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CAPÍTULO 3 – O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS

3.2 Modelos de controle de constitucionalidade

Previamente ao exame dos modelos de controle de constitucionalidade de normas vigentes no Estado brasileiro, torna-se imprescindível conceituar o próprio instituto. Com base no que foi dito acerca do princípio da supremacia da constituição, pode-se afirmar que o controle de constitucionalidade consiste na verificação da compatibilidade entre uma norma infraconstitucional e os princípios e regras da constituição. Evidenciada a contrariedade, a norma constitucional haverá de prevalecer, devido a sua posição hierárquica privilegiada frente às demais normas do Estado.

Verifica-se tal incompatibilidade em duas situações: a) quando, para a elaboração da norma inferior, não são obedecidas as regras preestabelecidas na própria constituição; b) quando o conteúdo ou substância da norma infraconstitucional contraria regra ou princípio, explícito ou implícito, da constituição. A primeira hipótese constitui a chamada inconstitucionalidade formal ou instrumental, enquanto que a segunda traduz perfeitamente o conceito de inconstitucionalidade material.

Portanto, eventual contrariedade deve ser analisada sob os aspectos formal e material. O primeiro atenta para a adequação do processo legislativo utilizado na confecção da norma, que deve corresponder ao exigido pela própria constituição; o segundo se refere à própria substância da norma (conteúdo), que deve compatibilizar-se aos paradigmas preestabelecidos também na constituição.

Para Miranda, “[...] constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação, ou seja, a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não em seu sentido, que tem nela ou não sua base.”77

Complementa o autor português afirmando que: _____________

77 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. t. 2,

[...] não se trata de relação de mero caráter lógico ou intelectual. É essencialmente uma relação de caráter normativo e valorativo, embora implique sempre um momento de conhecimento. Não estão em causa simplesmente a adequação de uma realidade a outra realidade, de um quid a outro quid ou a desarmonia entre este ou aquele ato, mas o cumprimento ou não de certa norma jurídica.78

Nesse aspecto, Palu ensina que “[...] a garantia da constituição repousa em um juízo de conformidade ou desconformidade de seus preceitos face às demais normas. Deve-se saber se certo ato normativo é contrário ou não ao Texto Maior e, se contrário, torná-lo ineficaz, anulá-lo, ou ainda nulificá-lo”.79

A inconstitucionalidade, por fim, pode ocorrer mediante uma conduta positiva, quando o Poder Público pratica atos ou edita normas em desacordo com a constituição, ou, de outro lado, por omissão, quando este deixa de praticar ato imposto pela própria constituição. Em ambas as situações a conduta do Poder Público contraria a constituição.

Controlar a constitucionalidade, portanto, nada mais é do que verificar a compatibilidade de qualquer lei ou ato normativo com a constituição, seja no aspecto meramente formal, seja com relação ao conteúdo da norma80.

Passa-se, a seguir, à análise dos diversos modelos e métodos de controle de constitucionalidade, para, em seguida, examinar os sistemas adotados no Brasil.

3.2.1 Quanto ao sujeito

Esta classificação leva em consideração o órgão exercente do controle de constitucionalidade, que pode ter natureza puramente política (quando exercido por órgão estranho ao Poder Judiciário); jurisdicional, quando realizado por órgãos do Poder Judiciário, e ainda, mista, quando há conjugação dos dois sistemas antes referenciados.

_____________

78 Ibidem, p. 311.

79 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade. 2. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 64.

80 SANTOS, Mauro Sérgio dos. O controle incidental de constitucionalidade e o papel do Senado

O principal exemplo de controle político está presente na Constituição francesa de 1958. Com efeito, a Carta francesa não prevê a participação do Poder Judiciário no processo de controle de constitucionalidade de normas. O órgão político encarregado de efetuar a fiscalização preventiva da constitucionalidade dos atos normativos daquele Estado é o Conselho Constitucional, conforme prescrevem os artigos 56 a 63 da Constituição francesa.

De outra banda, em Portugal, Itália, Espanha etc., adota-se o sistema hoje conhecido como misto, que confere aos juízes e tribunais a competência para decidir sobre eventual inconstitucionalidade de uma norma, cabendo, desta decisão, recurso para um tribunal estranho ao Poder Judiciário. Além de ser conhecido como controle misto, por envolver o Poder Judiciário e um órgão de natureza política, também é chamado de “modelo austríaco”, por ter origem na Constituição austríaca de 1920, originada sob forte inspiração Kelseniana.

O controle jurisdicional ou judicial review é exercido exclusivamente pelos órgãos (juízes e tribunais) do Poder Judiciário. Este método de controle das leis finca suas raízes no direito norte-americano, a partir do caso Marbury vs. Madison, julgado em 1803. Ressalte-se que tal espécie de controle de constitucionalidade teve forte influência no direito brasileiro, como se verá adiante.

3.2.2 Quanto ao momento

O controle de constitucionalidade é preventivo, quando exercido por ocasião do processo de elaboração da norma, com a finalidade de impedir que esta ingresse no ordenamento jurídico, em razão de sua inconstitucionalidade. É realizado, portanto, a priori.

Por outro lado, quando a norma impugnada já é um ato com eficácia jurídica, tem-se o denominado controle repressivo, que objetiva a declaração de sua inconstitucionalidade e, por conseqüência, a sua exclusão do ordenamento ou a não aplicação em determinado processo.

3.2.3 Quanto à forma

Diz-se que o controle de constitucionalidade é concreto, quando a questão da inconstitucionalidade é argüida incidentalmente em determinado processo judicial, como causa de pedir. O juiz, antes de manifestar-se sobre o pedido da parte ou interessado, necessariamente deverá enfrentar a inconstitucionalidade suscitada.

Diferentemente, no controle abstrato não existe um conflito de interesses entre as partes (processualmente falando). Aqui, a finalidade não é outra senão eliminar a norma contrária à constituição ou a supressão da omissão legislativa, mediante processo constitucional autônomo.

3.2.4 Quanto ao número de órgãos

O controle de constitucionalidade será difuso, quando qualquer juiz ou tribunal do país possuir competência para declarar a inconstitucionalidade de uma norma.

Se, de forma diversa, a competência para processar e julgar a inconstitucionalidade de normas for exclusivamente de um único órgão, tem-se o chamado controle concentrado.

3.2.5 Quanto ao conteúdo

Conforme já explicitado, a análise da constitucionalidade de uma norma pode levar em conta simplesmente o aspecto formal, quando será verificado se o processo legislativo para a sua confecção obedeceu às regras impostas pela constituição, ou se a ofensa é material, isto é, se o conteúdo da norma inferior

revela-se em desacordo com os princípios e regras constitucionais. A propósito, esclarecedora é a lição de Bonavides sobre a matéria:

O controle formal é, por excelência, um controle estritamente jurídico. Confere ao órgão que o exerce a competência de examinar se as leis foram elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinário não contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes ou às relações horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos, como sói acontecer nos sistemas de organização federativa dos Estados.81

[...]

O controle material de constitucionalidade é delicadíssimo em razão do elevado teor de publicidade de que se reveste, pois incide sobre o conteúdo da norma. Desce ao fundo da lei, outorga a quem o exerce competência com que decidir sobre o teor e a matéria da regra jurídica, busca acomodá- la aos cânones da Constituição, ao seu espírito, à sua filosofia, aos seus princípios políticos fundamentais.82