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O procedimento de incorporação de tratados ao direito brasileiro

CAPÍTULO 2 – OS TRATADOS E SUA RECEPÇÃO PELO DIREITO

2.5 O procedimento de incorporação de tratados ao direito brasileiro

No presente tópico será examinado o procedimento utilizado para a internalização de tratados no direito brasileiro, desde o início das tratativas, fase que leva o nome de negociação, até a publicação do decreto presidencial, quando o tratado adquire aptidão para produzir efeitos internamente.

Como ressaltado linhas atrás, os chamados acordos de forma simplificada, na prática do governo brasileiro, não se submetem ao crivo do Poder Legislativo, razão _____________

pela qual este tópico se refere apenas ao ingresso dos tratados propriamente ditos, ou seja, àqueles que necessariamente haverão de ser aprovados pelo Poder Legislativo.

O primeiro passo na elaboração de qualquer tratado é a fase de negociação. Negociar é participar da confecção do texto do tratado, apresentando propostas e discutindo aquelas já apresentadas, de modo a compor as cláusulas do documento64.

Sendo certo que todo Estado possui capacidade para celebrar tratados, por óbvio que a maior autoridade do Estado, seja o chefe de Estado ou de Governo, possui legitimidade para negociar as cláusulas do tratado. No caso específico do direito brasileiro, negociar com governos estrangeiros, visando à celebração de tratados é competência privativa do Presidente da República, conforme estabelecido no art. 84, VII, da Constituição Federal.

Além do Presidente da República, que não necessita de apresentação de carta de plenos poderes, também o ministro das relações exteriores goza da mesma prerrogativa, ou seja, é tido como plenipotenciário desde o momento em que é investido na função, razão porque torna-se despicienda, igualmente, a utilização de carta de plenos poderes por tal autoridade. Por fim, também prescinde da apresentação de carta de plenos poderes o chefe de missão diplomática – isto é, o embaixador ou o encarregado de negócios –, mas apenas para a negociação de tratados bilaterais entre o Estado acreditante e o Estado acreditado.65 À exceção das

autoridades acima referidas, qualquer outra necessitará da carta de plenos poderes para negociar as cláusulas de determinado tratado. A propósito, no caso brasileiro, quaisquer negociações sobre tratados devem ser acompanhadas por agente diplomático, conforme prescreve o art. 1º, III, do Anexo I, do Decreto nº 2.246/97, que trata sobre a estrutura do Ministério das Relações Exteriores.

Rezek sintetiza bem a matéria, ao afirmar que “ressalvada, assim, a plenipotência que, de modo amplo ou limitado – respectivamente –, recai sobre o ministro das relações exteriores e o chefe de missão diplomática, é certo que os _____________

64 TAVARES, Francisco de Assis Maciel. Ratificação de tratados internacionais. Rio de Janeiro:

Lúmen Juris, 2003. p. 25.

demais plenipotenciários demonstram semelhante qualidade por meio da apresentação da carta de plenos poderes”.66

Findadas as tratativas, inicia-se a fase das assinaturas que, segundo parte da doutrina, reflete apenas o término das negociações, não tendo, outrossim, o condão de obrigar internamente. Discute-se, no entanto, sobre a possibilidade de eventual responsabilidade do Estado que, embora firmando os termos do tratado, viesse a descumpri-los posteriormente.

Embora o entendimento que prevalece seja o de que a exteriorização do consentimento não obriga internamente o Estado, parece que a razão está com aqueles que entendem que o tratado, por se tratar de uma espécie de contrato, deveria produzir efeitos a partir do momento fixado para isso ou, não havendo prefixação de prazo de vigência, a partir do consentimento das partes, que ocorre com as assinaturas. No entanto, pelo menos no Brasil não é assim que ocorre. Segundo Mazzuoli, concluído o texto do instrumento internacional, e estando as partes contratantes de acordo com os seus termos, tanto substanciais como formais, procede-se à assinatura, que, presentemente, significa apenas o aceite precário e provisório ao tratado, não acarretando efeitos jurídicos vinculantes.67

Em seguida aparece a fase da ratificação. Rezek, após esclarecer a grande confusão teórica acerca do termo ratificação, complementa dizendo que:

Não se pode entender a ratificação senão como ato internacional, e como ato de governo. Este, o Poder Executivo, titular que costuma ser da dinâmica das relações exteriores de todo Estado, aparece como idôneo para ratificar – o que no léxico significa confirmar –, perante outras pessoas jurídicas de direito das gentes, aquilo que ele próprio, ao término da fase negocial, deixara pendente de confirmação, ou seja, o seu consentimento em obrigar-se pelo pacto. Parlamentos nacionais não ratificam tratados, primeiro porque não têm voz exterior, e segundo porque, justamente à conta de sua inabilidade para a comunicação direta com Estados estrangeiros, nada lhes terão prenunciado, antes, por assinatura ou ato equivalente, que possam mais tarde confirmar pela ratificação. [...] Ratificação é o ato unilateral com que a pessoa jurídica de direito internacional, signatária de um tratado, exprime definitivamente, no plano internacional, sua vontade de obrigar-se.68

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66 REZEK, 2005. 67 MAZZUOLI, 2001. 68 REZEK, 2005, p. 49 e 50.

Quando o Ministério das Relações Exteriores considera que um tratado internacional deve ser ratificado, submete ao Presidente da República um Projeto de Mensagem ao Congresso Nacional, acompanhado de cópia do texto do tratado e de exposição de motivos. Aquiescendo, o Presidente da República encaminha a documentação ao Congresso, para deliberação, haja vista que a só vontade do chefe do Poder Executivo é insuficiente para ratificar o tratado, sem que antes o Congresso Nacional tenha se manifestado neste sentido. Embora não possa haver a ratificação sem a anuência do Congresso Nacional, uma vez dada tal anuência, esta não tem o condão de vincular a vontade do Presidente da República, ou seja, mesmo autorizado pelo Congresso Nacional pode o Presidente da República decidir por não ratificar o tratado.

A apreciação da matéria começa pela Câmara dos Deputados para, em seguida, caso haja aprovação, ser encaminhada ao Senado Federal. O Regimento Interno do Senado preceitua que o Presidente da Casa pode conferir à Comissão de Relações Exteriores competência para apreciar, terminativamente, os tratados internacionais.

Se o projeto for aprovado pelo Senado, é transformado em decreto legislativo e promulgado pelo Presidente do Senado Federal. Se for aprovado com emendas, volta à Câmara, para deliberar, definitivamente, sobre as emendas. Rezek, resumindo o procedimento congressual, diz que o êxito na Câmara e, em seguida, no Senado, significa que o compromisso foi aprovado pelo Congresso Nacional. Incumbe formalizar a decisão do parlamento, e sua forma, no Brasil contemporâneo, é a de um decreto legislativo, promulgado pelo Presidente do Senado, que o faz publicar no Diário Oficial da União69.

O decreto legislativo é sempre promulgado pelo Presidente do Senado Federal, mesmo quando a última palavra tiver sido dada pela Câmara dos Deputados.

A aprovação do Congresso, através do decreto legislativo, não torna ainda o tratado obrigatório, pois, como já dito, o Presidente da República tem a liberdade de ratificá-lo ou não, conforme julgar conveniente. A explicação para essa _____________

discricionariedade do Presidente da República se justifica em razão de que, “passado algum tempo da assinatura do acordo internacional, podem ter mudado as circunstâncias políticas, e a nova conjuntura não recomendar mais o engajamento do Estado”.70

Cachapuz de Medeiros explica que, internacionalmente, um tratado entra em vigor “[...] no instante em que os Estados signatários se comunicam reciprocamente a existência dos instrumentos de ratificação. [...] Tal notificação dá-se de duas formas: troca ou depósito dos aludidos instrumentos. A troca ocorre, em geral, nos acordos bilaterais e o depósito nos multilaterais”.71

Depois de formalmente ratificado, o ato internacional precisa ser promulgado pelo Presidente da República e só então se incorpora ao ordenamento jurídico brasileiro.

Finalmente, encerrando o processo, o decreto do Chefe do Poder Executivo é publicado no Diário Oficial da União, acompanhado do texto do tratado internacional. Neste momento, isto é, com a publicação é que o tratado entra em vigor na ordem interna.

Os acordos de forma simplificada, conforme já visto em tópico anterior, recebem tratamento bastante diferenciado, haja vista a não participação do Poder Legislativo no procedimento de incorporação, razão pela qual referidos acordos não são promulgados através de decreto presidencial, mas apenas publicados no Diário Oficial da União.

Muito bem, foram examinados neste capítulo os temas mais importantes acerca do procedimento de incorporação de um tratado ao direito brasileiro. Visto isso, importa analisar agora o outro lado da moeda, ou seja, a possibilidade de exclusão do ordenamento jurídico de um tratado já internalizado. Portanto, duas são as questões que adiante serão objeto de exame: 1ª) é possível retirar do ordenamento jurídico interno um tratado já incorporado? 2ª) Se afirmativa a resposta, como fazê-lo? Tais questionamentos encontram suas respectivas respostas no capítulo final deste estudo. Antes, porém, deve o leitor compreender _____________

70 MEDEIROS, 1995, p. 469. 71 MEDEIROS, 1995, p. 469.

como funciona o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade de normas, que será explicitado no capítulo seguinte.