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CAPÍTULO 4 – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS PELO

4.3 O Supremo Tribunal Federal e os tratados

4.3.1 O conflito entre o tratado e a lei

4.3.1.1 O artigo 98 do Código Tributário Nacional

Foi visto que, em regra, o Poder Judiciário considera os tratados equivalentes às normas infraconstitucionais, isto é, existe paridade entre a norma internacional e a doméstica, estando ambas posicionadas hierarquicamente abaixo da Lei Maior.

Não obstante esse entendimento, o art. 98 da Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional) dispõe de forma distinta, no que tange aos tratados que versem sobre matéria tributária. O referido dispositivo assim estabelece: “Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevenha.”

Portanto, a simples leitura do dispositivo legal acima transcrito revela não uma paridade, mas verdadeira supremacia da norma internacional sobre a norma interna, em caso de conflito. Essa primazia, contudo, não é pacífica nos tribunais brasileiros.

Algumas decisões reconhecem status diferenciado ao tratado sobre matéria tributária123, enquanto que várias outras sustentam a tese de paridade entre os tratados e as demais leis124, pouco importando a matéria neles versada.

_____________

123 “Ementa: [....] I. O art. 98/CTN não admite a revogação de tratado pela legislação tributária

antecedente ou superveniente. [....]” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 209526/RS. Relator: Min. Francisco Peçanha Martins. 2ª Turma. Decisão: 18/04/00. DJ, 26 jun. 2000. p. 145). “Ementa: [....] II. Os decretos-leis, por sua hierarquia inferior, não têm o condão de alterar ou restringir os tratados e as convenções internacionais firmados pelo Brasil (art. 98 do CTN). [....]” (BRASIL. Tribunal Regional Federal (1. Região). REO 90.01.15609-6/BA. Relator: Des. Federal Nelson Gomes da Silva. 4ª Turma. Decisão: 05/06/91. DJ, 17 jun. 1991. p. 13.937).

“Ementa: [....] I. As disposições contidas nos tratados internacionais prevalecem sobre a legislação tributária interna, inclusive posterior à celebração daqueles, nos termos do art. 98 do Código Tributário Nacional. [....]” (BRASIL. Tribunal Regional Federal (3. Região). REO 92.03.063456-8/SP. Relator: Des. Federal Salette Nascimento. 6ª Turma. Decisão: 09/10/02. DJ, 02 dez. 2002. p. 368).

124 “Ementa: [....] O art. 98 do CTN não consagra a supremacia dos tratados e convenções

internacionais sobre a legislação interna. Pela regra de interpretação da lei consoante a Constituição Federal, a parte final do art. 98 do CTN não se aplica aos tratados de natureza normativa, como o Gatt. [....]” (BRASIL. Tribunal Regional Federal (2. Região). AMS 1999.02.01.046760-1/RJ. Relator: Des. Federal Poul Erik Dyrlund. 6ª Turma. Decisão: 03/04/02. DJ, 17 abr. 2002. p. 411).

“Ementa: [....] I. O art. 98 do CTN-66, segundo precedentes do STF, refere-se aos acordos firmados pelo Brasil acerca de assuntos específicos e só é aplicável aos tratados de natureza contratual. O reconhecimento da isenção, prevista no art. 5, inciso V, letra c, do Decreto-Lei 2.404/87 depende da constatação de que as mercadorias estão incluídas em ato internacional que estabeleça, de forma expressa, a desobrigação de contribuições para a intervenção no domínio. [....]” (BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). AMS 96.04.13655- 0/RS. Relator: Des. Federal Vladimir Freitas. 1ª Turma. Decisão: 14/05/96. DJ, 05 jun. 1996. p. 38.378).

Baleeiro destaca que independe o fato de ser a legislação tributária anterior ou posterior ao tratado, devendo este, em caso de conflito, prevalecer, devido à hierarquia existente entre ambos.125

Nesse aspecto, Amaro ressalta que o critério definidor da primazia da norma internacional tributária sobre a norma doméstica é o princípio da especialidade.

Verbis:

O conflito entre a lei interna e o tratado resolve-se, pois, a favor da norma especial (do tratado), que excepciona a norma geral (da lei interna), tornando-se indiferente que a norma interna seja anterior ou posterior ao tratado. Este prepondera em ambos os casos, porque traduz preceito especial, harmonizável com a norma geral.126

Também em igual sentido posiciona-se Xavier, ao esclarecer que:

A conclusão de que os tratados têm supremacia sobre a lei interna e se encontram numa relação de especialidade em relação a esta é confirmada, em matéria tributária, pelo art. 98 do Código Tributário Nacional [...] Cumpre notar que a supremacia hierárquica dos tratados sobre as leis internas tem como efeito exclusivo proibir a sua revogação por leis internas subseqüentes, não sendo porém o fundamento da sua ‘aplicação prevalecente’ (Anwendungsvorrang). É que, ainda que tratado e lei ordinária tivessem paridade de valor hierárquico, a aplicação prevalecente do primeiro resulta diretamente de uma relação de especialidade.127

O critério da especialidade (lex specialis derrogat legi generali) também tem sido o preferido pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se infere de parte da ementa que se repete em vários julgados daquela Corte.128

Borges, afastando-se da justificativa que se fundamenta no critério da especialidade, afirma que a superioridade dos tratados sobre as leis internas decorre verdadeiramente do status de lei complementar conferido ao Código Tributário Nacional:

Em matéria tributária, contudo, os tratados internacionais sobrepõem-se às leis internas, por expressa determinação do artigo 98 do Código Tributário Nacional [...] Ora, o Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172, de 25 de _____________

125 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. Rio de janeiro: Forense. p. 639. 126 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 172.

127 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

p. 123-124.

128 “O mandamento contido no artigo 98 do CTN não atribui ascendência às normas de direito

internacional em detrimento do direito positivo interno, mas, ao revés, posiciona-as em nível idêntico, conferindo-lhes efeitos semelhantes. O art. 98 do CTN, ao preceituar que tratado ou convenção não são revogados por lei tributária interna, refere-se aos acordos firmados pelo Brasil a propósito de assuntos específicos.” (REsp 27.728, 45.759 e 47.244, entre outros).

outubro de 1966 – , pelo princípio da recepção, foi recepcionado pela nova ordem constitucional, e, por regular matéria reservada à lei complementar, incorporou-se ao ordenamento jurídico com a eficácia de lei complementar [...].129

Destaque-se, por outro lado, que a prevalência dos tratados sobre as normas tributárias internas encontra barreira constitucional quando o assunto é a isenção de tributos estaduais e municipais, conforme preceitua o art. 151, III, da CF/88.130

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp nº 90.871- PE131, reconheceu que o art. 98 do CTN deve ser interpretado em consonância com o dispositivo constitucional antes referido (art. 151, III, da CF/88).

No que tange propriamente ao texto do art. 98 do CTN, várias críticas são formuladas pela doutrina especializada sobre a utilização tecnicamente equivocada do verbo “revogar”.

Sobre o tema, Xavier esclarece que é manifestamente incorreta a redação do citado dispositivo legal, porquanto não se trata de revogação, mas “de limitação da eficácia da lei que se torna relativamente inaplicável a certo círculo de pessoas e situações, limitação esta que caracteriza precisamente o instituto da derrogação e decorre da relação de especialidade entre tratados e leis”.132

Também criticando a redação do art. 98 do Código Tributário Nacional, Machado afirma o seguinte:

Há evidentemente impropriedade terminológica na disposição legal. Na verdade um tratado internacional não revoga nem modifica a legislação interna. A lei revogada não volta a ter vigência pela revogação da lei que a revogou. Denunciado um tratado, todavia, a lei interna com ele incompatível _____________

129 BORGES, Antônio de Moura. O fornecimento de informações a administrações tributárias

estrangeiras com base na cláusula da troca de informações, prevista em tratados internacionais sobre matéria tributária. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1611> Acesso em: 08 maio 2008.

130 Art. 151. É vedado à União:

[...]

III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

131 “TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO. ICMS. TRATADO INTERNACIONAL. 1. O sistema tributário instituído

pela CF/88 vedou à União Federal de conceder isenção a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal e Municípios (art. 151, III). 2. Em conseqüência, não pode a União firmar tratados internacionais isentando o ICMS de determinados fatos geradores, se inexiste lei estadual em tal sentido. 3. A amplitude da competência outorgada à União para celebrar tratados sofre os limites impostos pela própria Carta Magna. 4. O art. 98, do CTN, há de ser interpretado com base no panorama jurídico imposto pelo novo Sistema Tributário Nacional. 5. Recurso especial improvido."

132 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense. p.

estará restabelecida, em pleno vigor. Tem-se que procurar, assim, o significado da regra legal em foco. O que ela pretende dizer é que os tratados e convenções internacionais prevalecem sobre a legislação interna, seja anterior ou mesmo posterior.133

É clara a impropriedade da redação legal do dispositivo. Tecnicamente não pode uma norma de fonte distinta (externa) revogar uma norma doméstica ou vice- versa. Em outras palavras, somente quem tem competência para criar um instituto pode posteriormente revogá-lo.

Em diversas oportunidades o art. 98 do CTN teve sua constitucionalidade contestada nos tribunais, no entanto, o Supremo Tribunal Federal não apenas reconheceu a recepção do mencionado dispositivo como declarou expressamente sua aplicabilidade e eficácia.134

Ainda assim, autores há, como Carrazza135 e Alfredo Borges136, que afirmam ser o art. 98 do CTN inconstitucional, justificando o argumento no fato de não haver supremacia entre as normas internas que ratificam os tratados e as demais normas infraconstitucionais, razão pela qual poderia, segundo esses autores, um tratado ser modificado por lei interna posterior.

Não obstante os debates sobre a impropriedade da redação legal do art. 98 do CTN ou de eventual inconstitucionalidade do referido dispositivo, certo é que os tratados deverão prevalecer sobre as normas tributárias internas, não apenas pelo que consta do aludido artigo, mas especialmente devido à primazia das normas de direito internacional sobre as domésticas, consoante argumentação já expendida no tópico anterior.

Em síntese, embora a doutrina e a jurisprudência brasileiras dispensem tratamento distinto às normas internacionais a depender da matéria nelas versada, certo é que em decorrência do princípio pacta sunt servanda e da nova perspectiva do Direito Internacional, os tratados devem sempre prevalecer sobre a legislação

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133 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 90. 134 RE 90.824 – SP.

135 CARRAZZA, Roque Antonio. Mercosul e tributos estaduais, municipais e distritais. Revista de

Direito Tributário, n. 64, 1993. p. 183.

136 BORGES, José Alfredo. Tratado internacional em matéria tributária. Revista de Direito

interna, à exceção, claro, das regras e princípios constitucionais, conforme adiante se demonstrará.

Desse modo, o tratado, notadamente aquele que versa sobre matéria tributária, deverá prevalecer sobre as normas infraconstitucionais independentemente de serem elas anteriores ou posteriores à norma de Direito Internacional.