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5. OS CONSELHOS DO FUNDEB E A GESTÃO DEMOCRÁTICA:

5.1 CONSELHOS GESTORES NO BRASIL: ORIGENS E PROCESSOS

A análise do caso brasileiro precisa levar em consideração a realidade de um País que ficou imerso, durante mais de vinte anos, numa ditadura militar38, onde os espaços de participação da sociedade civil foram suprimidos e compulsoriamente ocupados pela burocracia estatal, por meio de instituições oficiais opressivas e autoritárias, a serviço de um de governo antidemocrático e distante das demandas da sociedade em geral.

O início do processo de redemocratização - no fim na década de 1970 - foi marcado pela participação de diversos setores sociais, partidos políticos, entidades de classe, que representavam os anseios da população em prol da volta da democracia ao Brasil, em intensas lutas e movimentos reivindicando liberdade e o fim do regime autoritário.

Estas lutas por anistia aos perseguidos políticos do regime e pela volta das eleições livres e diretas, em todos os níveis de governo, foram emblemáticas neste

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O Regime Militar durou 21 anos, iniciado com o Golpe de 31/03/ 1964 e encerrado oficialmente em 15/01/1985 com a eleição indireta de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral composto por deputados e senadores do Congresso Nacional.

processo de mobilização da sociedade brasileira. Envolveu diversos setores organizados, marcando o retorno em definitivo da redemocratização em 1985, com a eleição de Tancredo Neves para Presidência da República. Neste contexto surgiram vários movimentos de reivindicação da participação dos segmentos sociais no conjunto das políticas públicas necessárias ao desenvolvimento da Nação.

Os conselhos gestores entraram de forma significativa na agenda pública a partir da experiência participativa de conselhos populares ligados aos movimentos sociais nas décadas de 1970/1980, e que tiveram papel fundamental no processo de redemocratização, justamente por proporcionar, (ainda que de maneira tímida, por comportar apenas alguns setores sociais mais organizados e politizados), a volta da participação da sociedade civil nos processos de discussão sobre a agenda pública. Estes conselhos eram vinculados diretamente aos diversos setores organizados da sociedade civil, que lutaram pela volta da democracia e funcionaram como canais de reivindicação para dar voz aos diversos segmentos sociais.

A retomada da democracia fez com que alguns desses setores reclamassem e lutassem por mais espaços participativos e democráticos. Importante ressaltar, que estes conselhos populares possuíam um caráter reivindicativo e de pressão sobre governos e órgãos da administração pública, mas não tinham o poder de deliberar e/ou fiscalizar ações estatais, por serem ligados exclusivamente aos movimentos sociais.

Faltava ainda a institucionalização jurídica e reconhecimento da sua legitimidade para que estes canais participativos passassem a fazer parte da gestão das políticas e programas sociais. (ARRETCHE, 1999)

Podemos identificar três tipos de conselhos: (1) aqueles criados (e controlados) diretamente pelo poder executivo com o objetivo de estabelecer uma mediação direta com segmentos organizados da sociedade; (2) os populares ligados aos movimentos sociais organizados voltados para a conquista de espaços de participação popular (através de mobilização e pressão) e (3) os conselhos gestores institucionalizados e reconhecidos juridicamente criados por lei e responsáveis pela participação da sociedade civil juntamente com segmentos governamentais no acompanhamento e fiscalização dos programas sociais. (GOHN, 2007)

Este último modelo foi adotado, a partir da Constituição Federal de 1988, para atuar como canais institucionais de participação social no âmbito das políticas públicas contemplando as demandas por mais participação e controle da sociedade

civil sobre os programas sociais. Em alguns casos funcionam, inclusive, como fatores de condicionalidade para o recebimento dos recursos e repasses federais, como o Fundeb, por exemplo.

Suas estruturas e composição são alinhadas com as especificidades de cada área social e voltadas para garantir a participação dos representantes do governo e da sociedade civil organizada. Essas esferas funcionam como arenas decisórias e fiscalizadoras, onde representantes do Estado e da sociedade interagem, discutem e deliberam, num ambiente repleto de conflitos, tensões e consensos a respeito do acompanhamento, fiscalização e controle sobre os programas sociais e alocação dos seus recursos. (GONH, 2007). Segundo Teixeira (2004, p.692): “Na atualidade, a constituição de conselhos tem sido percebida como a abertura de espaços públicos, de participação da sociedade civil, caracterizando a ampliação do processo de democratização da sociedade”

A composição dos conselhos gestores varia de acordo com a área e o programa; ou seja, os representantes da sociedade são escolhidos de acordo com os segmentos envolvidos em cada área temática. Os conselhos de educação, assistência social, saúde e comissões de empregos, têm suas composições estabelecidas e estruturadas em função das suas especificidades, mas sempre contemplando os representantes do poder público e dos diversos setores sociais envolvidos com a área temática

Os atuais conselhos gestores são considerados como instituições mais evoluídas, do ponto de vista político-institucional, em relação aos seus correlatos populares que contavam com representantes ligados exclusivamente à sociedade civil organizada, e sua força participativa consistia apenas em movimentos puramente reivindicatórios sustentadas por “grupos de pressão” 39

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Os conselhos atuais possuem existência jurídica e reconhecimento legal do Estado, têm assento garantido nas arenas decisórias e legitimação da sociedade. Possui desenho institucional, atribuições pré-definidas, estatuto/regimento - para escolher e definir o número de seus membros - e dirigentes, além do período pelo qual responderão pelo conselho. As suas reuniões são de caráter periódico e são registradas através de atas oficiais. (ARRETCHE, 1999).

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Entendam-se como grupos organizados, voltados e capazes de exercerem pressões sistemáticas e objetivas sobre as três esferas de governo .(GOHN, 2007).

Estas esferas participativas foram criadas na CF/1988 para garantir a participação da sociedade nas políticas sociais, mas vários estudos (MELO, 1996; ARRETCHE, 1999 e 2004; DAVIES, 2006 e GUIMARÃES, 2009) mostraram que isto não foi suficiente, uma vez que tanto a gestão pública local como a sociedade civil ainda não se encontravam preparadas para utilizar e ocupar adequadamente estes canais participativos.

Estes estudos citados acima mostraram que a gestão e os conselhos não estavam atuando com autonomia e de forma articulada, muito pelo contrário; em muitas localidades, o poder local buscava se apropriar e/ou tutelar os espaços dos conselhos com o objetivo de deixá-los a mercê dos seus próprios interesses. Além disto, também registraram que a baixa tradição de participação da sociedade brasileira associada aos baixos indicadores de escolaridade da população em geral, juntos, fazem com que as pessoas não tenham a noção exata da importância de participar e acompanhar as ações do governo municipal e os programas sociais fora de períodos eleitorais e não se interessem por este processo.

Nosso estudo se debruça sobre a questão da autonomia da gestão educacional e dos conselhos do Fundeb, justamente com o objetivo de identificar se houve melhora em relação à articulação entre estas duas esferas administrativas e se a sociedade participa de forma mais efetiva nestes espaços de acompanhamento e fiscalização da aplicação dos recursos do fundo, como pressuposto e indicativo de presença de democracia na gestão da educação local.

Os conselhos gestores, de uma forma geral, surgiram como uma novidade positiva dentro da agenda política e social brasileira, mas por outro lado, por conta da grande dimensão e das significativas desigualdades regionais explícitas e/ou latentes do nosso País, assumiram formas bastante desiguais em relação ao seu papel, configuração e atribuições.

As especificidades e configurações locais, num País com grandes desigualdades econômicas e sociais em todas as regiões com seus 5.570 municípios, podem influenciar e/ou serem influenciadas de várias formas diferentes pelo conjunto de ações sociopolíticas próprias das esferas municipais. Em função disto, precisamos considerar que um determinado programa educacional pode apresentar resultados e efeitos diversos em função das condições políticas e sociais onde foi executado.

Os conselhos também podem contribuir funcionando como canais de inclusão de comunidades e/ou grupos sociais, normalmente excluídos dos processos de participação e, ainda, servir como indutores da cultura democrática na gestão municipal. Mas, por outro lado, também podem ser objeto de cooptação por parte de determinadas elites locais interessadas na desmobilização dos movimentos sociais organizados, isso tudo em função de interesses do poder político e econômico local. (DOMBROWSKI, 2008; LUCHMANN, 2008)

Vários problemas já foram identificados, associados e listados às grandes dificuldades encontradas para a participação da sociedade em esferas municipais, entre eles a pouca familiaridade do brasileiro com processos participativos, o custo de oportunidade dos cidadãos para participar, a ausência da qualificação e/ou formação adequadas para o exercício das atividades, a falta de transparência das gestões públicas locais, a cooptação dos conselhos pelos interesses locais, as deficiências nas estruturas de pessoal e física dos conselhos, a falta de recursos próprios, entre tantas são apontadas por especialistas e estudiosos como obstáculos a serem superados que ainda funcionam como barreiras que comprometem os efeitos positivos esperados para a educação básica. (MELO, 2003; LUBAMBO e COELHO, 2005).

A baixa participação social também pode ser associada à pouca tradição cívica da nossa sociedade, que além de não ter vivido muitas experiências participativas, ainda se encontra bastante carente de incentivos voltados para as pessoas participarem da vida política e social do País mais ativamente e não só durante processos eleitorais, como ainda hoje é comum.

Como exemplo, citamos os resultados do estudo sobre Conselhos do Fundef em Municípios da Região Metropolitana do Recife, mostrando que, mesmo entre os conselheiros, apenas 25% deles também eram ligados a associações, partidos políticos e/ou entidades representativas de classe. É importante observar que mesmo participando de diversos encontros, atividades e reuniões próprias de esferas participativas municipais, os conselheiros ainda assim apresentaram percentuais modestos de participação em outras atividades associativas. (GUIMARÃES e COUTINHO, 2007)

A relação entre participação e associativismo é vista como um importante vetor de democracia. Grupos sociais que apresentam índices elevados de associação a entidades representativas e/ou partidos políticos tendem a participar

mais ativamente dos processos da vida política e social das suas comunidades e, por consequência proporcionam um ambiente mais favorável ou confortável para o exercício efetivo da democracia. (PATEMAN, 1992).

Outro grande obstáculo identificado a ser enfrentado se refere ao custo de oportunidade dos representantes do conselho para participar das reuniões e fiscalização. Na verdade existe uma assimetria sobre este custo entre os representantes do governo, que têm as atividades do conselho inseridas entre suas obrigações profissionais e dentro da sua carga horária de trabalho, e os demais representantes dos outros segmentos sociais que lidam com uma realidade bem diferente, uma vez que precisam encontrar horários e/ou alternativas após seus expedientes de trabalho para estarem presentes nas reuniões e/ou demais atividades dos conselhos.

Em muitos casos ainda são obrigados a arcarem com os custos financeiros de transporte e alimentação. Assim, facilmente se constata que existe uma desigualdade considerável entre membros do governo e da sociedade para participar, com estes últimos tendo que arcar um custo de oportunidade bem mais elevado. (DAVIES, 2006)

Alguns estudos identificaram dificuldades relacionadas com a baixa qualificação ou formação inadequada dos membros para o desenvolvimento das atividades e atribuições do conselho e pouca estrutura (pessoal, física e financeira) mostrando o quanto estas esferas participativas e democráticas funcionam de forma inadequada, e/ou improvisada, em boa parte de municípios pelo Brasil. Existe também uma preocupação excessiva sobre aspectos relacionados à organização burocrática e a rotina administrativa destas esferas em detrimento, até certo descaso mesmo em relação à importância política desta esfera participativa responsável pela presença da sociedade nos processos decisórios e de acompanhamento e fiscalização da aplicação dos recursos do fundo. Estes descasos por boa parte das gestões municipais brasileiras não combinam com expectativas geradas em torno do papel dos conselhos e seus efeitos positivos sobre a qualidade dos programas sociais. (TATAGIBA, 2005; DOMBROWSKI, 2008; LUCHMANN, 2008).

Nosso estudo trata de algumas destas questões e confirma que diversos problemas, como a questão da qualificação adequada para o desenvolvimento das atividades, não comparecimento às reuniões e falta de comprometimento dos conselheiros, são impeditivos para um melhor funcionamento do conselho. Isto

independente do porte ou tamanho do município. Identificamos outros problemas significativos em relação ao funcionamento dos conselhos em articulação com a gestão educacional local, que serão devidamente abordados no capítulo 6 que traz as análises dos dados coletados.