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CAPÍTULO 2 – OS TRATADOS E SUA RECEPÇÃO PELO DIREITO

2.3 Teoria monista

Em oposição à tese de independência do Direito Internacional em relação à ordem interna, e vice-versa, surge a corrente monista afirmando que na verdade não são os ordenamentos jurídicos interno e internacional distintos e independentes entre si. Ao contrário, cada um deles se integra ao outro, de modo a formar um único ordenamento jurídico universal.

Como a ordem jurídica é una, “[...] os compromissos exteriores assumidos pelo Estado, desta forma, passam a ter aplicação imediata no ordenamento interno _____________

do País pactuante, o que reflete a sistemática da ‘incorporação automática’, adotada, dentre outros, pela Bélgica, França e Holanda43”.

A teoria monista é a preferida pela maioria da doutrina brasileira. Autores como Haroldo Valladão, Hildebrando Accioly, Celso D. de Albuquerque Mello, Vicente Marotta Rangel e Mirtô Fraga defendem a unidade dos ordenamentos jurídicos interno e externo.

Accioly, a propósito, afirma de forma clara e objetiva que “[...] em princípio, o direito é um só, quer se apresente nas relações de um Estado, quer nas relações internacionais”.44

Como visto, a principal crítica ao dualismo refere-se ao fato de que tal corrente não acompanhou a evolução do Direito Internacional no último século. O monismo, ao contrário, orientou-se no sentido de reconhecer a existência de uma nova ordem jurídica mundial, com a unicidade do direito, não obstante a existência de vários sistemas jurídicos.

Importante, nesse aspecto, transcrever a atualizada lição de Ariosi:

Nesta Ordem Internacional, malgrado a macroestrutura bipolar, as relações internacionais passam a ser empreendidas num contexto mais integrado, no qual a responsabilidade internacional aumenta e o tratado internacional passa a se consolidar como um elemento preponderante para a tendência

globalizante das relações internacionais.45

Embora a divisão estrutural das duas doutrinas diga respeito à unicidade ou não dos ordenamentos jurídicos, resta ainda examinar, quanto à teoria monista, que tal unidade pode se dar de duas formas: ou dando primado à ordem jurídica internacional (monismo internacionalista); ou, de outro lado, primando pela ordem jurídica interna de cada Estado (monismo nacionalista)46.

O monismo internacionalista, no qual prepondera a ordem internacional sobre o direito interno, tem sua origem doutrinária vinculada à Escola de Viena, cujo maior _____________

43 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2001.

p. 125.

44 ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 11. ed. Revista por Geraldo

Eulálio do Nascimento e Silva. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 5.

45 ARIOSI, Mariângela. Conflitos entre tratados internacionais e leis internas. Rio de Janeiro:

Renovar, 2000. p. 78.

expoente foi Hans Kelsen. Sobre a matéria, importante a lição de Rezek47, ao

afirmar que “os monistas kelsenianos voltam-se para a perspectiva ideal de que se instaure um dia a ordem única, e denunciam, desde logo, à luz da realidade, o erro da idéia de que o Estado soberano tenha podido outrora, ou possa hoje, sobreviver numa situação de hostilidade ou indiferença frente ao conjunto de princípios e normas que compõem o direito das gentes”.

Essa vertente da teoria monista, ao mesmo tempo em que declara que há apenas um sistema jurídico, com normas de direito interno e internacional, dispõe também que em caso de aparente conflito, estas deverão prevalecer sobre aquelas.

Explicitando de forma didática a primazia do Direito Internacional sobre a ordem interna, Fraga afirma o seguinte:

Para os que defendem o monismo com primazia do Direito Internacional, não há duas ordens jurídicas coordenadas, mas duas ordens jurídicas, uma das quais, o Direito Internacional, é superior e a outra, direito interno, é subordinada. A ordem jurídica interna deriva da ordem jurídica internacional que tem supremacia.48

Contrapondo-se ao monismo internacionalista, há autores que defendem a prevalência do direito interno, justificando esse entendimento especialmente no conceito tradicional de soberania, já anteriormente abordado neste trabalho.

A primazia do direito interno sobre o internacional, defendida sobretudo por alguns autores constitucionalistas, revela entendimento que não se coaduna com o direito contemporâneo, já que a tendência atual é o fortalecimento cada vez maior do direito internacional em razão, principalmente, do processo globalizatório.

Sobre o tema, Rezek explica com clareza que:

[...] os monistas da linha nacionalista dão relevo especial à soberania de cada Estado e à descentralização da sociedade internacional. Propendem, dessarte, ao culto da Constituição, estimando que no seu texto, ao qual nenhum outro pode sobrepor-se na hora presente, há de encontrar-se notícia do exato grau de prestígio a ser atribuído às normas internacionais escritas e costumeiras. Se é certo que pouquíssimos autores, fora do contexto soviético, comprometeram-se doutrinariamente com o monismo nacionalista, não menos certo é que essa idéia norteia as convicções judiciárias em inúmeros países do ocidente – incluídos o Brasil e os Estados

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47 REZEK, Francisco. Direito internacional público. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 5. 48 FRAGA, 1998, p. 8.

Unidos da América –, quando os tribunais enfrentam o problema do conflito entre normas de direito internacional e de direito interno.49

Dallari, analisando cada uma das vertentes que formam a teoria monista, para em seguida reconhecer a vocação do Estado brasileiro para tal escola, defende a necessidade de criação de normas que possibilitem a coordenação entre os ordenamentos jurídicos interno e externo, a fim de estabelecer regras de prevalência para ser aplicadas em eventuais conflitos. São essas as palavras do conceituado professor:

Parece ser mais adequada, portanto, para se lograr escorar o propósito do presente estudo de formulação de um sistema articulado e coerente de recepção dos tratados no direito brasileiro, a opção por um monismo de

compatibilização. Este deve implicar a integração das normas de Direito

Internacional Público com o direito interno do Estado, mas, também, acarretar a substituição do enfoque baseado em torno da primazia de uma ou de outra ordem por uma perspectiva de articulação entre ambas, superando-se, assim, a polarização entre monismo internacionalista e monismo nacionalista.50

A supremacia do Direito Internacional sobre a ordem jurídica interna dos Estados tem sido reiteradamente afirmada pela doutrina e jurisprudência alienígenas. Boson enumera vários casos pesquisados na jurisprudência internacional evidenciando a prevalência dos princípios de Direito Internacional sobre a lei interna, em caso de conflito51.