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AMAZÔNICO 55 2.1 CAPÍTULO 1 KOWAI, O JURUPARI BANIWA

3. PARTE 2: CLÃS-PARENTES E PESSOAS-PARENTES NO RIO AIAR

3.1 CAPÍTULO 2 CONTEXTUALIZANDO OS BANIWA DO RIO AIAR

3.1.4 Nexos do rio Aiar

Existem dois tipos diferentes de nexo no rio Aiari: um nexo exogâmico e um nexo endogâmico. O primeiro aponta para grupos de descendência territorializados em trechos do rio Aiari, baseados no parentesco agnático, entre os quais não se casa e, o segundo indica um contexto territorialmente mais amplo que abrange todo o rio, onde se observa as principais alianças matrimoniais estabelecidas pelos baniwa habitantes do rio Aiari. Os nexos exogâmicos estão indicados no quadro 1 pela gradação cromática que os distinguem uns dos outros, e no mapa ilustrativo 3, a seguir apresentado, pelos círculos menores em cor laranja, enquanto o nexo endogâmico está representado pelo próprio quadro que abrange a todas estas comunidades, ou o círculo maior em cor amarela que engloba todas as comunidades do rio Aiari.

Mapa ilustrativo 3 - Médio e Alto rio Içana e rio Aiari e os nexos exogâmicos e endogâmico do rio Aiari.

Fonte: Adaptado de FOIRN/ISA (2011).

Mais detalhadamente, por nexo exogâmico entendo um conjunto de comunidades ou sítios que, no rio Aiari, pode variar entre 3 e 7 destes grupos locais, contíguos e identificados por um clã, onde as pessoas se consideram -kitsinape kantsa, “irmãos verdadeiros” (consanguíneos), ou então, de clãs diferentes, mas de uma mesma fratria, considerando-se uns aos outros de -kitsinape, “irmãos” (consanguíneos). As comunidades e sítios (grupos locais) de um mesmo nexo exogâmico, cada qual autônoma politicamente, associam-se, conformando um espaço intercomunitário onde ocorrem trocas de informações, alimentos, bens e visitas, mas não trocas de mulheres, as quais se estabelece com comunidades de nexos exogâmicos distintos. Isto quer dizer que a exogamia se refere em realidade ao nexo e não à comunidade como se sugeriu no quadro 1.

A noção de nexo exogâmico que proponho foi inspirada naquela desenvolvida por Cabalzar (2008) para os Tuyuka sob a designação de “nexo regional” que, na letra do autor, define-se a partir de:

[...] um trecho de rio em que se sucedem vários grupos locais de um mesmo grupo de descendência exogâmico e, assim, formam o território de tal grupo naquele trecho do rio. Por exemplo, o nexo regional tuyuka do alto Tiquié. Nestes ambientes, prevalecem os parentes agnáticos, os intercâmbios rituais e a língua do grupo de descendência (p.26).

As noções de nexo exogâmico baniwa e de nexo regional tuyuka são semelhantes por fornecerem meios para descrever e compreender as relações agnáticas que os habitantes de um nexo possuem entre si em um dado território. Mas Cabalzar valoriza as relações internas ao nexo, enfatizando o parentesco agnático, da minha parte, pretendo valorizar, além deste plano, as relações entre os diferentes nexos exogâmicos do rio Aiari, com o intuito de compreender os casamentos realizados no rio Aiari58. A partir disso, defendo que os nexos exogâmicos baniwa se

definem, por um lado, pelo parentesco agnático - quando o que está em questão é a relação “entre si” dos habitantes de um nexo - e, por outro lado, pela aliança, em que eles se constituem enquanto unidades trocadoras, quando o que está em questão é a relação entre os nexos exogâmicos.

A partir disso, pode-se apontar que um homem baniwa do rio Aiari tende a buscar casamentos fora do seu nexo exogâmico, mas tende a não casar fora do nexo endogâmico do Aiari, se apoiando nas alianças já estabelecidas entre os afins e clãs afins deste rio. Enfim, descreverei nexos exogâmicos no rio Aiari que são vizinhos e afins entre si, os quais, em seu conjunto, configuram um nexo endogâmico que abrange todo o rio Aiari. É importante considerar os dois tipos de nexo como sendo igualmente válidos para descrever modalizações distintas, mas articuladas, da sociabilidade baniwa, bem como sua distribuição em um dado território.

Conforme o mapa ilustrativo 1, pode-se indicar no rio Aiari cinco nexos exogâmicos, sendo dois da fratria Walipere e dois da fratria Hohodene e um do povo Kubeo. Eles se intercalam, de modo que não há dois nexos exogâmicos de um mesmo clã ou fratria contiguamente posicionados. O primeiro nexo é walipere, localiza-se na região do baixo Aiari e, mais especificamente, no rio Quiari, ele é formado pelas comunidades de Santana, América e Urumutum Lago, esta última situada na foz do Quiari. Em seguida, o nexo exogâmico hohodene, entre o baixo e médio Aiari, formado pelas comunidades de São José59, o sítio Cará

58 Cabalzar definiu a noção de nexo regional diferentemente em dois

momentos de sua obra. Em um artigo (2000) definia o nexo regional como um campo mais abrangente de relações baseadas não somente na descendência patrilinear, mas também na aliança. Porém, esta noção de nexo regional que incluía a afinidade por meio da aliança, deu lugar, em seu livro (2008) a um nexo no qual predomina o parentesco agnático, enfatizando, portanto, a descendência patrilinear como o princípio de maior valor conceitual tuyuka. Não há qualquer consideração em seu livro sobre a mudança de abordagem.

Igarapé60, Xibarú, Miriti, São Joaquim, Santa Isabel e Macedônia. Este

nexo exogâmico reúne o maior número de comunidades no Aiari, mas não a maior população. Entre os seus grupos locais, cinco são do clã Hohodene, além de uma comunidade do clã Maolieni e uma comunidade do clã Awadzoro. Estes últimos dois clãs podem ser considerados como pertencentes à fratria Hohodene. Os Maolieni são considerados um clã servo (maakunai) dos Hohodene que é o clã chefe (enawinai) desta fratria. Por sua vez, os Awadzoro variam entre diferentes classificações, a depender da perspectiva. Para o clã Hohodene deste nexo exogâmico, o clã Awadzoro é um irmão mais novo (-mhererinai), mas, segundo eles próprios, eles são, enquanto clã, co-afins (-doenai) do clã Hohodene e, por isso, não seriam pertencentes à fratria Hohodene, mas chefes (enawinai) de sua própria fratria: os Awadzoronai.

O terceiro nexo exogâmico do Aiari é walipere, localizando-se no médio rio Aiari, formado pelas comunidades Canadá, Piraiwara Poço e o sítio Araripirá. Seguindo o curso do rio, o quarto nexo exogâmico é hohodene, localiza-se no que designarei de alto rio Aiari e possui a maior população e também o maior número de afins não baniwa. Ele é formado pelas comunidades Vila Nova, Inambú, Pana-Panã, Uapuí e Ucuqui. As duas primeiras comunidades são do clã Maolieni e as três últimas do clã Hohodene, valendo para elas os mesmos comentários a respeito das relações hierarquizadas entre clãs do outro nexo exogâmico hohodene. Este nexo é conformado por diferentes clãs, mas de uma mesma fratria, em que o clã Hohodene, que nomeia a fratria, são os chefes (enawinai) e os Maolieni, os seus servos (-maakunai).

Por último, há o nexo kubeo que é formado por uma única comunidade, Jurupari, a mais a montante no Aiari. Este nexo exogâmico é uma exceção de diferentes formas, sobre a qual não tenho condições de fornecer detalhes. Todavia, quero salientar que apesar da ausência de dados sobre os casamentos desta comunidade entre conjugues kubeo, o número de casamentos entre homens kubeo e mulheres baniwa é significativo, o que me permite tratá-lo como um nexo exogâmico da perspectiva dos Baniwa do rio Aiari.

Os Wanano e os Kubeo são, para os Hohodene, no Alto rio Aiari, afins tão importantes quanto os Walipere, o que é, como já apontei, uma exceção no panorama mais amplo dos Baniwa na bacia do rio Içana, onde predominam as relações afins entre fratrias/clãs baniwa. Por um lado, os Baniwa valorizam afins que falam a mesma língua, pois depreende-se disto uma menor distância quanto aos “costumes”, o que favorece

relações de afinidade com trocas mais equilibradas e menos conflituosas, mas por outro lado, normativamente nenhum impedimento recai sobre casamentos com estrangeiros (apadawatsa newikika).

Vejamos agora a composição detalhada dos nexos exogâmicos do rio Aiari que se consideram parentes consanguíneos relacionados agnaticamente. Para cada nexo apresentarei duas tabelas e um gráfico. A primeira tabela aponta a quantidade de indivíduos por clã do nexo em questão, a segunda expressa as alianças matrimoniais, levando em consideração a classificação que recai sobre clã de cada conjugue. O gráfico, ao invés de considerar como critério os indivíduos ou os casamentos, utiliza os grupos doméstico, i. e., famílias extensas sob a chefia de um homem, para demonstrar sua composição em porcentagem segundo classificação clânica. Isso significa que nos nexos exogâmicos da fratria Walipere todos os indivíduos do clã walipere são classificados como sendo consanguíneos (-kitsinape), tal como nos nexos exogâmicos da fratria Hohodene todos os indivíduos do clã hohodene são classificados como sendo consanguíneos (-kitsinape). A classificação clânica não considera, por exemplo, a tia paterna, que é uma afim terminológica (- koiro), como sendo de um clã afim, mas de um clã -kitsinape.

A ideia é, basicamente, demonstrar a saliência da classificação sociocentrada e do parentesco agnático para delimitar os nexos exogâmicos baniwa do Aiari, que proponho como categoria descritiva que pode ser útil a esta etnografia.

Tabela 2 - População de indivíduos por clãs nas comunidades no Nexo Exogâmico Walipere Baixo rio Aiari em 2013

* Pessoas baniwa cujos clãs não foram identificados. Fonte de dados brutos: SESAI/2013

Tabela 361 - Quantidade de alianças matrimoniais por clãs no nexo

exogâmico Walipere Baixo rio Aiari em 201362

Fonte de dados brutos: SESAI/2013

Gráfico 1- Grupos domésticos por categoria social do nexo Walipere Baixo rio Aiari em 2013.

Fonte de dados brutos: SESAI/2013

61 Agradeço a Paulo Vianna e a Alex Lima, respectivamente,

economista e estatístico, pela enorme contribuição na tabulação e organização destes dados quantitativos.

62 Nota explicativa: As cores definem a classificação das relações

matrimoniais estabelecidas, são elas: vermelho, consanguinidade; amarelo, co- afinidade; verde, afinidade. As linhas representam os clãs dos maridos e as colunas os clãs das esposas. Assim, os números desta tabela correspondem às relações e não aos indivíduos, ou seja, os números que aparecem sob a cor verde correspondem a casamentos entre conjugues de clãs afins, os números que aparecem sob a cor vermelha são de casamentos entre conjugues de uma mesmo clã ou de clãs considerados consanguíneos (-kitsinape), e os números sob a cor amarela são casamentos entre conjugues de clãs considerados co-afins.

AFIM 19%

CONSANGUÍ NEO 81%

3.1.4.2 Nexo exogâmico Hohodene Baixo e Médio rio Aiari Tabela 4 - População de indivíduos por clãs nas comunidades no nexo exogâmico Hohodene Baixo e Médio rio Aiari em 2013.

Fonte de dados brutos: SESAI/2013.

Tabela 5 - Alianças matrimoniais de clãs no nexo exogâmico Hohodene do Baixo e Médio rio Aiari em 2013

Gráfico 2 - Grupos domésticos por categoria social do nexo exogâmico Hohodene do Baixo e Médio rio Aiari em 2013

Fonte de dados brutos: SESAI/2013

3.1.4.3 Nexo exogâmico Walipere do Médio rio Aiari

AFIM 16% CO-AFIM 17% CONSANGUÍ NEO 67%

Tabela 6 - População de indivíduos por clãs nas comunidades no nexo exogâmico Walipere do Médio rio Aiari em 2013

Fonte de dados brutos: SESAI/2013

Tabela 7 - Alianças matrimoniais de clãs no nexo exogâmico Walipere do Médio rio Aiari em 2013

Gráfico 3 - Grupos domésticos por categoria social do nexo exogâmico Walipere do Médio rio Aiari

Fonte de dados brutos: SESAI/2013

3.1.4.4 Nexo Exogâmico Hohodene do Alto rio Aiari

Tabela 8 - População de indivíduos por clãs nas comunidades no Nexo Exogâmico Hohodene Alto rio Aiari em 2013

Fonte de dados brutos: SESAI/2013

AFIM 24% CONSA NGUÍNE O 76%

Tabela 9 - Alianças matrimoniais de clãs no nexo exogâmico Hohodene Alto rio Aiari em 2013.

Fonte de dados brutos: SESAI/2013

Gráfico 4 - Grupos domésticos por categoria social do nexo exogâmico Hohodene Alto rio Aiari

Fonte de dados brutos: SESAI/2013

AFIM 29% CO- AFIM 3% CONSA NGUÍN EO 68%

3.1.4.5 Nexo Exogâmico Kubeo

Tabela 10 - População de indivíduos por clãs nas comunidades no Nexo Exogâmico Kubeo do Alto rio Aiari em 2013

Fonte de dados brutos: SESAI/2013

Tabela 11 - Alianças matrimoniais de clãs no nexo exogâmico Kubeo Alto rio Aiari em 2013

Fonte de dados brutos: SESAI/2013

Gráfico 5 - Grupos domésticos por categoria social do nexo Kubeo Alto rio Aiari

Fonte de dados brutos: SESAI/2013.

CONSA NGUÍN EO 93% AFIM/ TUKAN O 7%

Quero chamar à atenção para um sistema de grupos de descendência territorializados, a partir do qual podemos nomear nexos exogâmicos de acordo com a habitação tradicional ou a predominância dos clãs que o habitam. Nesse sentido, nota-se que 63% dos indivíduos do nexo Walipere do baixo Aiari são do clã Walipere; 68% dos indivíduos do nexo Hohodene do baixo e médio Aiari são do clã Hohodene ou de clãs que podem ser considerados como pertencentes a esta fratria, os clãs Maolieni e Awadzoro; 64% dos indivíduos do nexo Walipere do médio Aiari são do clã Walipere e; por fim, 51% dos indivíduos do nexo Hohodene são da fratria Hohodene, divididos entre o clã chefe, os Hohodene, e o clã servo, os Maolieni. Todos estes indivíduos que pertencem a um mesmo clã ou fratria se consideram parentes -kitsinape, classificação que designei, nestas tabelas, como sendo o de parentes de clãs consanguíneos, em oposição aos parentes de clãs afins e mediados pelos clãs co-afins. Além do mais, podemos verificar os casamentos de acordo com este sistema territorialmente orientado.

Esta proporção da classificação de parentes de clãs -kitsinape para cada nexo exogâmico pode ainda aumentar se considerarmos, ao invés dos indivíduos, os grupos domésticos, identificando como critério o clã do homem chefe desta família extensa, tal como expresso nos gráficos. Seguindo o curso inverso do rio Aiari, indo da foz a sua cabeceira, notaremos que 81%, 83%, 76% e 71% dos grupos domésticos dos nexos, respectivamente, 1) Walipere Baixo rio Aiari, 2) Hohodene Baixo e Médio rio Aiari, 3) Walipere Médio rio Aiari, 4) Hohodene Alto rio Aiari, se consideram parentes -kitsinape entre eles. Estes números foram alcançados a partir da soma entre grupos domésticos que se consideram consanguíneos e co-afins, pois estes últimos podem se considerar como sendo de uma mesma fratria ao se designarem reciprocamente, com este intuito, de -kitsinape. Adiante veremos com detalhes esta reclassificação terminológica, por ora é suficiente apontar que ela ocorre.

Talvez esta seja uma demonstração muito detalhada, a partir de dados quantitativos, para apontar aquilo que a literatura por meio das etnografias na região vem exaustivamente assinalando: a saliência da classificação sociocentrada, i.e., do parentesco agnático, que se articula com a territorialização destes grupos de descendência patrilinear. Demonstrei que estes nexos exogâmicos estão compostos principalmente por pessoas e grupos domésticos do clã/fratria que utilizei como critério para defini-los. Com isso, pretendi chamar atenção também para a complexidade que a espacialização destes nexos de parentes agnaticamente relacionados podem atingir no rio Aiari, que é uma região considerada, por vezes, de modo indistinto (Garnelo, 2003, p.188). Isso

porque, este rio seria, segundo os Hohodene, o seu território tradicional exclusivo. Wright (1992), por exemplo, relata que os Hohodene explicam a presença Walipere no rio Aiari, porque eles, os seus moradores tradicionais, cederam-lhes terras, algo que os meus interlocutores walipere do Aiari não concordam. Independentemente desta divergência entre as perspectivas dos clãs Walipere e Hohodene, quero chamar atenção que, sob a atribuição de que o rio Aiari é de um único clã, podemos notar a complexidade de sua organização social, por meio de diferentes nexos exogâmicos Walipere e Hohodene, intercalados, além do nexo Kubeo, baseado em parentelas relacionadas agnaticamente e nas alianças matrimoniais que ocorrem entres elas.

3.1.5 Irmãos afins: o casamento entre pessoas do mesmo clã