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Conselho fiscal

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CAPÍTULO II – INTROITOS CONCEITUAIS, ESTRUTURAIS E

2.4 O FUNCIONAMENTO DOS ÓRGÃOS ESTRUTURAIS DAS COMPANHIAS E

2.4.3 Conselho fiscal

O quarto órgão componente da sociedade anônima cuja previsibilidade encontra-se insculpida em lei é o conselho fiscal. Sobre sua conceituação, características e funções, Fábio Ulhoa empresta suas prestimosas lições:

O conselho fiscal é órgão de assessoramento da assembleia geral, na votação de matérias atinentes à regularidade dos atos de administração da companhia. É, por outras palavras, o principal instrumento, conferido pela lei aos acionistas, de fiscalização da gestão da empresa. No desempenho de suas atribuições, o conselho requisita informações, examina documentos e opina sobre a legalidade e adequabilidade contábil dos atos da administração, tendo ao seu alcance todos os meios indispensáveis ao exercício de sua competência. Trata-se de órgão de existência obrigatória, mas de funcionamento facultativo. A aparente contradição dessa assertiva esvai-se com facilidade: a existência é obrigatória, no sentido de que não está condicionada a previsão estatutária; contudo, ele pode ou não estar em funcionamento, dependendo da vontade dos acionistas. Assim, ao contrário do que ocorre relativamente ao conselho de administração, o conselho fiscal existe, mesmo que omisso o estatuto. Se os acionistas, porém, reputam desnecessário o funcionamento do órgão, como instrumento auxiliar na fiscalização dos administradores, eles simplesmente não elegem os conselheiros. Nesse caso, o conselho está desativado, embora exista e possa ser ativado a qualquer momento. Só em duas hipóteses o conselho fiscal tem funcionamento permanente: nas sociedades de economia mista (LSA, art. 240), ou se prevista a permanência no estatuto (art. 161).176

O conselho fiscal, como se pode observar nas lições de Fábio Ulhoa, é o órgão que mais cria possibilidades de se fiscalizar qualquer ato administrativo feito de forma inadequada ou ímproba por parte da administração. Com a abertura dessa possibilidade de fiscalização pelos sócios, o panorama dentro da empresa, se for da vontade dos acionistas, pode ser de total harmonia, já que as deliberações da assembleia geral e do conselho de administração serão executadas pela diretoria e esses três órgãos podem até representar os acionistas majoritários e sua vontade. Na maioria das vezes, os minoritários, através do voto múltiplo ou do acordo de acionistas, por exemplo, podem chegar a integrar o conselho de administração e exigir integrar o conselho fiscal para pelo menos acompanhar de perto os atos administrativos no dia a dia da empresa.

Porém, se essa parcela acionária de minoria ficar inerte, visando somente ao lucro, despreocupada com os rumos que toma a administração da companhia, não comparecendo às assembleias, não participando de alguma forma dos conselhos ou da diretoria, não reivindicando os poucos direitos que lhe assistem, realmente o que tende a ocorrer é que a parte acionária majoritária goze de amplos poderes e administre a companhia a seu bel-prazer, ou seja, favorecendo seus interesses próprios e nem sempre os interesses corporativos, os interesses da sociedade em geral.

Mas, se os acionistas minoritários se unirem em acordo de acionistas, tanto para votar em conjunto nas assembleias gerais (ordinárias e extraordinárias), quanto para exercer o voto múltiplo no conselho de administração ou na diretoria e ainda compuserem parte do conselho fiscal, é totalmente possível que os minoritários façam parte, efetivamente, da administração da companhia e ajudem a ditar os rumos desta. Com as brechas que a lei dá, mesmo tendo menor poder dentro da sociedade, mesmo tendo menos condição de agir e de fazer parte da administração ou pelo menos da fiscalização da administração da companhia, os acionistas minoritários têm condição de atuar concretamente e buscar a prevalência de seus direitos, não só opinando e votando nas assembleias, mas integrando de alguma forma um ou outro órgão de gerência da companhia (conselho de administração, conselho fiscal ou diretoria).

Os limites do conselho fiscal são definidos. Esse conselho não é um órgão que delibera as atividades que devem ser executadas pela diretoria, tampouco pode dirigir a companhia naquilo em que ela estiver errando. O seu papel é o de observar, de ser mero fiscal, e não de substituto dos órgãos administrativos, quando estes vierem a falhar. Não lhe cabe, portanto, fazer o chamado juízo de valor, tampouco intervir ou mensurar a devida conveniência e oportunidade de um ou outro ato da administração. Cabe a ele perceber e apontar as irregularidades, as discrepâncias, aquilo que exceda ao que foi deliberado, as predileções que os administradores possam estar fazendo em relação a uns acionistas em detrimento de outros. Ou seja, o conselho fiscal é o custus legis da companhia.

Ele pode ter dois tipos de papel fiscalizatório diferentes. O primeiro apontando atos regulares, que estão de conformidade com aquilo que foi estabelecido e deliberado pela assembleia e pelo conselho de administração, mas que flagrantemente estão causando prejuízo econômico à companhia. Nesse caso, o conselho de fiscalização poderá opinar no sentido de rejeitar as contas daquele ato administrativo, mesmo tratando-se de um ato lícito, mas que trouxe consequente prejuízo econômico para a companhia. Por outro lado, o conselho também pode atuar e apontar atos incoerentes e estranhos às deliberações da assembleia, mas que não

trouxeram efetivo prejuízo econômico à sociedade. Nesse segundo caso, o problema está no ato contrário às deliberações em si e não no prejuízo efetivo.

Outro ponto importante a ser ressaltado é que a atuação do conselho fiscal é somente interna, fiscalizando e apontando problemas dentro da administração da companhia. Ou seja, os destinatários de seus apontamentos serão sempre outros órgãos internos da companhia, como, por exemplo, apontar um ato de improbidade de um diretor para que a assembleia geral tome conhecimento e o puna. Nesse sentido, sábias são as lições de Fábio Ulhoa, que afirma ser melhor a ponderação que a precipitação:

De outro lado, o conselho tem atuação interna, exclusivamente interna. Os destinatários de seus atos são, sempre, outros órgãos sociais. Nem o conselho nem o conselheiro podem tomar a iniciativa de divulgar sua opinião sobre a irregularidade de qualquer ato. Se descobrem erros, fraudes ou crimes, perpetrados por qualquer administrador ou empregado da companhia, devem comunicá-lo aos órgãos de administração, e, quando omissos estes nas providências para a defesa do interesse social, à assembleia geral (LSA, art. 163, IV).177

O conselho fiscal se compõe de no mínimo três e no máximo cinco membros. Esses membros têm que ser eleitos, brasileiros e devem ter formação superior ou grande conhecimento empresarial, não podendo ser eleitos para esse conselho quem participar já da diretoria ou do conselho de administração, e ainda não podem ser eleitos aqueles que, embora não participem de nenhum órgão da companhia, façam parte dela, do mesmo grupo de interesses que os que estão ocupando cargos dentro dos órgãos administrativos.

Outra importante informação sobre o conselho fiscal que só demonstra como a lei objetiva cada vez mais a tutela das minorias acionárias de grandes companhias é que esse conselho fiscal, se não estiver em funcionamento, pode ser colocado em atividade em qualquer assembleia geral (ordinária ou extraordinária), mesmo que o tema não esteja na pauta do dia e seja lançado no momento dos debates. Nas companhias abertas, com o pedido de 2 a 8% dos acionistas votantes ou 1 a 4% dos acionistas não-votantes, é possível instalar permanentemente o conselho fiscal de uma companhia até então inativo, por exemplo.

Ulhoa, por fim, trata das eleições dos conselheiros e do sistema diferenciado criado para favorecer as minorias na participação do conselho:

O processo de composição do conselho fiscal compreende a realização de três eleições, em separado: a) a dos representantes (titular e suplente) dos preferencialistas sem direito a voto, ou com voto restrito; b) a dos representantes (titular e suplente) dos minoritários com direito a voto, quando possuem menos de

10% (dez por cento) do capital votante; c) a dos representantes (titular e suplente) do acionista controlador, sempre em maioria no conselho fiscal.

(...)

A tripartição do procedimento eleitoral, para a composição do órgão de fiscalização, visa, óbvio, tutelar os interesses da minoria acionária, assegurando-lhe participação no acompanhamento dos atos de gestão da sociedade. Tanto assim que o acionista controlador não pode, exibindo as ações preferenciais que eventualmente possua, pretender participar da eleição em separado do representante da minoria. O objetivo de assegurar a representação minoritária no conselho fiscal, contudo, muitas vezes é frustrado pela atuação da chamada minoria amigável, ou seja, acionista ou acionistas que formalmente não integram o bloco de controle, mas que colaboram com este, ao participarem das eleições em separado. Não há mecanismo jurídico que possa eficientemente contornar esse tipo de manipulação dos controladores (cf. Bulgarelli, 1988: 92/102; 1998).178

Ecio Perin fala sobre quanto o conselho fiscal é importante, principalmente em S/A abertas, quando se trata do tema da governança corporativa implementada na empresa. O autor afirma ainda que, dentro desses princípios que norteiam a boa governança corporativa, no fato de o conselho fiscal poder eleger um representante das minorias acionárias e um representante dos preferencialistas sem voto, encontra-se o reflexo da intenção que a legislação tem de, aos poucos e gradativamente, democratizar ainda mais a administração societária. Afirma ainda que no Brasil são mais utilizadas as auditorias independentes, cuja previsão legal e de obrigatoriedade constam do art. 177, § 3° da LSA. Sobre as auditorias independentes, Ecio Perin ainda assevera:

Basicamente, o trabalho realizado pelos auditores independentes é o de apurar, por meio de levantamentos contábeis, a autenticidade das demonstrações financeiras preparadas pela diretoria, informando se correspondem de fato à realidade financeira da sociedade.

Com efeito, nas companhias abertas a auditoria independente vem ganhando maior importância. A Lei n. 6.385/76, ao criar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), estabeleceu no art. 26 que os auditores independentes de companhias abertas deveriam ser registrados na CVM, para poderem auditar as demonstrações financeiras e balanços patrimoniais daquelas companhias.

(...)

De fato, os auditores independentes funcionam como entidades que dão suporte à CVM na busca de dotar o mercado do maior grau de confiança possível com relação às demonstrações financeiras das companhias que desejam captar recursos do público em geral.

(...)

Entendemos que se procurou com isso fortalecer não só o mercado de capitais, mas todo o meio empresarial do país, fornecendo aos que nele atuam os instrumentos necessários e suficientes para o conhecimento mais adequado da situação patrimonial e financeira, dos resultados das operações e da origem e aplicação dos recursos das sociedades por ações em geral e das companhias abertas em particular, e, indiretamente, levando todo esse processo de evolução às sociedades limitadas, já que a legislação fiscal também a elas estendeu os critérios contábeis da atual Lei das Sociedades por Ações.179

178Idem. p. 230. 179Op. cit. p. 76 e 77.

É muito importante compreender a diferença entre os auditores financeiros independentes (e o papel que eles têm dentro e fora da companhia) e os conselheiros fiscais. Em primeiro lugar a diferença básica: os auditores são profissionais da área econômica que são remunerados para prestar serviços para as empresas; já os conselheiros, mesmo sendo remunerados, necessariamente são acionistas da empresa, o que não pode ocorrer com os auditores (estes não podem estar ali representando seu próprio interesse particular, por isso não podem ser acionistas). Em segundo lugar, cumpre salientar que os conselheiros fiscais, sendo acionistas, têm muito mais um papel político definido que um papel técnico de apurar contas, de fazer balanços, de atestar demonstrações financeiras, como é o caso dos auditores.

Os conselheiros “demarcam seu território” – antes de mais nada. Se são do grupo dos preferencialistas sem voto, privilegiam e tendem a combater uma administração que não seja voltada a esse tipo acionário. Se fazem parte dos minoritários votantes, tentam adquirir mais poderes, mais direitos, mais cargos e mais adeptos às suas causas. Se fazem parte do poder controlador, tentam combater as minorias, fazendo com que a marca de sua administração seja impressa na companhia e que isso traga privilégios não só para a companhia, mas para seus próprios interesses. O auditor independente não possui posição política definida, a princípio; seu trabalho é técnico.

Outra importante diferença que deve ser ressaltada é a do controle interno e externo. O conselho fiscal só tem poder interno, ou seja, todos os problemas notados na administração só podem ser encaminhados para outros órgãos da administração. Nunca um conselheiro, sabendo de um erro, fraude ou crime, pode ir diretamente à CVM ou à Receita Federal e fazer uma denúncia, privilegiando-se de sua posição dentro da empresa. Por outro turno, o auditor independente deve, tem a obrigação de levar ao conhecimento das autoridades competentes aquilo que perceber de ilícito nas contas da companhia, já que para ser auditor a condição sine qua non é estar devidamente registrado na CVM. O auditor é chamado independente primeiro por não manter vínculo de emprego com a comissão – quem o remunera é mesmo a companhia que o contrata. Mas também é independente desta, pois, além de não ser acionista, tem uma relação de obrigação e subordinação com a CVM, sempre tendo que prestar contas dos ilícitos encontrados nas empresas que auditorar.

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