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O grupo local baniwa: as comunidades

AMAZÔNICO 55 2.1 CAPÍTULO 1 KOWAI, O JURUPARI BANIWA

3. PARTE 2: CLÃS-PARENTES E PESSOAS-PARENTES NO RIO AIAR

3.1 CAPÍTULO 2 CONTEXTUALIZANDO OS BANIWA DO RIO AIAR

3.1.1 O grupo local baniwa: as comunidades

Figura 3 - Croqui da comunidade de Santa Isabel elaborada por Antônio Cardoso Awadzoro. Podemos observar o centro comunitário, cuja porta de entrada direciona-se ao rio Aiari, e em sua órbita mais imediata, a igreja à esquerda, a escola à direita, campo de futebol abaixo e, em um segundo nível concêntrico, mais externo, as casas dos grupos domésticos.

Em todas as comunidades baniwa há um centro comunitário onde ocorrem as refeições coletivas diárias. Neste, situa-se um sino que, em Santa Isabel48, é costumeiramente tocado em três tempos pelo capitão, o

chefe local, mas que somente cessa de ser tangido quando a última pessoa chega. Durante estas refeições comunitárias que ocorrem todos os dias pela manhã e na maioria deles também no final da tarde, nota-se uma divisão de gênero importante com mulheres sentadas de um lado e homens de outro. Assim, o centro comunitário, no mingau ou no chibé49,

48 Gostaria de assinalar que esta descrição aqui se baseia na experiência

que tive na comunidade de Santa Isabel no rio Aiari por ser a comunidade onde passei a maior parte do meu tempo durante trabalho de campo. Mas é preciso apontar que pude notar variações nas diferentes comunidades baniwa onde já estive de passagem.

49 A nomeação destas refeições como sendo mingau e chibé é a

expressão de um recurso frequente entre os Baniwa, a saber, o eufemismo. Isso porque, na maioria destas refeições, há uma quantidade significativa de carne provinda da caça e da pesca, servidas moqueadas ou cozidas com pimenta. É como se o convite para a refeição, sob estas denominações, controlasse as expectativas demasiadamente otimistas, dado o grande valor que a proteína animal assume na alimentação baniwa. Isso parece justificado quando não há carne à disposição e, então, o que caracteriza a refeição é exatamente aquilo que

fica recortado segundo uma divisão de gênero, a qual se sobrepõe uma organização das pessoas por clãs. É importante apontar que as esposas nesta disposição levam em consideração os clãs dos maridos e não o seu próprio clã, posicionando-se o mais próximo possível do grupo de seu marido. As crianças de colo, independente do sexo, ficam com suas mães, as crianças que já andam (e correm) atravessam de um lado ao outro entre homens e mulheres, mais especificamente, entre seu pai e sua mãe, mas comendo com suas mães. Os jovens meninos entre 9 e 12, nem propriamente homens e tampouco considerados crianças, os que deveriam estar se preparando para a iniciação, em geral não frequentam o centro comunitário. Abaixo represento graficamente a disposição mais comum do centro comunitário da comunidade de Santa Isabel:

Figura 4 - Croqui do centro comunitário de Santa Isabel do rio Aiari.

lhe confere o nome: mingau quente pela manhã ou chibé refrescante no final de tarde.

Na disposição de casas do território aldeão, o clã Hohodene ocupa, a parte oeste do croqui, enquanto o clã Awadzoro ocupa o leste do croqui e, no meio, estão aqueles que intermedeiam os dois primeiros clãs. Este “entre” os Hohodene e os Awadzoro é ocupado pelas pessoas do clã Walipere, posição que lhes permite flutuarem com mais facilidade do que as pessoas destes outros dois clãs, o que se nota, por exemplo, no comportamento e disposição dentro do centro comunitário durante as refeições coletivas. Nestas circunstâncias, as pessoas do clã Walipere constantemente saem de seus lugares no meio e se sentam entre os Hohodene e também entre os Awadzoro. O mesmo não ocorre, pelo menos não com a mesma constância, com os Awadzoro e Hohodene que tendem a ficar mais fixos em suas posições nestas refeições. Inclusive, quando isso ocorre com pessoas Awadzoro e Hohodene, em especial, quando os velhos camaradas Gabriel e Júlio executam esses

atravessamentos no centro comunitário, investem em um formalismo cerimonial que os Walipere dispensam.

As mulheres, como disse, ficam o mais próximo possível dos clãs de seus maridos, como se elas próprias fossem dos clãs deles, sugerindo uma consanguinização de conjugues, processo que é realmente estabelecido a partir do nascimento do primeiro filho do casal. Esta é uma tendência geral que é somente rigorosamente seguida caso a mulher não viva na comunidade de seu pai. Ocorre que em Santa Isabel há uma forte relação de alianças matrimoniais, cunhadismo, interna à comunidade, o que não é o caso mais típico e paradigmático para as comunidades baniwa, tal como veremos nas seções seguintes deste capítulo. Considerando isso, em Santa Isabel o padrão virilocal baniwa pode coincidir com o uxorilocal. Ainda assim, a tendência da mulher é sentar-se próximo ao marido e não do pai, com algumas exceções. Descrevo dois dos casos mais exemplares que pude observar.

Madalena e Isaura, ambas mulheres do clã Hohodene, são primas paralelas (-kitsini) entre si, seus pais são irmãos. Madalena continuou a viver em Santa Isabel quando o seu pai se mudou para São Gabriel da Cachoeira. No período da mudança ela já estava casada com Antônio Awadzoro e permaneceu na comunidade, obedecendo o padrão virilocal. No centro comunitário, ela senta-se sempre o mais perto possível do marido, na direção do lado Awadzoro junto a sua sogra e as suas concunhadas. Isaura, por sua vez, Hohodene, filha mais velha de Gabriel, o mais velho dos homens Hohodene em Santa Isabel, senta na maior parte das vezes entre suas cunhadas, as esposas de seus irmãos, todas vindas de fora da comunidade e, portanto, mais próxima dos Hohodene do que dos Walipere, o clã do seu marido, onde estão sua sogra e suas cunhadas, irmãs de seu marido. Neste caso, a convivência das mulheres com seus parentes considerados consanguíneos (-kitsinape) parece frear o processo de consanguinização que se observa geralmente na esposa pelo marido. De qualquer forma, observa-se uma tendência geral que não se cumpre sempre, por motivos como o que apontei para Isaura. Sobre este último caso, vale a pena ainda algumas considerações adicionais, pois Jacinto, esposo de Isaura, é mais novo que ela, além do mais, ele é Walipere e este clã em Santa Isabel, enquanto cunhados dos Awadzoro e dos Hohodene, ocupa a posição dos afins fora de seu lugar. Os Awadzoro, na figura de Júlio, o fundador da comunidade, e de Gabriel que representa o clã com o maior contingente populacional na comunidade, polarizam as forças políticas da comunidade. Entre eles ficam os Walipere que, nesse contexto específico, a comunidade de Santa Isabel, parecem

politicamente menores. Na prática, é como se Jacinto cumprisse um padrão mais uxorilocal do que virilocal.

Podemos observar a partir da figura 4 que representa o centro comunitário de Santa Isabel que os bancos o contornam, o que facilita o modo de distribuição das refeições. No centro comunitário das comunidades, em geral, ninguém se serve50, mas é servido. As pessoas

aguardam os jovens de 16 e 20 anos que, designados pelo capitão da comunidade, distribuem os alimentos disponíveis em sentido horário e anti-horário, simultaneamente. O restante das pessoas aguarda sentado a comida com um pedaço de beiju nas mãos ou cumbucas, ou então, quando se trata do mingau e do chibé, com uma caneca, cuja falta é remediada pelo distribuidor que lhe oferece da bebida com a própria cuia com a qual executa sua tarefa. Primeiro, os distribuidores servem as pessoas de beiju e, então, uma roda de panelas cheia de carne passa por cada pessoa e, por fim, as bebidas. Estas últimas demoram mais, pois, em geral, há muito mais panelas de bebidas do que de comidas. Todas as panelas devem ser consumidas completamente durante uma refeição, o que não constitui nenhum problema para os pratos com peixe e caça que parecem nunca ser o suficiente. No entanto, o mesmo não se passa com as bebidas, por isso, os distribuidores insistem, mesmo quando alguns, na quarta ou quinta rodada, começam a recusar. Eu saía sempre, como todos, com o estômago dilatado.

Os jovens distribuidores são os únicos que servem a si próprios, antes de suspender as panelas e distribuir seu conteúdo, eles provam do alimento, preenchem o seu pedaço de beiju com carne, enchem uma caneca de chibé, para que, terminada a distribuição, sua refeição esteja garantida. A precisão nesta distribuição é notável, e não fortuitamente, pois é evidente que induzida diligentemente, nunca percebi alguém que tenha se sentido prejudicado. Segundo contaram os meus interlocutores, este modo de distribuição foi aprendido com Sofia Muller, a missionária protestante americana, que inspirou esta prática também nas comunidades não convertidas ao protestantismo. As vantagens são, segundo os Baniwa, uma distribuição mais justa e igualitária.

Enquanto a distribuição ocorre sem pressa, as mulheres, de um lado, conversam entre elas e, os homens, do outro lado, conversam entre eles. Por vezes, alguma mulher, as mais velhas em geral, intervêm de

50 Em Santa Isabel há situações atípicas em que as pessoas se servem.

Esta pode ser, por exemplo, uma cortesia aos convidados de uma outra comunidade, quando se pede a eles que, antes de todos, se direcionem à mesa das panelas e escolham o que lhes convir.

maneira jocosa na conversa dos homens, mas quase nunca se passa o contrário. Eles ocupam a maior parte dos bancos, falam mais alto e tornam-se um alvo mais fácil de intervenção do que as mulheres que falam um pouco mais baixo e estão mais concentradas em um único lado do centro comunitário. Assim, os homens, entretidos demais com eles mesmos, não parecem se interessar pela conversa delas em momento algum. Antes da distribuição dos alimentos, pode-se realizar conversas em tom mais sério e grave, discutir problemas comuns, realizar acordos, mas o tom predominante na refeição é de confraternização escancarada.

Não seria exagero apontar o centro comunitário como sendo a alma-coração (ikaale) da sociabilidade baniwa observada no cotidiano da comunidade. O centro comunitário é não somente o palco, mas, digamos, o laboratório das relações, onde elas são demonstradas, testadas e produzidas, e não somente a respeito da própria comunidade, mas em relação às outras comunidades e todas as gentes, humanas ou não, que a circundam. A demonstração das relações no centro comunitário, quando tratando das relações intracomunitárias, toma a forma de um formalismo, em que se é polido, diplomático, utilizando preponderantemente os termos de parentesco e seus vocativos, em detrimento dos adjetivos que podem vir à tona nas conversas privadas, tal como “sovina”, “mentiroso”, “invejoso”, “preguiçoso”. Parece, assim, que os termos de parentesco e os adjetivos se sobrepõe e motivam-se mutuamente e, então, em Santa Isabel, do ponto de vista dos Awadzoro, os donos da comunidade (idzakale iminali), os cunhados cognatos Walipere são frequentemente acusados de um certo comodismo em relação à comunidade e, os parentes co-afins, os Hohodene, ao contrário, são vistos como uma determinada concorrência no domínio político. Percepções que não são explicitamente expressas nas refeições coletivas.

O local da comensalidade e do ritual é, por excelência, o centro comunitário, tal como era antigamente o pátio da maloca, considerando a comunidade como a continuidade lógica do grupo local baniwa. A difração da maloca em casas, dentro de uma mesma comunidade, as torna somente parcialmente autônomas, isso porque esta autonomia é relativizada todo o tempo, dado o controle constante e rigoroso para que as refeições e as reuniões no centro comunitário ocorram sem se esvaziar da participação dos habitantes da comunidade e sem prejuízo em sua regularidade diária. As casas não são espaços públicos e se exerce um forte controle para que assim permaneçam, em grande medida para que não se esvazie o centro comunitário, este sim o espaço público baniwa oficial. De um modo geral, as casas não devem ser a sede de encontros e reuniões, onde somente parte dos habitantes da comunidade está reunida.

Lembro-me que certa vez recebi o convite de um homem hohodene para que fôssemos beber caxiri em sua casa. Ao ouvir tal convite, Júlio, o dono da comunidade, o repreendeu e orientou que bebêssemos todos no centro comunitário, pois este é o lugar apropriado para tal evento. Uma situação equivalente ocorreu em uma festa de santo na comunidade baniwa de Arapasso, no médio rio Içana, quando o dono da festa e capitão da comunidade, no meio da noite, com todos já estavam suficientemente bêbados e animados, parou a música para chamar contundentemente a atenção para que ninguém bebesse fora do centro comunitário. Incumbiu duas pessoas a assumirem o posto de fiscais percorrendo a comunidade, repreendendo os desgarrados a voltarem ao centro comunitário.

Nota-se nas comunidades baniwa um esforço para que o centro comunitário seja preservado enquanto o local comunal-ritual-comensal, tanto cotidianamente, quando o capitão toca o sino insistentemente para que todos se apresentem no centro comunitário para a refeição coletiva diária, quanto nas festas em que se controla para que as pessoas não se dispersem na comunidade, desestimulando o uso particular de caxiri nas casas. Isso é muito importante para se manter uma comunidade baniwa. Mas nem todas as comunidades são bem-sucedidas nesta tarefa, em especial as maiores que são alvos de uma série de críticas das pessoas baniwa que vivem em comunidades menores. Percebe-se nestas comunidades maiores que quando se começam a estabelecer “bairros” que exprimem subdivisões do grupo local, cujas famílias se encontram entre si para se alimentar, em detrimento das refeições comunitárias únicas e regulares, a comunidade entra em uma espécie de momento crítico, objeto de exames e julgamentos, dentro e fora dela. Momento pelo qual passa, por exemplo, a comunidade de Canadá, onde me hospedei por um período. Não parece ser à toa que com este fato, aliado ao efeito “bolsa família” e os outros benefícios sociais, Canadá tenha experimentado um decréscimo populacional importante nos últimos anos.

De um modo geral, os Baniwa ficam pouco em casa, pois estão na roça, no pátio, na escola e no centro comunitário. Quando estão em casa ficam mais frequentemente na cozinha, o que é ligeiramente diferente da casa. A cozinha fica fora da casa e é um espaço mais aberto, é comum que suas paredes sejam vazadas, isso quando há paredes. As casas que de dia ficam com as portas abertas, uma atrás e outra na frente, são constantemente visitadas pelos filhos e netos. As fronteiras entre doméstico e público que podemos vislumbrar por meio das casas são deliberadamente esmaecidas no centro comunitário que procuram exaltar um sentimento de coabitação e mutualidade. Mesmo com a disposição atual do grupo local (comunidade) formado por grupos domésticos

distribuídas em residências distintas, as pessoas baniwa estão atentas para que as casas não ameacem o caráter comunal da comunidade expressa no centro comunitário.

Obviamente, o espaço doméstico baniwa se configura como um espaço importante, mas acredito que o espaço público, leia-se centro comunitário, apresentado uma função coabitação que remonta à antiga maloca baniwa enquanto organização do grupo local, é onde os Baniwa investem a maior parte de sua energia. No centro comunitário, com todos reunidos, antes, durante e após as refeições é onde os diálogos ocorrem, os oradores performam suas histórias, os caçadores seus feitos, os velhos as suas preocupações, onde os informes são dados e os relatos de participação de assembleias fora da comunidade são realizadas, bem como as reuniões da escola, onde os visitantes de outras comunidades se pronunciam ao chegar. O centro comunitário é o lugar também no qual as diferentes festas ocorrem, quando então as pessoas dançam e cantam as velhas músicas dos clãs, munidas, algumas vezes, de seus instrumentos de sopro, como o japurutu, mawaco e cabeça de veado, mas também onde ocorrem os forrós que são, quando há gasolina para alimentar o motor gerador, amplificados por caixas de som. As festas que ocorrem no centro comunitário é uma boa oportunidade para as gozações entre cunhados, visitantes de outras comunidades, para a jocosidade e confraternização favorecida pelo padzawaro, a bebida fermentada, nas comunidades em que se faz uso dela, é onde as piadas relacionadas aos clãs ocorrem e quando também ocorrem os flertes, bem como, em menor proporção, desentendimentos e brigas. É o lugar em que a divisão entre os gêneros é mais evidente, quando no mingau e chibé homens sentam apartados de um lado e mulheres de outro, mas também o lugar no qual esta divisão se esmaece, durante as festas com bebidas fermentadas, com homens e mulheres dançando juntos.

Além do mais, o centro comunitário, no mingau e no chibé, é também o lugar onde a diferenciação geracional ganha contornos bem marcados. Os velhos detêm momentos de fala que se alongam mais do que o dos outros homens adultos, constituindo, às vezes, monólogos; os homens adultos estão também completamente à vontade, contudo, suas falas têm um caráter mais dialógico do que o dos velhos; por sua vez, os jovens falam pouco, ensaiando seus primeiros posicionamentos; e onde as crianças e os jovens rapazes, em fase de iniciação, não têm voz e, frequentemente, nem estão presentes. Em suma, ao centro comunitário atribui-se muita importância e nele podemos acompanhar muitos aspectos da vida comunitária baniwa serem demonstrados, testados, criados e recriados.

As refeições dentro das casas são realizadas frequentemente, antes ou depois da refeição coletiva, mas elas não concorrem entre si, pois que a refeição na casa não é dotada de tantos elementos quanto a refeição comunitária. Nota-se que esta última não é tanto (ou somente) sobre comida, mas sobre a sociabilidade, sobre a produção de uma comunidade e um sentimento de coabitação, sobre partilha, comensalidade e mutualidade, é, em suma, sobre manter-se uma comunidade. Contudo, é preciso apontar que, para os Baniwa, não basta estarem voltados em si mesmos, criando e mantendo uma comunidade a partir deles próprios, isso porque, frequentemente, eles não estão falando da comunidade, mas lidando juntos com o que está fora, nas outras comunidades, na floresta, no subterrâneo, nas águas dos rios e nos céus. Então, se enfatizei até o momento a partir do centro comunitário as relações intracomunitárias agora é necessário chamar à atenção as relações estabelecidas a partir da comunidade com o exterior. Pois no centro comunitário, os Baniwa estão frequentemente, refletindo e falando sobre os seus Outros, e, como registrou Clastres (2003) e Viveiros de Castro (2011), rindo e temendo a eles.

Quanto a isso, a comunidade (o grupo local) se apresenta como uma espécie de aliança entre parentes próximos contra as onças que rondam as casas, as cobras que podem infestar as roças, os botos que sobem o rio e estragam as malhadeiras e habitam os “sonhos feios”, contra os matsiara que espreitam da mata, contra os yóopinai que aparecem nos sonhos, contra os guerrilheiros das FARC vindos da Colômbia que aparecem no mato, contra os Brancos que podem lançar bombas de aviões ao sobrevoarem a terra indígena ou que estão marcando o pulso dos índios por meio dos caixas eletrônicos dos bancos, a propósito das averiguações biométricas, e também, contra os parentes inimigos donos de venenos (manhene iminali) de outras comunidades, os estrangeiros inimigos sopradores (hiwiathi iminali) de outras bacias de rio, como o Uaupés, os malignos pajés de outras etnias e contra os macumbeiros brancos e baré da cidade São Gabriel da Cachoeira e seus arredores. Todas essas preocupações eu pude ouvir nas conversas do centro comunitário. É, portanto, no centro comunitário que se discute diferentes tipos de preocupações, e onde a comunidade se articula e extrai uma espécie de unidade. Unidade instável, é verdade, pois é comum ouvir falar que alguns vão se mudar à cidade, ou então, abrir sua própria comunidade, mas de qualquer forma, uma unidade.

Pitarch (1996) descreve que, entre os Tzeltales, as fofocas entre as famílias de diferentes casas definem e afirmam a unidade doméstica, ou seja, as fofocas são realizadas dentro de casas sobre outras casas. No caso

baniwa, eu diria que as fofocas “mais fortes” e relevantes ocorrem no centro comunitário de uma comunidade sobre as outras comunidades. O