mil reais, ele dá um crédito de três mil, e dentro destes três mil tem que comprar pena, comprar cola, comprar tudo, só que compra tudo mais caro, é como quando você vai comprar numa mercearia” (Paulo Lira – Presidente da tribo de índios Tabajara).

As mercadorias que servem de matéria-prima para a confecção das fantasias destas agremiações são artigos pouco vendidos e, geralmente, importados – tais como pena de faisão, plumas e pena da costa – denotando uma margem de lucro alta por unidade, tornando o custo elevado, sobretudo, pela cadeia de intermediários existente140. Tal fato é sentido pelas tribos de índios:

“É dando no pescoço! Você sabe quanto que custa essa pena aqui? Um quilo dessa pena tá custando cento e quarenta reais. Quando você faz qualquer comprinha, vai embora setecentos, mil e cem, dois mil reais” (Gaspar Santos – ex-Presidente da tribo de índios Tupinambás).

“A gente compra aquelas penas, pensando que dá, aí num dá, tem que comprar mais, o dinheiro num dá pra pagar, quando vai pedir o dinheiro, o dinheiro num dá pra pagar, a gente bota do próprio bolso, é fogo. Um quilo da pluma, aquela pena pluma, é um mil reais, numa besteira a gente comprou trezentos, quatrocentos, quinhentos, depende do tamanho, só bota pra lascar mesmo” (Raimundo Brasil – Presidente da tribo de índios Potiguares). “Esse ano foi quase sete mil, Ponto dos Botões fica quase com tudo. Esse negócio aqui de cola custa R$ 21,69; não dá pra eu fazer nem dez penachos. Aí me diga, como é que eu faço? Cada ‘bichinho’ desse aqui, eu tenho cento

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Alguns destes artigos, por serem importados, perpassam vários agentes – atacadistas, transportadores – até chegarem ao consumidor final, o que eleva o valor do produto por unidade e torna dificultosa a sua aquisição, principalmente pelas camadas mais populares.

e poucas pessoas, né, esse ano eu fui com cento e vinte, aí me diga, como é que eu faço? É todo mundo sem dinheiro” (Zeneide Diniz – Presidente da tribo de índios Gaviões-Amarelo).

A loja citada alhures, que supre as necessidades das tribos de índios, constitui-se como um elemento puro do circuito superior, caracterizado por Santos (1979a) de comércio varejista moderno, isto é, de modernização do bazar. Pereira (2009) coloca as lojas de variedade como instituições presentes no varejo moderno, contendo:

“[...] uma diversificação dos produtos rigorosamente controlada que garanta uma razoável escolha por parte dos fregueses e ao mesmo tempo a venda em massa de produtos padronizados, bastante espaço que permita a venda em grandes quantidades combinada com diversificação de mercadorias” (PEREIRA, 2009: 136-137).

Conforme Santos (1979a), analisando o Brasil dos anos 1970, este tipo de loja representava um “fenômeno em expansão nos países subdesenvolvidos” (SANTOS, 1979a: 68). Percebemos, ainda, a atualidade deste fenômeno, como, por exemplo, a instalação de uma filial do Ponto dos Botões na Zona Norte, uma região em franco crescimento na cidade, no interior de um importante supermercado natalense, o Nordestão. Para Santos (1979a):

Sua existência está ligada à possibilidade de uma demanda mais numerosa e mais diversificada, assim como às possibilidades de pagamento em dinheiro líquido ou segundo as formas burocráticas de crédito, tais como os cartões de crédito instituídos pelos bancos ou sistemas de crédito particulares a certas firmas comerciais (SANTOS, 1979a: 68).

Pela própria característica de atividade vinculada ao varejo moderno, a população consumidora dessa loja é composta, essencialmente, pelas camadas ricas e médias. Porém, pela não-rigidez, percebemos a presença das camadas pobres – a exemplo destas agremiações carnavalescas – no circuito superior, por se tratar “de um consumo parcial ou ocasional das categorias sociais ligadas ao outro circuito” (SANTOS, 1979a: 33). Daí a reclamação e lamentos dos presidentes, considerando os artigos com alto valor.

Ainda assim, pela necessária aproximação espaço-temporal com certas mercadorias, as tribos de índios encontram-se prisioneiras deste mercado local, sobretudo pela frequência na compra de determinados itens (tubo de cola, por exemplo) e pela indisponibilidade de verbas para deslocar-se a outros centros urbanos, a exemplo de Recife, capital de Pernambuco, que dispõe de produtos mais baratos. Conforme Santos (1979a), para alguns tipos de consumo, “todo indivíduo, qualquer que seja sua condição ou seu nível de renda, é prisioneiro da

cidade. É o caso dos bens e serviços que por sua natureza ou devido à frequência da demanda, exigem uma proximidade no espaço e no tempo” (SANTOS, 1979a: 264).

Para o deslocamento à cidade de Recife – fato já ocorrido entre as agremiações em anos anteriores – necessita-se de dinheiro em espécie para o pagamento do transporte e para as compras. Diante da ausência de capital pela demora da subvenção do Poder Público, são imprescindíveis os empréstimos a usurários, com alta taxa de juros, tornando-se, assim, inviável a viagem para a capital pernambucana em busca de matéria-prima barata, fato que aprisiona as agremiações ao comércio local. É neste sentido que Santos (1985) sinaliza a não- homogeneidade do consumo, pois a capacidade de aquisição de produtos é representada pela “disponibilidade financeira (recursos efetivos ou créditos), mas também pela acessibilidade do bem ou do serviço demandado. Essa acessibilidade tanto pode ser física, quanto pode estar ligada às disponibilidades de tempo” (SANTOS, 1985: 63-64).

As tribos, por não oferecerem garantias para estabelecer contratos de empréstimo financeiro, ficam impossibilitadas de procurar as linhas de crédito bancário por meio das grandes instituições financeiras. E, na ausência desta modalidade de aquisição de dinheiro, somado à fragilidade financeira das agremiações, elas valem-se de agiotas, que concedem