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CAPÍTULO 4 – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS PELO

4.2 Os tratados sobre direitos humanos

A Constituição Federal de 1988 elenca nos seus quatro primeiros artigos os chamados princípios fundamentais da República. Tais princípios formam a base de sustentação de todos os demais dispositivos constitucionais, bem assim das normas de hierarquia inferior. Dentre esses princípios, dois apresentam destacada importância no estudo dos tratados sobre direitos humanos: o primeiro é o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal95; o

segundo é aquele que prescreve que o Brasil deverá observar nas suas relações internacionais a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, CF/88).

Referidos princípios fundamentais revelam os valores considerados mais importantes pelo legislador constituinte, tanto na órbita interna, no que couber, quanto na internacional. No que tange ao plano internacional, importante mencionar que as constituições brasileiras anteriores à de 1988 não traziam princípios específicos no que tange às relações internacionais, como faz o art. 4º da CF/88, fato este que evidencia a adequação normativa da Carta em vigência, ou pelo menos de alguns de seus dispositivos, com o atual estágio de evolução do Direito Internacional.

Mas, afinal de contas, o que é dignidade da pessoa humana? O que e quais são os chamados direitos humanos? Segundo Nunes, “dignidade é um conceito que foi sendo elaborado no decorrer da história e chega no início do século XXI repleta de si mesma como um valor supremo, construído pela razão jurídica”.96

Sarlet, ao referir-se à dignidade da pessoa humana, a conceitua da seguinte forma:

[...] é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo de direitos e deveres _____________

95 O § 7º do art. 226 da Constituição Federal de 1988 também traz referência expressa ao princípio da

dignidade da pessoa humana.

96 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.97

Sem dúvida o princípio da dignidade da pessoa humana é o valor mais importante da Carta de 1988, não só porque possibilita a interpretação, integração e/ou recepção das demais regras e princípios que com ele se compatibilizem como também pelo fato de ser sustentáculo para a atuação do Estado brasileiro na defesa e proteção dos direitos humanos.

No que tange propriamente aos direitos humanos, Dallari os conceitua como sendo “uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida”.98

Comparato, ao se referir sobre os direitos humanos já na primeira página da introdução de sua obra intitulada “A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos”, o faz da seguinte forma:

O que se conta, nestas páginas, é a parte mais bela e importante de toda a História: a revelação de que todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de que, em razão dessa radical igualdade, ninguém – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode afirmar-se superior aos demais.99 Pois bem, após a análise, ainda que superficial, dos conceitos de dignidade da pessoa humana e direitos humanos, importantes para melhor compreensão da matéria, passa-se, agora, ao exame do tratamento conferido pelo direito brasileiro aos tratados de direitos humanos.

A Constituição Federal de 1988, após o rol (exemplificativo) de direitos fundamentais previstos no art. 5º, dispõe em seu § 2º que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos _____________

97 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre:

Ed. Livraria dos Advogados, 2001. p. 60.

98 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Ed. Moderna, 1998. p. 7. 99 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo:

princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Segundo Piovesan, a Carta de 1988, ao prescrever que os direitos e garantias nela previstos não excluem aqueles decorrentes de tratados está a incluir, a

contrario sensu, “[...] no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos, os

direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte”. Conclui, então, a ilustre professora, dizendo que “[...] ao efetuar a incorporação, a Carta atribui aos direitos internacionais uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional.”100

O dispositivo constitucional acima transcrito (art. 5º, § 2º, CF), não obstante constar expressamente do texto primitivo da Constituição Federal de 1988, serviu como fonte de intermináveis polêmicas na doutrina e também na jurisprudência sobre a posição hierárquica dos tratados incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, notadamente aqueles relativos a direitos humanos. Isso porque embora o aludido dispositivo constitucional evidenciasse o caráter aberto do elenco de direitos fundamentais da Carta de 1988, nunca se reconheceu aos tratados sobre direitos humanos tal status.

Por conta disso, a Emenda Constitucional nº 45/2004, introduziu o § 3º no texto do art. 5º, da Carta Magna, estabelecendo expressamente que:

Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Embora a norma reformadora tenha previsto a possibilidade de os tratados sobre direitos humanos serem equivalentes às emendas constitucionais, trouxe a exigência de se atender a um quorum especial para que a norma internacional alcançasse tal equivalência.

A mencionada emenda constitucional, ao invés de dar cabo às polêmicas sobre o tema, elevou ainda mais o tom dos debates, sobretudo com relação aos tratados sobre direitos humanos já incorporados por ocasião da publicação da _____________

100 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. São

referida reforma e ainda sobre os tratados relativos a outras matérias, conforme anteriormente explicitado.

Quanto aos termos da Emenda Constitucional nº 45/2004 (art. 5º, § 3º, CF/88), o entendimento atual do Poder Judiciário e de parte da doutrina é no sentido de que somente seriam equivalentes às emendas constitucionais aqueles tratados que fossem aprovados observando-se o quorum privilegiado previsto no citado dispositivo constitucional. Piovesan, destoando desse entendimento, rebate tais argumentos fundamentando-se no conteúdo dos tratados (direitos humanos), conforme a seguir explicitado:

Independentemente do quorum de sua aprovação, são materialmente constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade. O quorum qualificado está tão-somente a reforçar tal natureza, ao adicionar um lastro formalmente constitucional aos tratados ratificados, propiciando a constitucionalização formal dos tratados de direitos humanos no âmbito jurídico interno.101

Deveras, não pode haver diferenciação entre os tratados de direitos humanos anteriores à Emenda Constitucional 45/2004 e os subseqüentes à referida reforma, pois os tratados antecedentes são materialmente compatíveis com a Lei Maior.

Ainda que aprovados por maioria, os tratados sobre direitos humanos anteriores a 8 de dezembro de 2004, pelo só fato de versarem sobre direitos humanos, encontram guarida no § 2º do art. 5º, já comentado.

Ora, se o próprio dispositivo constitucional (art. 5º) elencou exemplificativamente os direitos fundamentais, alertando expressamente que referido rol não poderia excluir outros direitos previstos em tratados ratificados pelo Estado brasileiro, por certo que os direitos fundamentais oriundos de tais tratados deveriam ser, no mínimo, equivalentes às normas constitucionais.

Além disso, esclareça-se que eventuais conflitos envolvendo uma constituição nova e as normas pré-existentes devem ser solucionados levando-se em conta apenas a compatibilidade material, não havendo, pois, necessidade de a norma anterior observar as regras formais previstas na nova Carta. Aliás, eventual exigência dessa natureza seria impossível de ser cumprida.

_____________

Assim, os tratados sobre direitos humanos anteriores à Carta de 1988 são materialmente constitucionais porque absolutamente consonantes com os princípios constitucionais vigentes, sobretudo o da dignidade da pessoa humana e o da prevalência dos direitos humanos, ambos já anteriormente abordados.

Nesse aspecto, convém ressaltar a recente e importante mudança de perspectiva do STF em relação aos tratados sobre direitos humanos, que será abordada no tópico seguinte e evidencia, de forma clara, a evolução do pensamento da Corte Constitucional sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos.