• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS PELO

4.3 O Supremo Tribunal Federal e os tratados

4.3.2 Conflito entre o tratado e a Constituição

Muito bem, por fim será analisado no presente tópico o eventual conflito entre tratado e constituição. Foi dito anteriormente que a constituição, diante de sua supremacia frente às demais normas que compõem o ordenamento jurídico de um Estado, deve ser utilizada como paradigma para o exercício do controle de constitucionalidade de tais normas.

Há constituições, como a da Suíça, que não fazem referência explícita à integração dos tratados ao direito interno. Outras há que igualam hierarquicamente os tratados às normas infraconstitucionais (Estados Unidos da América, Áustria, Portugal); há também aquelas que conferem aos tratados posição hierárquica superior à das normas infraconstitucionais (Alemanha, Espanha e França137); e ainda as que admitem para os tratados posição hierárquica equivalente à das normas constitucionais138, como a da Holanda.139

Em qual dessas categorias estaria inserida a Constituição Federal de 1988? Embora a doutrina e jurisprudência majoritárias, ao longo de décadas, tenham se consolidado no sentido de que os tratados seriam equivalentes às leis ordinárias, é induvidosa a clara tendência de se modificar esse entendimento.

_____________

137 Constituição da França, art. 55: “Os tratados ou acordos regularmente ratificados ou aprovados

têm, a partir de sua publicação, uma autoridade superior à das leis, desde que respeitadas pela outra parte signatária”.

138 Constituição da Holanda, art. 94: “As disposições legais em vigor no Reino deixarão de se aplicar

quando colidirem com disposições de tratados obrigatórias para todas as pessoas ou com decisões de organizações internacionais”.

Tal tendência, como outrora afirmado, aumenta na mesma proporção em que a nova ordem internacional se expande e se consolida. Com efeito, a primazia do Direito Internacional sobre a ordem interna não depende de aceitação por parte dos Estados, eis que se trata de força imposta de fora para dentro, consistindo, pois, numa realidade irrefutável.

A própria Constituição Federal de 1988, como visto no capítulo inicial deste trabalho, dá mostras claras de que o País caminha a passos largos com o objetivo de integrar-se à sociedade internacional. Para tanto, os governos brasileiros têm alterado substancial e rotineiramente o texto constitucional.

Nesse aspecto, dúvidas não há de que a alteração de maior relevância no que tange ao direito internacional foi a inclusão do § 3º ao art. 5º da Constituição Federal de 1988, promovida por meio da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, que dispõe que “[...] os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

A despeito do dispositivo constitucional introduzido pela referida reforma (art. 5º, § 3º), parte da doutrina nacional, capitaneada pela professora Flávia Piovesan, comunga com a idéia de que mesmo antes da inserção do § 3º, a Constituição Federal, através do § 2º do mesmo artigo 5º, reconhecia que o rol de direitos e garantias do mencionado artigo não excluía outros decorrentes “[...] dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Assim, para a conceituada professora, quaisquer direitos ou garantias fundamentais oriundos de um tratado incorporado pelo direito brasileiro passariam a ser equivalentes às normas constitucionais, sendo superiores, portanto, à legislação infraconstitucional.

Certo é que não obstante os sóbrios argumentos de Flávia Piovesan, a jurisprudência brasileira nunca reconheceu a equivalência entre os tratados e as normas constitucionais, a não ser em posições isoladas. Nesse aspecto, importante transcrever o pensamento de Velloso:

Se é certo que, na visualização dos direitos e garantias, é preciso distinguir, mediante o estudo da teoria geral dos direitos fundamentais, os direitos fundamentais materiais dos direitos fundamentais puramente formais [...] não é menos certo, entretanto, que, diante de direito fundamental material, que diz respeito à liberdade, inscrito em tratado firmado pelo Brasil, como, por exemplo, o que está expresso na Convenção de São José da Costa Rica, art. 7º, item 7, que limitou a prisão por dívida à hipótese de inadimplemento de obrigação alimentícia, força é reconhecer que se tem, em tal caso, direito fundamental com status constitucional. É dizer, o art. 7º, item 7, do citado Pacto de São José da Costa Rica, é direito fundamental em pé de igualdade com os direitos fundamentais expressos na Constituição (Constituição, art. 5º, § 2º).140

Comentando o § 2º do art. 5º da Constituição Federal de 1988, Xavier também reconhece a supremacia do tratado que verse sobre direitos e garantias fundamentais às leis, mesmo antes no novo dispositivo incorporado pela Emenda Constitucional nº 45/2004 (§ 3º, art. 5º). Mais, reconhece também que dentro do tema “direitos e garantias” estaria incluída também a matéria tributária. Verbis:

Mas o § 2º do art. 5º tem ainda um alcance mais amplo em matéria de direitos e garantias, pois ao estabelecer-se que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, revela claramente que as normas constantes dos tratados internacionais prevalecem sobre as normas internas nas matérias em causa. Na verdade, se o Estado brasileiro assegura a nível constitucional, a vigência de direitos e garantias decorrentes dos tratados internacionais, isso significa que ele próprio tem o dever de conformar a sua ordem interna com o direito convencional, não podendo, assim, emitir leis infraconstitucionais contrárias às normas daquele.141

Importante rememorar que as primeiras constituições surgiram a partir de reivindicações de alguns importantes direitos por parte dos povos da época. Nesse contexto, o mais importante anseio daqueles povos consistia na limitação do poder estatal, que se efetivou por meio da criação dos chamados direitos fundamentais de primeira geração.

Portanto, desde a criação das primeiras constituições, os chamados direitos fundamentais constituem a parte mais importante de seus textos. Mesmo quando não haja um texto escrito da constituição, como ocorre na Inglaterra, as normas esparsas que versem sobre direitos fundamentais são consideradas materialmente constitucionais.

_____________

140 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Os tratados na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 41, n. 162, 2004.

141 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

Ora, se o principal conteúdo de uma constituição é exatamente o conjunto de normas definidoras dos direitos fundamentais e, se, por outro lado, a Constituição Federal de 1988 apresenta um rol apenas exemplificativo desses direitos no art. 5º, ao mesmo tempo em que, no § 2º do referido artigo traz a possibilidade de reconhecimento de novos direitos fundamentais por meio de tratados, não haveria sequer a necessidade da nova redação incorporada pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

Nada obstante, com a entrada em vigor da aludida emenda, três são as situações jurídicas possíveis no que tange à incorporação de tratados ao direito interno:

A primeira questão a ser dirimida diz respeito aos tratados já incorporados ao ordenamento jurídico interno por ocasião da entrada em vigor da reforma constitucional em comento.

A doutrina constitucionalista, ao analisar possíveis choques envolvendo uma constituição nova e a legislação preexistente, afirma não ser o caso de reconhecer a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma. Com efeito, para que uma norma seja declarada inconstitucional, deve ter sido editada em data posterior à de entrada em vigor da constituição paradigma. Quanto às normas então existentes, eventuais conflitos serão resolvidos apenas pelo exame de sua recepção frente aos princípios e regras do novo estatuto político. Se a norma anterior se mostrar incompatível com a nova constituição, conclui-se por sua “revogação” ante a não- recepção; se, por outro lado, constatada sua compatibilidade material com a constituição, será recepcionada, não importando para tal recepção os aspectos formais da norma preexistente.

Com base nisso, os tratados sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil antes de entrar em vigor a Emenda Constitucional nº 45/2004 têm plena vigência e eficácia, não necessitando, outrossim, de outra aprovação a fim de cumprir as novas exigências formais implementadas pela aludida reforma constitucional. Disso não há dúvida.

Assim, independentemente de nova aprovação Congressual, os tratados sobre direitos humanos ratificados anteriormente à CF/88 serão equivalentes às

emendas constitucionais, bastando para isso que sejam materialmente compatíveis com a Lei Maior.

Não obstante a discussão teórica acerca da hierarquia da norma proveniente de tratado no direito brasileiro, passa-se agora ao exame sobre como resolver eventual conflito entre uma norma internacional e os princípios e regras da Constituição de 1988, ou seja, pretende-se a seguir examinar a possibilidade de exercer o controle de constitucionalidade relativamente às normas internacionais, e ainda sobre como fazê-lo.

Barroso afirma que no direito comparado europeu, à exceção de Portugal, que adota um regime híbrido, e da Holanda, onde a aprovação do tratado por três quartos dos Estados Gerais modifica a Constituição, a regra é que tratados incompatíveis com a Constituição não possam ser aprovados sem prévia reforma constitucional.142

No Brasil não é diferente. Existem inúmeras decisões judiciais a confirmar a prevalência da Constituição Federal sobre os tratados incorporados ao direito brasileiro. Assim, mesmo os tratados sobre direitos humanos que respeitassem as exigências formais do art. 5º, § 3º, da Carta de 1988, e, por conseqüência, fossem considerados equivalentes às normas constitucionais, certamente poderiam ser objeto de controle de constitucionalidade, eis que fruto do poder constituinte derivado, que guarda seus limites no poder constituinte originário, este sim, ilimitado, segundo a doutrina constitucional.

Portanto, a voz da doutrina é praticamente uníssona no que tange a preservar o princípio da supremacia da constituição, mesmo no caso de choque entre normas de fontes distintas, como no caso ora examinado.

A propósito, leciona Rezek que:

A constituição nacional, vértice do ordenamento jurídico, é a sede de determinação da estatura da norma jurídica convencional. Dificilmente uma dessas leis fundamentais desprezaria, neste momento histórico, o ideal de segurança e estabilidade da ordem jurídica a ponto de subpor-se, a si mesmo, ao produto normativo dos compromissos exteriores do Estado. Assim, posto o primado da Constituição em confronto com a norma pacta _____________

142 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva,

sunt servanda, é corrente que se preserve a autoridade da lei fundamental

do Estado, ainda que isto signifique a prática de um ilícito pelo qual, no plano externo, deve aquele responder.143

Igualmente, já há várias décadas afirmava Maximiliano que “[...] a Constituição é a lei suprema do país; contra a sua letra, ou espírito, não prevalecem resoluções dos poderes federais, constituições, decretos ou sentenças federais, nem tratados, ou quaisquer outros atos diplomáticos”.144

Moraes, também defendendo a sujeição das normas internacionais à constituição, se fundamenta da seguinte forma:

Assim, os compromissos assumidos pelo Brasil em virtude de atos, tratados, pactos ou acordos internacionais de que seja parte, devidamente ratificados pelo Congresso Nacional e promulgados e publicados pelo Presidente da República, apesar de ingressarem no ordenamento jurídico constitucional (CF, art. 5º, § 2º), não minimizam o conceito de soberania do Estado-povo na elaboração de sua constituição, devendo, pois, sempre ser interpretados com as limitações impostas constitucionalmente.145

Isso porque é a Constituição que determina quando e mediante quais condições pode o órgão representativo da organização política obrigá-la pelos compromissos assumidos.146

Por isso, afirma Fraga:

Mesmo que não preveja a sua substituição integral por novo documento jurídico-político, a Constituição moderna admite a sua própria reforma, nos casos e condições, em seu texto, estabelecidos. Se entre eles figura a superveniência do compromisso assumido perante outro Estado, terá, ela, então, consagrado a primazia indiscutível do Direito Internacional. Se, todavia, nenhuma referência faz a essa possibilidade, dever-se-á preferir a disposição constitucional à do tratado.147

Além das posições doutrinárias antes aduzidas, cabe ressaltar que os tribunais caminham também no mesmo sentido, ou seja, optam por declarar a prevalência do estatuto político quando houver incompatibilidade entre este e o tratado.

_____________

143 REZEK, 2005, p. 103-104.

144 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense,

1981. p. 314.

145 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 673. 146 FRAGA, 1998, p. 115.

Contudo, embora a doutrina e a jurisprudência nacionais ainda defendam a supremacia da norma constitucional frente aos tratados, dúvidas não há de que existe clara tendência de inversão dessa perspectiva.

A força irresistível imposta por grupos transnacionais e blocos econômicos evidencia de forma clara o enfraquecimento dos sistemas jurídicos internos, que passarão, mais cedo ou mais tarde, apenas a compor, como partes, um sistema jurídico universal, materializando o que foi chamado no início deste trabalho de nova

ordem jurídica internacional.

No entanto, para atingir esse estágio de desenvolvimento, o Direito Internacional imporá a reforma da quase totalidade das atuais constituições dos Estados-nações ou mesmo a criação de novas leis fundamentais, mais adaptadas à nova realidade mundial.

Assim, enquanto não houver no Brasil reforma constitucional no sentido de dar novo tratamento aos tratados, ou mesmo a criação por intermédio do poder constituinte originário de uma nova constituição mais consentânea com a realidade antes desenhada, forçoso concluir que não há como sobrepor-se os tratados ao texto constitucional.

Diante de tais considerações, resta ainda saber quais as soluções cabíveis em caso de choque entre uma norma constitucional e outra proveniente de um tratado.

No capítulo anterior afirmou-se que controlar a constitucionalidade significa verificar a compatibilidade entre uma norma infraconstitucional e outra, chamada

paradigma, implícita ou expressa no texto constitucional. Obviamente que em

decorrência do princípio da supremacia da constituição, conforme também já abordado, em caso de eventual incompatibilidade normativa, haverá de prevalecer a regra parâmetro, ou seja, a norma constitucional.

Portanto, as normas oriundas de tratados também podem comportar exame de sua constitucionalidade. Aliás, a própria Constituição de 1988 assim dispõe, ao estabelecer no art. 102, III, “b”, o seguinte:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal: [...]

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

[...]

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.

A Constituição Federal de 1988, apesar das inúmeras falhas no tratamento da matéria (Direito Internacional), não deixa margem a dúvidas no que pertine à sua superioridade normativa frente aos tratados.

Como o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade de normas permite a declaração de inconstitucionalidade tanto pela via concreta quanto pela abstrata, depreende-se que qualquer juiz ou tribunal do país pode verificar incidentalmente a compatibilidade entre um tratado e a Constituição Federal de 1988, assim como o Supremo Tribunal Federal, que além do controle concreto, poderá exercitar também o controle abstrato (concentrado) de constitucionalidade de normas oriundas de tratados. Essa é a única leitura possível interpretando-se a matéria à luz dos princípios e regras inseridos na Lei Maior.

Por fim, necessário ressaltar que o controle de constitucionalidade exercido sobre tratados, igualmente ao que ocorre com outras normas infraconstitucionais, tem por objeto examinar a compatibilidade formal (adequação do procedimento de internalização do tratado previsto na Lei Maior) e/ou material, consistente em verificar se o conteúdo da norma internacional está ou não compatível com os princípios e regras da Constituição de 1988. Revelando-se a norma internacional formal ou materialmente incompatível com a Constituição Federal, deverá o Poder Judiciário declará-la inconstitucional ou simplesmente afastar seus efeitos no caso concreto, a depender do tipo de controle exercido, conforme anteriormente examinado.

CONCLUSÃO

O processo de globalização revela a existência de interdependência entre os Estados, acarretando como conseqüência a relativização das soberanias ou, noutro prisma, a própria abdicação por parte das nações de parcelas de seu poder, a fim de melhor de adequarem ao novo ciclo evolutivo que se destaca principalmente pela ausência de fronteiras entre as nações.

Registrou-se que, devido especialmente ao processo de globalização, está emergindo uma nova ordem jurídica internacional. Tal ordem jurídica, embora ainda não positivada, impõe coercitivamente sua presença e força, oriundas sobretudo do poder econômico das empresas transnacionais. De modo a explicitar o surgimento dessa nova ordem internacional, foi abordada no trabalho, ainda que de forma sintética, a figura jurídica denominada lex mercatoria, que se traduz no conjunto de princípios baseados nos usos e costumes que têm por finalidade regular o comércio internacional.

Essa nova ordem jurídica mundial, embora muitas vezes invisível e outras de difícil percepção, revela a presença de um novo paradigma jurídico, consubstanciado no aparecimento de um novo direito, não necessariamente escrito, mas, ainda assim, hierarquicamente superior ao direito doméstico, acarretando, por isso, importantes alterações na ordem interna dos Estados, independentemente da vontade de seu povo e de seus governantes.

Ao longo da pesquisa destacou-se que o Estado brasileiro, desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, incorporou inúmeras mudanças no texto constitucional, todas elas – ou quase – visando sua adequação aos interesses internacionais. Em conseqüência, evidenciou-se que o espírito nacionalista do legislador constituinte de 1988 não resistiu à força imposta pelo poder econômico internacional. Embora as reformas na Lei Maior tenham ocorrido em todos os governos brasileiros a partir de 1988, importante salientar que as mudanças mais significativas visando a abertura do País às empresas internacionais ocorreram durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, conforme registrado ainda no primeiro capítulo da presente dissertação.

Sobre o tema trabalhado, inicialmente duas hipóteses foram apresentadas, por meio de interrogações: a) a nova ordem jurídica internacional impõe a prevalência do direito alienígena sobre o ordenamento jurídico interno dos Estados?; e b) é possível, no Brasil, com base no princípio da supremacia da constituição, exercer o controle de constitucionalidade sobre normas internacionais?

A primeira hipótese evidencia o surgimento daquilo que foi denominado neste trabalho como nova ordem jurídica internacional. Fosse tal hipótese inteiramente verdadeira, os ordenamentos jurídicos internos se sujeitariam hierarquicamente a um conjunto de regras e princípios oriundos do direito internacional. Apesar do surgimento desse novo paradigma ser uma premissa verídica, com base neste estudo chegou-se à conclusão que tal hipótese é apenas parcialmente verdadeira, pois embora sejam inegáveis o aparecimento e fortalecimento dessa nova ordem, não se constata ainda a consolidação de um sistema jurídico universal com o poder de vincular peremptoriamente os “subsistemas” dos Estados.

Com efeito, foi dito que a força irresistível imposta por blocos econômicos e grupos transnacionais evidencia, de forma clara, o enfraquecimento dos sistemas jurídicos internos das nações, enquanto frutos do poder soberano, ao mesmo tempo em que abre espaço para a consolidação de uma nova ordem, em que os Estados e seus respectivos ordenamentos jurídicos apenas comporão, como partes, um ordenamento jurídico mundial.

Entretanto, conforme já salientado, para atingir esse estágio de desenvolvimento, o direito internacional imporá a reforma da quase totalidade das atuais constituições ou mesmo a criação de outras cartas políticas, mais adaptadas à nova realidade jurídica mundial, como, aliás, já vem ocorrendo.

Por isso, não se pode – ainda – considerar verdadeira a primeira hipótese aventada, pois enquanto não houver no Brasil reforma constitucional no sentido de dar novo tratamento aos tratados ou mesmo a criação por intermédio do poder constituinte originário de uma nova constituição mais consentânea com o atual estágio de evolução do Direito Internacional, não há como sustentar uma superposição dos tratados ao texto constitucional.

Por outro lado, a segunda hipótese, que versa sobre a prevalência da Lei Maior sobre as normas oriundas de tratados, afigura-se como a que melhor se coaduna com o direito atual. Isso porque a Carta de 1988 prescreve expressamente que tanto as normas infraconstitucionais internas como aquelas emanadas de tratados podem ter sua compatibilidade vertical apreciada pelo Poder Judiciário, sempre, obviamente, utilizando-se como norma parâmetro a própria Constituição.

Tudo isso permite concluir que, com base nos princípios e regras atualmente existentes e reconhecidos no âmbito do Direito Internacional e também naqueles inseridos no texto da Constituição Federal de 1988, é possível a aferição da constitucionalidade não só das normas infraconstitucionais internas como também dos tratados, desde que, no caso dos tratados, tenham eles sido formalmente incorporados ao ordenamento jurídico interno. Não se pode negar, todavia, que há clara tendência de mudança dessa perspectiva, tendo em vista que, conforme diversas vezes afirmado, é mera questão de tempo a consolidação da supremacia