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Uma vez investigada a influˆencia do pol´ımero no solvatocromismo do complexo, cabe agora investigar como a presenc¸a e quantidade do complexo influenciam nas propriedades do pol´ımero em soluc¸˜ao. Tal investigac¸˜ao foi realizada atrav´es da vis- cosimetria de soluc¸˜oes dilu´ıdas devido ao fato de ser um procedimento simples, ba- rato e frequentemente empregado na caracterizac¸˜ao de macromol´eculas por fornecer dados relativos `a conformac¸˜ao da macromol´ecula em soluc¸˜ao.

Uma soluc¸˜ao dilu´ıda de pol´ımero ´e composta por cadeias em conformac¸˜ao glo- bular, ou seja, na forma de novelos aproximadamente esf´ericos que n˜ao interagem uns com os outros, somente com mol´eculas do solvente de seu entorno e aquelas que intumescem o novelo. Ao escorrerem por um capilar em regime laminar a uma dada taxa de cisalhamento, diferentes partes do novelo se movem com velocidades

diferentes dependendo se elas est˜ao em regi˜oes de fluxo r´apido ou lento em virtude do gradiente de velocidade. Como resultado, a mol´ecula de pol´ımero experimenta uma s´erie de forc¸as que a fazem rotacionar sob fluxo. Os movimentos rotacionais e translacionais causam fricc¸˜ao entre a macromol´ecula e as mol´eculas do solvente, al- terando as linhas de fluxo e causando aumento da viscosidade da soluc¸˜ao em relac¸˜ao ao solvente puro.83 Se o novelo encontra-se expandido e bastante intumescido pelo solvente, sua perturbac¸˜ao no fluxo do solvente ser´a maior do que se ele estiver con- tra´ıdo e compactado assemelhando-se a uma esfera r´ıgida.

A viscosidade espec´ıfica, (Equac¸˜ao 4.9), relaciona-se com a concentrac¸˜ao c de pol´ımero eletricamente neutro atrav´es da Equac¸˜ao de Huggins84 (Equac¸˜ao 4.10).

ηsp = η − η0 η0 = t − t0 t0 (4.9) ηsp c = [η] + k 0[η]2 c (4.10)

onde ηsp/c ´e chamado de viscosidade reduzida (ηred) e [η] ´e a viscosidade intr´ınseca,

definida por

[η] = lim

c→0

ηsp

c (4.11)

A viscosidade intr´ınseca tamb´em pode ser escrita como85

[η] = 5 2

NA

M limc→0Vh (4.12)

Portanto, a viscosidade intr´ınseca ´e diretamente proporcional ao volume da macro- mol´ecula numa situac¸˜ao de diluic¸˜ao infinita. Quando a cadeia polim´erica cont´em cargas el´etricas fixas, como ´e o caso dos metalopol´ımeros [Fe(CN)5(P4VP)S]3−, a

viscosidade intr´ınseca ser´a influenciada pelas interac¸˜oes eletrost´aticas entre elas em decorrˆencia do efeito eletroviscoso86–88

Soluc¸˜oes de polieletr´olitos tˆem maior viscosidade do que soluc¸˜oes de mesma con- centrac¸˜ao de pol´ımeros neutros e a dependˆencia da viscosidade com a concentrac¸˜ao ´e marcadamente distinta. A dependˆencia η × c ´e usualmente descrita graficando- se a raz˜ao do incremento de viscosidade pela concentrac¸˜ao (ηsp/c) em func¸˜ao da

concentrac¸˜ao. Aumentando-se a concentrac¸˜ao de uma soluc¸˜ao de pol´ımero neutro, a viscosidade aumenta linearmente segundo a Equac¸˜ao 4.10 porque um maior n´umero de novelos entra em contato com as paredes do recipiente. J´a uma soluc¸˜ao de poli- eletr´olito experimenta aumento agudo de ηsp/c diminuindo-se a concentrac¸˜ao. Em

altas diluic¸˜oes, a distˆancia m´edia entre os ´ıons tende a aumentar porque existe a tendˆencia de se distribu´ırem uniformemente em todo o volume. No caso dos polie- letr´olitos, somente os contra´ıons da cadeia tˆem essa liberdade, pois as cargas fixas sobre o pol´ımero podem somente se afastar, impelidas pela repuls˜ao eletrost´atica entre si, at´e a cadeia alcanc¸ar sua m´axima extens˜ao (efeito eletroviscoso terci´ario).

Com isso, o volume do novelo e consequentemente a viscosidade intr´ınseca de uma soluc¸˜ao de polieletr´olito de forc¸a iˆonica nula aumentam rapidamente quando a concentrac¸˜ao tende `a zero.89–91 Matematicamente, a equac¸˜ao emp´ırica 4.13 ´e an´aloga a 4.10 para soluc¸˜ao de polieletr´olito de concentrac¸˜oes moderadamente baixa e sem adic¸˜ao de eletr´olito inerte.89–91 Essa equac¸˜ao ´e tamb´em conhecida como Equac¸˜ao de Fuoss.c

ηsp

c =

A

1 + B√c em que A = [η] (4.13)

cE interessante notar que Fuoss e colaboradores chegaram nessa express˜ao estudando P4VP quaternizada com haletos´

de alquila, que pode ser considerada do ponto de vista eletrost´atico como um an´alogo catiˆonico dos metalopol´ımeros estudados aqui.

A constante A varia sistematicamente com o tamanho do novelo e por isso ´e equivalente `a [η] porque quando c tende `a zero, a definic¸˜ao de viscosidade intr´ınseca se verifica (Equac¸˜ao 4.11). H´a autores que substituem A por [η],92, 93 por´em essa direta correlac¸˜ao n˜ao foi originalmente proposta por Fuoss.91 A constante B aumenta com a diminuic¸˜ao da constante diel´etrica do solvente, sendo, portanto, uma medida da interac¸˜ao eletrost´atica entre poli-´ıon e contra´ıons.91

A Figura 4.10 mostra esquematicamente o perfil de curvas ηred × c de soluc¸˜oes

dilu´ıdas de polieletr´olitos, evidenciando as regi˜oes 1 e 2 que n˜ao s˜ao descritas pela Equac¸˜ao de Fuoss. Nesta mesma figura est˜ao indicados os resultados experimen- tais para as soluc¸˜oes dos metalopol´ımeros, indicados pela raz˜ao py/Fe. Enquanto os pontos experimentais das amostras [Fe(CN)5(P4VP)400]3− e [Fe(CN)5(P4VP)200]3−

apresetam uma tendˆencia de comportamento linear com a concentrac¸˜ao, concor- dando com o perfil da regi˜ao 1, a viscosidade reduzida de soluc¸˜oes das amostras [Fe(CN)5(P4VP)100]3−e [Fe(CN)5(P4VP)75]3−mostraram um m´aximo, o que ´e con-

cordante com a regi˜ao 2. J´a as soluc¸˜oes de metalopol´ımeros com raz˜ao py/Fe igual a 50, 25, 10, 5, 2 e 1 renderam pontos com perfil concordante com a regi˜ao 3. To- das as amostras foram analisadas na mesma faixa de concentrac¸˜oes de 0,25 a 1,50 g/L, o que sugere que o perfil dos pontos experimentais associa-se tamb´em `a quan- tidade de carga fixa na cadeia. De fato, Mansri e colaboradores94 mostraram que a concentrac¸˜ao de carga na cadeia tem efeito equivalente `a da concentrac¸˜ao de ca- deias carregadas c na viscosidade reduzida. Por isso, a distribuic¸˜ao das amostras nas regi˜oes 1, 2 e 3 ´e um indicativo da quantidade de carga nas cadeias de cada uma delas. Esta distribuic¸˜ao concorda com as quantidades de Fe(CN)3−5 de cada amostra. Os valores de viscosidade intr´ınseca das amostras em que a raz˜ao py/Fe ´e 400 e

Figura 4.10: O perfil de uma curva de viscosidade reduzida em func¸˜ao da concentrac¸˜ao de polieletr´olito tipicamente encontrada na literatura. A abcissa tamb´em pode ser tomada como concentrac¸˜ao de carga na cadeia, pois a concentrac¸˜ao de cadeias com uma dada carga ´e equivalente a concentrac¸˜ao de cargas numa dada cadeia. Os n´umeros indicam a raz˜ao py/Fe de cada amostra e sua posic¸˜ao indica qualitativamente o perfil dos pontos experimentais, a serem exibidos na Figura 4.11.

200 foram calculados por uma extrapolac¸˜ao linear; os das amostras em que py/Fe vale 100 e 75, pela Equac¸˜ao de Fuoss (4.13) excluindo-se o ponto de 0,25 g/L por desviar-se do perfil previsto pela equac¸˜ao; os das amostras com raz˜ao py/Fe iguais a 50, 25, 10, 5 e 2, pela Equac¸˜ao de Fuoss considerando todos os pontos. J´a a amostra [Fe(CN)5(P4VP)1]3− apresentou pontos lineares, possivelmente devido ao efeito de

alta forc¸a iˆonica. Os valores de tempo de escoamento s˜ao mostrados na Tabela A.6. Os resultados experimentais s˜ao apresentados na Tabela A.7 e na Figura 4.11a-b e os resultados dos ajustes na Tabela 4.5 e na Figura 4.11c.

Os valores de [η] das amostras [Fe(CN)5(P4VP)400]3− e [Fe(CN)5(P4VP)200]3−

mostraram-se estatisticamente iguais ao da P4VP pura, em decorrˆencia do baixo grau de modificac¸˜ao das cadeias. As amostras com mais complexo apresentaram viscosidade intr´ınseca crescente com a quantidade de Fe(CN)3−5 at´e se observar um

Tabela 4.5: Valores de viscosidade intr´ınseca e parˆametros dos ajustes. Amostra [η] (dL/g) B (dL/g)1/2 ad(dL/g) R2 P4VP 0,95 ± 0,05a -0,7 ± 0,4 0,939 [Fe(CN)5(P4VP)400]3− 1,0 ± 0,1a 0 0,452 [Fe(CN)5(P4VP)200]3− 0,94 ± 0,07a 2,8 ± 0,5 0,993 [Fe(CN)5(P4VP)100]3− 2,4 ± 0,3b 1,2 ± 0,5 0,953 [Fe(CN)5(P4VP)75]3− 2,3 ± 0,1b 0,4 ± 0,2 0,921 [Fe(CN)5(P4VP)50]3− 2,8 ± 0,3c 0,6 ± 0,4 0,842 [Fe(CN)5(P4VP)25]3− 4,8 ± 0,3c 1,6 ± 0,3 0,991 [Fe(CN)5(P4VP)10]3− 7,0 ± 0,8c 2,6 ± 0,7 0,976 [Fe(CN)5(P4VP)5]3− 3,3 ± 0,5c 1,2 ± 0,7 0,928 [Fe(CN)5(P4VP)2]3− 2,8 ± 0,2c 1,3 ± 0,2 0,996 [Fe(CN)5(P4VP)1]3− 1,9 ± 0,1a -3,9 ± 0,8 0,99996

aobtido por extrapolac¸˜ao linear.

bobtido pela eq. 4.13 exclu´ındo-se o ponto 0,25 g/L por estar al´em do m´aximo. cobtido pela eq. 4.13 com todos os pontos.

dcoeficiente angular da extrapolac¸˜ao linear. Para P4VP equivale `a constante de Huggins k0 da equac¸˜ao 4.10.

m´aximo na amostra [Fe(CN)5(P4VP)10]3− , a partir da qual a viscosidade diminuiu.

A viscosidade intr´ınseca ´e diretamente proporcional `a distˆancia m´edia entre pontas de cadeia, isto ´e, ao volume do novelo macromolecular, por isso a comparac¸˜ao dos valores de [η] dos metalopol´ımeros ´e equivalente `a comparac¸˜ao do volume dos seus novelos em soluc¸˜ao. O aumento da quantidade de Fe(CN)3−5 fixa na cadeia implica em menores distˆancias entre esses grupos triplamente carregados, consequentemente ocorre aumento da energia potencial el´etrica decorrente da repuls˜ao m´utua (efeito eletroviscoso terci´ario).

Apesar de o fator eletrost´atico ser majorit´ario, exite tamb´em o fator est´erico, pois as unidades Fe(CN)3−5 s˜ao volumosas e carregam consigo os contra´ıons Na+com as respectivas esferas de solvatac¸˜ao, causando aumento da tens˜ao em ˆangulos e compri- mentos de ligac¸˜oes ao longo da cadeia. A forma que a cadeia encontra para relaxar o aumento de energia ´e assumindo uma conformac¸˜ao mais estendida, de maior volume

(a) (b)

(c)

Figura 4.11: Viscosidade espec´ıfica (a) e viscosidade reduzida (b) em func¸˜ao da concentrac¸˜ao das soluc¸˜oes das amostras de metalopol´ımeros. Viscosidade intr´ınseca de cada amostra (c) em func¸˜ao da raz˜ao py/Fe. A linha tracejada vermelha indica o valor da P4VP para o qual a curva de tendˆencia se aproxima assintoticamente. O insetmostra os mesmos valores em func¸˜ao da frac¸˜ao molar de pentacianoferrato.

que se reflete macroscopicamente numa soluc¸˜ao de maior viscosidade. Este efeito se observa de py/Fe igual a 400 at´e 10. A queda de [η] nas amostras contendo mais complexo sugere a existˆencia de um efeito antagˆonico `a tendˆencia de expans˜ao.

Juntamente com o aumento da quantidade de complexo fixada nas cadeias, h´a tamb´em o aumento da forc¸a iˆonica decorrente (i) do aumento da concentrac¸˜ao de esp´ecies iˆonicas no volume do novelo e (ii) do aumento da concentrac¸˜ao de [Fe(CN)5-

4.3 mostra que as amostras com maior quantidade de complexo tˆem maior diferenc¸a percentual entre a raz˜ao py/Fe desejada e a observada experimentalmente, indicando maior quantidade de complexo livre presente como eletr´olito inerte no meio.

Por fim, existe tamb´em a hip´otese de que a diminuic¸˜ao da viscosidade das amos- tras com muito complexo seja decorrente do efeito eletroviscoso secund´ario. Polie- letr´olitos lineares com alta densidade de carga tendem a assumir uma conformac¸˜ao muito estendida na forma de bast˜oes.87, 95–98 Tais estruturas anisotr´opicas alinham-se com o fluxo e podem causar reduc¸˜ao na viscosidade em comparac¸˜ao com as ca- deias de conformac¸˜ao mais globulares das amostras com menor raz˜ao py/Fe. Este comportamento ´e conhecido como pseudopl´astico (“shear thinning”) e sua caracte- rizac¸˜ao envolve medir a viscosidade em variadas taxas de cisalhamento, o que n˜ao se deu com o viscos´ımetro capilar.