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Consanguíneos, afins e co-afins: classificações sociais baniwa

AMAZÔNICO 55 2.1 CAPÍTULO 1 KOWAI, O JURUPARI BANIWA

3. PARTE 2: CLÃS-PARENTES E PESSOAS-PARENTES NO RIO AIAR

3.1 CAPÍTULO 2 CONTEXTUALIZANDO OS BANIWA DO RIO AIAR

3.1.2 Consanguíneos, afins e co-afins: classificações sociais baniwa

Um esboço da classificação social baniwa pode ser apresentado por meio da diferenciação entre: 1) parentes consanguíneos (-kitsinape); 2) parentes afins (-limatana); 3) parentes co-afins (-doenai)52. Estas três

classificações são articuladas em dois níveis do universo social baniwa: o primeiro, cognático, que se direciona a um território que implica, ainda que em diferentes graus, convivência e onde as pessoas localizam umas às outras em uma genealogia; o segundo, clânico, caracterizado por clãs distribuídos em um extenso território, com parentes que vivem próximos e distantes, conhecidos e desconhecidos. Trata-se, por um lado, de uma classificação egocentrada, entendida nos termos da grade terminológica dravidiana e, por outro lado, de uma classificação sociocentrada do

52 A tripartição do campo do campo social já foi caracterizada por

Viveiros de Castros (2002) como a transformação amazônica sobre o paradigma dual dravidiano de base. Pretendo caracterizar ao longo dos próximos capítulos a versão baniwa desta transformação.

universo social baniwa, entendida classicamente nos termos das relações entre fratrias e clãs.

Em outras palavras, há pessoas-parentes e há clãs-parentes, mas devemos ficar atentos, pois a relação entre estes dois domínios do parentesco não é simplesmente o da sobreposição. Há parentes terminologicamente consanguíneos em outros clãs, os primos paralelos matrilaterais (MZS, MZD), como também se nota a presença de afins terminológicos no mesmo clã, a irmã do pai (FZ), neste último caso, uma parenta agnática, mas não consanguínea (ver quadro terminológico no anexo). A partir de agora, analisarei a inflexão entre os planos ego e sociocentrados, esforçando-me para manter analiticamente a distinção entre eles. A dificuldade deste exercício é porque os Baniwa expandem a classificação terminológica egocentrada à classificação clânica. Mas antes de definir cada uma das três categorias propostas (consanguíneos, afins e co-afins) é importante realizar alguns comentários sobre a terminologia dravidiana, situando seu debate na Amazônia e, em específico, no Noroeste Amazônico.

A proposição da tripartição do campo terminológico em parentes consanguíneos, parentes afins e parentes co-afins no Noroeste Amazônico foi realizada por Cabalzar (2008), para descrever os povos Tukano. Esta sugestão não é trivial uma vez que os sistemas de parentesco baniwa (Journet, 1995) e tukano (Jackson, 1972; C. Hugh-Jones, 1979) foram descritos por meio da terminologia dravidiana - duas seções, aliança simétrica, casamento codificado na grade terminológica -, exprimindo um campo de parentesco dividido entre afins e consanguíneos. Journet (1995) descreve a terminologia baniwa e koripako a partir de uma bipartição, caracterizada por duas categorias, a afinidade e a consanguinidade, onde os -doenai, parentes co-afins, aparecem apenas como “uma subcategoria dos -kitsinape (consanguíneos) (p. 162: minha tradução)”. O que proponho a seguir é considerar a co-afinidade, tal como Cabalzar para os Tuyuka, uma terceira categoria e não simplesmente uma subcategoria da consanguinidade.

A consideração de um terceiro elemento no campo terminológico possui importantes efeitos que, em parte, são anunciados por Cabalzar:

O campo social define-se então em três categorias: parentes [consanguíneos], afins e “filhos de mãe” [parentes co-afins]. Assim, a proposição clássica de Dumont (1953, p.36), segundo a qual afim de um afim é um consanguíneo, é enriquecida no contexto dos grupos Tukano, em que afim de afim ou é

consanguíneo (parente agnático) ou “filho de mãe” [parentes uterinos], ou ambos. Essa abertura é de grande interesse para a análise sociológica dos Tuyuka, na medida em que remete a um jogo entre as duas categorias sociais, especialmente nas situações em que ocorre sobreposição. Em outras palavras, a tripartição do campo terminológico é extremamente relevante, visto que abre a possibilidade para a reclassificações no âmbito das relações agnáticas, quando estas estão entremeadas pela co-afinidade (Cabalzar, 2008, p.253).

Estou de acordo com o autor, quando este aponta que a co- afinidade que, nos casos em tela, coincide com o parentesco uterino, é de crucial importância na descrição de certas dinâmicas sociais. Há o destaque para as reclassificações terminológicas em que os co-afins (- doenai) se configuram como uma abertura no seio das relações agnáticas, uma espécie de bifurcação entre a consanguinidade e a afinidade.

A ternarização do campo terminológico defendida por Cabalzar, da qual me utilizo para formular uma descrição sobre os Baniwa, foi precedida por Viveiros de Castro n’O problema da afinidade na Amazônia (2002). Lembremos que Dumont descreveu a terminologia dravidiana, dividindo o campo de parentes entre consanguíneos e afins em uma oposição diametral e equipolente. Viveiros de Castro, a propósito do que designou de dravidianato amazônico, propôs a ternarização do campo terminológico por meio da noção de afinidade potencial, contra a equipolência dumontiana das categorias dispostas diadicamente, em favor de uma oposição hierárquica. Viveiros de Castro defende a anterioridade da afinidade na Amazônia em relação à consanguinidade. Resulta destas torções que a afinidade potencial é um terceiro elemento capaz de englobar os termos afins e consanguíneos, antes postos em uma oposição simétrica.

Estamos diante de duas manifestações do mesmo “problema”. Vimos que Viveiros de Castro define o problema da afinidade na Amazônia a partir da ternarização do campo terminológico por meio da afinidade potencial, entretanto, parece haver uma especificação no Noroeste Amazônico. Neste último caso, o elemento ternarizador se complexifica, pois não é representada somente pelo o inimigo, o afim potencial, mas também pelo co-afim, parente uterino, “filhos de mãe”. Esta última categoria, entre os Baniwa, comporta o elemento da distância, mas de uma maneira não óbvia. Esquematicamente esse fato toma a forma das seguintes proposições: 1) na Amazônia, tal como propôs Viveiro de

Castro, a afinidade potencial é um elemento ternarizador da dualidade entre afins e consanguíneos e; 2) no Noroeste Amazônico, a afinidade potencial funciona como um ternarizador virtual, fora do campo de parentesco estrito, enquanto a co-afinidade funciona como um ternarizador atual do dualismo consanguíneos e afins dentro do campo de parentesco. Isso porque, sugerirei, os co-afins são a manifestação da afinidade potencial sem a distância espacial que lhes caracteriza. Podemos considerar o ternarizador rionegrino como sendo uma manifestação do ternarizador amazônico: nesse sentido, proponho que o co-afim (parentesco uterino) é uma espécie de afim potencial dentro do campo de parentesco – o que, neste ponto específico, distancia-me de Cabalzar que sugere que a co-afinização no Uaupés é uma maneira de “reconsanguinizar” os consanguíneos, uma reformulação da agnação que permite a sua sobrevida (2008, p. 245).

Notaremos a seguir que a co-afinidade entre os Baniwa expressa a posição pela qual se pode escapar ao dualismo consanguíneos vs. afins, podendo, além do mais, desempenhar funções mediadoras fundamentais. Isso resolve a aparente contradição embutida na ternarização baniwa quando infletida nos planos egocentrado e sociocentrado, a saber, a ambiguidade do primo paralelo matrilateral que é um consanguíneo potencialmente de um clã afim, sendo por isso classificado como um parente co-afim. Possiblidade, entre outras, algumas já exploradas no capítulo 1 por meio de Kowai, pela qual temos acesso ao fato de que a co- afinidade se apresenta como uma manifestação particular da afinidade. A este respeito, aproximamo-nos do debate em torno dos “terceiros incluídos” assinalado por Viveiros de Castro, para quem esses são efetuações complexas da afinidade potencial.

Na relação interclânica baniwa, acompanharemos que quando os “afins potenciais distantes” são aproximados, tornados “afins potenciais próximos”, isto é, terceiros incluídos, eles são reclassificados como co- afins, conformando a formulação rionegrina dos terceiros incluídos amazônicos. Segundo Viveiros de Castro (2002a, p. 152), os terceiros incluídos dão ao sistema social seu dinamismo propriamente relacional. Entendo, portanto, que a co-afinidade motiva a dinâmica entre os parentes baniwa, o que veremos se desdobrar entre os clãs, em um plano sociocentrado (capítulo 3) e, no plano egocentrado, nas relações institucionalizadas denominadas camaradagem entre parentes co-afins (capítulo 4).

A ideia de que os co-afins são uma espécie de afim potencial não é pela primeira vez formulada nesta tese, como apontei acima. Descrevi na parte 1 que os Baniwa, seus benzedores, podem chamar Kowai, o

Jurupari, aquele que é tudo, animal-vegetal-monstro-branco, ou seja, um afim potencial, de wamidzaka iperrikana (Hill, 1993, p.111) que, na linguagem do benzimento, é o modo apropriado de designar um primo paralelo matrilateral (parente uterino/-doenai). Estes parentes, já sabemos, são ambíguos, porque terminologicamente consanguíneos, irmãos (-kitsinape), mas potencialmente de um clã co-afim (-doenai). Também porque Kowai é um humano-não humano (animal-vegetal- monstro-branco), isto é, uma cristalização da afinidade potencial controlada por meio do parentesco e dos rituais. Com isso, quero chamar à atenção a importância da mobilização dos co-afins (e suas imagens equivalentes) como um modo privilegiado de expressão das complexas e não óbvias relações com a afinidade potencial, o exterior, e, no limite, a não humanidade. Para sua demonstração, acompanharemos as reclassificações terminológicas mediadas pelos termos -doenai, parentes co-afins, enquanto categoria que constitui uma abertura privilegiada do campo social baniwa. Vamos agora definir cada um dos termos do campo terminológico e clânico. Apresento agora a definição das categorias de parentesco baniwa.

3.1.2.1 Consanguíneos, -kitsinape

O termo -kitsini designa os primos paralelos, ou seja, os irmãos classificatórios de ego, do qual deriva o termo -kitsinape que indica um coletivo de irmãos classificatórios (-kitsini). Por meio deste termo pode- se designar também todos os parentes do seu próprio clã e dos clãs de sua fratria, independentemente de serem ou não efetivamente seus primos paralelos (-kitsini). Sob este termo, pode-se dizer, todos são como irmãos. Portanto, os parentes pertencentes aos clãs da fratria de ego são chamados de -kitsinape; mas esta designação pode ser especificada pelo qualitativo -kantsa para referir-se exclusivamente aos parentes do clã, e não da fratria. Assim, os membros de um mesmo clã são -kitsinape kantsa que significa “irmãos verdadeiros”, ou então, “irmãos mesmo”.

A respeito deste termo, é preciso apontar que, além deste sentido das relações de parentesco stricto sensu, o manto classificatório da consanguinidade pode se estender a todo os falantes de baniwa, sendo comum em reuniões do associativismo indígena entre diferentes clãs e parentes (consanguíneos, afins e co-afins) que todos se cumprimentem em plenária com o termo -kitsinape. O termo -kitsini pode se estender ainda mais, pois dele deriva a palavra -kitsinda, amigo ou companheiro. Este é o termo utilizado para tratar os não baniwa e não indígenas, com os quais não há relações de parentesco previamente estabelecidas, mas

com os quais se entretém uma relação de cooperação, como com os antropólogos e indigenistas ligados a ONGs com sedes locais.

A respeito da proposição do axioma canibal que afirma a anterioridade da afinidade em relação a consanguinidade na Amazônia, constituindo a afinidade um polo englobante da consanguinidade e não o contrário, Viveiros de Castro (2002a) realiza a seguinte advertência:

É verdade que não poucas sociedades do dravidianato amazônico aparentam estender o manto classificatório de uma consanguinidade geral sobre todo a grupo étnico, como os Piaroa, os Pemon e os Jívaro, ou mesmo de uma identidade segmentar que abarca conjuntos pluri-étnicos, como no Alto Xingu. [...] Há duas coisas a distinguir no argumento acima: a extensão universal do parentesco; a subordinação da afinidade à consanguinidade no nível global. A universalização do parentesco não significa universalização da consanguinidade, mas da cognação. Confunde-se aqui, mais uma vez, a categoria terminológica da consanguinidade com a categoria sócio-ideológica da cognação. [...] A extensão católica da cognação não é um procedimento característico de todos os sistemas amazônicos - há aqueles que reconhecem matrimonialmente a existência de não-parentes (Araweté, Alto Xingu, Waimiri-Atroari, Aguaruna, Candoshi, para não falarmos dos Jê) -, e uma excessiva ênfase analítica sobre ela pode induzir a reificação do grupo étnico, algo geralmente inapropriado na região. De qualquer modo, ali mesmo onde ela se verifica, permanece como limite conceitual a exprimir uma realidade negativa (parafraseando as EEP: 55), extensão frouxa de uma similitude geral que produz uma 'identidade' tão instável quanta a alteridade complementar dos estrangeiros, e que se vê constantemente desmentida pela política, o ritual e a cosmologia, onde impera a afinidade potencial, a verdadeira categoria dinâmica da diferença na Amazônia indígena (:148-9)”.

O comentário do autor é pertinente ao que acabo de descrever para os Baniwa, pois as derivações do termo -kitsini e seu uso em contextos

que estão além do parentesco mais estrito, não são a extensão da consanguinidade enquanto categoria terminológica, mas um modo de induzir nos Outros, exprimindo assim uma realidade negativa, as atitudes esperadas aos irmãos, a saber, ajuda mútua e confiança. Não é fortuito que o termo -kitsini deriva-se o verbo -kitsindáta que significa literalmente ajudar, cooperar (Ramirez, 2001).

Os próprios baniwa parecem pressionar e alargar o termo para os irmãos (consanguíneos) -kitsini que se presta a um largo escopo de relações. Podemos apontar: 1) a noção terminológica de -kitsinape, os primos paralelos (FBS, FBD, MZS, MZD), irmãos classificatórios; 2) os parentes membros de um mesmo clã, irmãos de clã; 3) os parentes membros de uma mesma fratria, irmãos de fratria; 4) a categoria sócio- ideológica da cognação, a partir da qual o convívio em uma mesma comunidade permite que se designe até mesmo um afim efetivo ou virtual como sendo “quase irmão”, waade nokitsinape, ainda que se saiba que ele é outra gente, apadawa inewikikha, e; 5) além do domínio local, alcança, por exemplo, os não-indígenas, quando em relação de parceria e cooperação.

3.1.2.2 Afins, -limatana

Passemos aos afins (atuais e virtuais). O termo -limatairi designa o irmão da esposa (WB) e o marido da irmã (ZH), ou seja, os cunhados, mas também, expandindo-se à ordem sociocêntrica, todos os parentes do clã da esposa, o que significa o próprio clã do qual se desposou uma mulher. Se um homem visita a comunidade de seu sogro, onde residem também os seus cunhados, ele chama a todos daquele local de -limatana, coletivamente, em seu cumprimento protocolar típico a estas visitas. Mas não somente. Com este termo, ego masculino refere-se a qualquer comunidade e pessoas que sejam do mesmo clã de sua esposa. A respeito dos cunhados, Journet (1995, p.61) ouviu dos Koripako a definição de que são, inaiki pakhueete, “alguém na cara” ou “alguém em face”, em baniwa, newiktsa pakhoette, que eu traduziria como, “gente em face” ou “gente contra”.

3.1.2.3 Co-afins, -doenai

O termo -doenai designa um coletivo de pessoas de clãs co-afins. O sufixo -nai é uma partícula coletivizadora para os parentes -doe que, por sua vez, é o vocativo para o termo de referência -doeri que designa, para ego masculino, o marido da irmã da esposa, e para o termo -doero

que designa, para ego feminino, a esposa do irmão do esposo. Segundo Journet (1995, p.66), etimologicamente -doeri é um derivado do termo para mãe (-doa), motivo pelo qual -doenai designa estritamente os co- afins, mas mais amplamente os parentes uterinos. Quando aplicado mais estritamente à relação existente entre dois homens casados com duas irmãs, o parentesco uterino não é necessariamente pertinente, a não ser, a partir da sua descendência, pois seus filhos serão entre si primos paralelos matrilaterais, ou seja, relacionados por parentesco uterino. Independente disso, estes homens usam -doenai que designa estritamente a co- afinidade, mas cuja etimologia do termo remete ao parentesco uterino (- doa, mãe). Os termos vocativos dos parentes co-afins (-doenai) são o nodoe, para “meu primo matrilateral”, considerando assim todos os parentes da mesma geração de um clã co-afim (-doenai), e paidoe para “tio matrilateral”, considerando todos os parentes de geração consecutiva de um clã co-afim (-doenai). A partir desta categoria de co-afinidade, notemos uma questão útil para a formulação da inflexão entre os dois planos distintos que tenho descrito: do ponto de vista da terminologia egocentrada, os filhos destas irmãs, cujos maridos são co-afins, são primos paralelos matrilaterais, irmãos classificatórios (-kitsini); mas do ponto de vista da organização clânica, eles podem ser de clãs distintos. Assim, da perspectiva do plano sociocêntrico, pode ser atribuído a eles a classificação de co-afins (-doenai) e mesmo afins (-limatana). Este exemplo demonstra como não se pode simplesmente sobrepor, como comentei acima, as pessoas parentes e os clãs parentes, isto é, o domínio sociocêntrico e o egocentrado. Deve-se, portanto, analisar a inflexão entre estes dois planos, mas mantendo analiticamente a distinção entre eles.

Por fim desta caracterização, vale a pena apontar uma diferenciação que leva em conta a classificação clânica, sem consideração direta ao campo terminológico egocentrado: 1) -newikikha, os parentes do clã, estritamente, cuja tradução literal é gente que, quando dito por ego em referência ao seu próprio clã, soma-se ao pronome possessivo no-, ficando nonewikika, “minha gente”; 2) apadawa inewikika, parentes de outros clãs, a tradução mais aproximada é “outras gentes” ou “gentes outras”, as quais podem ser classificadas em clãs considerados consanguíneos (-kitsinape), afins (-limatana) e co-afins (-doenai). Além do mais, e neste ponto coincide com a terminologia egocentrada, os clãs considerados irmãos (-kitsinape) podem ser ainda especificados entre ‘irmãos mais velhos’, -phenai, e, ‘irmãos mais novos’, -mhererinai; 3) apadawatsa inewikika, “outra gente mesmo”, cuja tradução pode ser ainda, “outras gentes diferentes”, para os quais as três classificações acima não são pertinentes: trata-se, em suma, dos estrangeiros. Podemos

considerar estes últimos não como afins atuais e nem virtuais cognáticos, mas como sendo afins sociopolíticos ou potenciais (cf. Viveiros de Castro, 2002, p.128), designando sob esta categoria os grupos étnicos falantes de outras línguas que compõe o Noroeste Amazônico, como também os não indígenas.

Diagrama 3 - Classificação clânica baniwa

NONEWIKIKA (Minha gente/Meu clã):

Classificação social: Nokitsinape kantsa (Meus irmãos verdadeiros)

Observação: “Kantsa” pode ser traduzido como verdadeiro. Assim,

nokitsinape seguido de kantsa designa os meus parentes verdadeiros, ou seja,

de um mesmo clã. Esta expressão seguida do qualitativo kantsa não é utilizada como um termo vocativo. Em geral, utiliza-se nokitsinape para parentes consanguíneos de um mesmo clã, do mesmo modo como para clãs irmãos de fratria. Kantsa é, portanto, um qualitativo para descrever, reafirmar e explicar a diferença interna aos parentes agnáticos/-kitsinape, mais propriamente, entre irmãos de clã (nonewikika/nokitsinape kantsa) e irmãos de fratria (apadawa

inewikika/nokitsinape).

APADAWA INEWIKIKA (Outras gentes/Outros clãs):

Classificação social: 1. Nokitsinape (Clãs irmãos/parentes consanguíneos): - Nophenai (Irmãos mais velhos) (Enawinai/Chefes);

- Nomhererinai (Irmãos mais novos); - Nomaakuninai (Servos).

2. Nodoenai (Clãs irmãos uterinos/Co-afins). 3. Noolimatana ou Noolimatairi (Clãs cunhados).

APAADAWATSA NEWIKI (Outras gentes mesmo)

Observação: todos aqueles que não falam baniwa e, sobre os quais dizem possuir outros costumes, como os diferentes povos que vivem no Alto Rio Negro, mas também fora desta região, a exemplo dos não-indígenas.