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Conselhos de Imprensa como “MARS ideal”

No documento Responsabilidade social da mídia (páginas 125-131)

4 Referenciais Teóricos e Contextuais

4.8 Accountability: responsabilização e prestação de contas

4.8.3 Conselhos de Imprensa como “MARS ideal”

Bertrand (2002) aponta a atuação dos Conselhos de Imprensa como mecanismos ideais para assegurar a Responsabilidade Social das instituições de comunicação. Idealmente, os Conselhos de Imprensa não funcionam como instrumentos inibidores ou coibidores da atuação jornalística. Em muitos casos, as instituições de comunicação são as primeiras interessadas em se filiar, em financiar e em cumprir as determinações, pois os Conselhos se propõem a aturar como agências promotoras do entendimento entre as partes, evitando-se a via mais custosa, que são as ações na Justiça. Alguns Conselhos funcionam quase como um tribunal civil, recebendo queixas, exarando pareceres e sentenças. Por vezes, um dos requisitos consiste exatamente em que a parte ofendida concorde em não entrar na Justiça, abrindo espaço à negociação, ou preferindo a punição que venha a ser deliberada pelo colegiado.

Os modelos adotados em experiências internacionais de promoção da responsabilidade social da mídia poderiam ser aproveitados, guardado as devidas proporções (âmbito, localidade, financiamento) à realidade brasileira. Os Conselhos de Imprensa buscam ser instrumentos eficazes de intermediação na relação Público-Imprensa-Público, servindo de monitoramento e reparação em casos de erros da imprensa. Analisando o campo de atuação, John Hulteng, no livro Os desafios da comunicação: problemas éticos, afirma que os Conselhos utilizam-se de uma boa arma, a publicidade frente à força dos tribunais, mas acabam por ter suas atuações limitadas:

Os Conselhos de Imprensa, em qualquer nível, têm uma força limitada simplesmente por não possuírem poderes de imposição. Eles podem publicamente repreender um infrator, o que causa um certo impacto; [...], mas os piores agressores dos padrões éticos são aqueles que parecem dar menos atenção às admoestações, públicas ou não, a menos que o órgão repressor esteja também numa posição de aplicar sanções mais rigorosas. [...] Um aspecto positivo dos conselhos pode ser o entendimento mútuo que se origina do intercâmbio de opiniões nas reuniões dos conselhos envolvendo os membros da comunidade e os administradores dos meios de comunicação. Esse aspecto não pode ser encarado como insignificante, mas não pode ser excessivamente valorizado” (HULTENG, 1990, p.34).

A opinião de Hulteng é próxima a de Claude-Jean Bertrand, que levando em conta as limitações das atuações do MARS considera que "alguns críticos parecem ter partido da premissa de que eles eram uma panacéia, por isso se decepcionaram com os resultados”. Porém, segundo Bertrand (2002, p.55), “o fato de não curarem todos os problemas da mídia não significa que não são eficazes, pois podem ajudar muito a mídia melhorar se contarem com mais apoio e financiamento  ou se forem, simplesmente mais bem conhecidos". A existência de Conselhos de Imprensa não deve ser o único mecanismo de reparação de queixas, pois sua atividade pode ser insuficiente para reparar todos os eventuais danos morais causados por um comportamento aético ou a questões relacionadas à necessidade de desconcentração de propriedades nas instituições de comunicação. Contudo, a existência dessa esfera de intermediação pode coibir possíveis infratores e auxilia na reparação e encaminhamento de queixas dos usuários da mídia. Ademais, há necessidade de complementaridade entre os MARS e a operação do direito e das leis, conforme a tabela abaixo, baseada na

atuação do Conselho de Imprensa de Quebec (Canadá), demonstrando vantagens comparativas às atividades dos Tribunais.

Tabela 5. Dados comparativos da atuação da justiça com os conselhos de imprensa ideais

Tribunais Conselhos de Imprensa

Regras para queixas Restritivas Amplas

Jurisdição em Media Cases Estreita Ampla

Regras de procedimento Rígidas Regularmente alargadas

Envolvimento direto de advogados Quase sempre Raramente

Custos ao queixoso Regularmente

alto

Baixo

Natureza das possíveis sanções Multas/ Prisão Publicidade

Fonte: PRITCHARD, D. The Role of Press Council in a System of Media Accountability: The Case

of Quebec in Canadian Journal of Communication, vol. 16, 1991.

Mesmo em localidades que mantém a atuação de MARS já consolidados, há casos em que os tribunais judiciais continuam sendo endereço certo de possíveis queixas de dano moral. Em outras experiências de Conselhos de Imprensa, como em Minnesota (EUA) e na Austrália, o reclamante se compromete a limitar a queixa ao Conselho, não a levando ao âmbito judicial durante a apreciação do órgão. Por outro lado, na Suécia, tanto o cidadão pode encaminhar sua queixa ao Conselho de Imprensa como pode ingressar simultaneamente com processo na justiça. Na Inglaterra, desde 1991, a PCC (Press Complaints Commission, Comissão de Recebimento de Queixas) realiza a intermediação de reclamações somente após contato inicial insuficiente do queixoso com o editor da instituição de comunicação acusada. Ou seja, com esse tipo de atitude, os conselhos não visam apenas a punição, mas a defesa do ofício da informação e a construção de

procedimentos baseados nos princípios deontológicos da atividade jornalística. O monitoramento das ICs por um Conselho composto por 16 membros (sete editores representantes da imprensa nacional, regional e local e nove membros do público, entre os quais o presidente) torna os debates e decisões mais práticas e flexivéis se comparada à estrutura do Poder Judiciário. O relatório de apresentação da PCC ainda aponta que: “for the industry self-imposed rules are likely to have

greater moral force than legal rules imposed by the State. (...)Compared with legislative restrictions, self-regulation is easily and immediately accessible, fast and flexible in operation, independent of Government and the Courts”91, ou seja, “as

regras auto-regulamentadas pelas indústrias tem uma força moral maior que as impostas pelo Estado. Comparada com as limitações legislativas, a auto-regulação é facilmente e imediatamente acessível, rápida e flexível na operação, independentemente do governo e das cortes”.

Apesar das variadas formas de MARS, os Conselhos de Imprensa, quando bem estruturados, parecem ser o mecanismo que reúne mais possibilidades de atuação eficiente, pois podem preservar as instituições de comunicação de interferência estatal indevida e proteger o público de um serviço equivocado por serem entidades permanentes e independentes que reúnem os empresários que possuem os meios de informação, os jornalistas, que têm a habilidade de informar e os cidadãos, que têm o direito a serem informados corretamente. Sem direito de coagir, essas entidades dependem inteiramente da cooperação desses três grupos, fazendo com que funcionem plenamente como órgãos de arbitragem, de

encaminhamento e intermediação de queixas e reparações de erros e falhas. Além de, também, promoverem a discussão sobre o papel da mídia, incentivando a participação dos cidadãos com a constante realização de debates, palestras e cursos.

No período de 1977-1980, a Unesco instituiu a Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas de Comunicação (conhecida posteriormente pelo nome do membro-presidente, Sean MacBride), composta por intelectuais procedentes de 16 países que buscavam estudar "a totalidade dos problemas de comunicação dentro das sociedades modernas". Na ocasião, há quase trinta anos, foram classificadas como normas de conduta profissional: os códigos deontológicos, os conselhos de imprensa e de comunicação social, e o direito de resposta e retificação. Segundo o relatório final da Comissão MacBride, “um vasto, denso e instigante documento, ainda que contraditório em muitos pontos por conta da heterogeneidade política dos membros da comissão de alto nível que o escreveu” (RAMOS, 2005, p. 246), existiam no mundo cerca de 50 Conselhos de Imprensa/Comunicação, que mesmo com formas de atuação e inserção diferenciadas tinham um ponto comum: o papel de “(...) tribunal de honra que exerce papel auto-regulador”. Após o levantamento de informações, a Comissão MacBride aprovava a atuação dos Conselhos e sugeria que a "atuação generalizada de tais organismos contribuiria para a suspensão progressiva das deformações da informação e estimulariam a participação democrática, duas condições indispensáveis para o futuro da comunicação" (UNESCO, 1983, p.45).

Assim sendo, definir uniformemente o que vem a ser Conselho de Imprensa torna- se difícil, salvo de maneira negativa. Em 1996, o número computado havia diminuído para 22 experiências no mundo. Pouco, se comparado à existência de, segundo a Organização das Nações Unidas, à época, 168 nações. Os Conselhos de Imprensa variam sua composição entre público, jornalistas e empresários, mas mesmo com diversidade na composição e nas atribuições gerais, exercem uma função comum, todos os conselhos visam preservar a liberdade da imprensa

“contre les menaces directes et indirectes qu´un gouvernement fait peser sur elle. Ils s'efforcent tous à aider la presse à assurer sa responsabilité sociale et d´obtenir ainsi le soutien de l'opinion publique dans son combat pour l'independence”

(BERTRAND, 1997, p. 70). Desta maneira, de forma referencial, o Conselho de Imprensa da Austrália (Australian Press Council, APC), por exemplo, é mantido pelas instituições de comunicação, desde 1976. O país conta com 16 milhões de habitantes e tem dois jornais nacionais, dez metropolitanos e 38 regionais. O Conselho, que foi fundado após discussões entre proprietários de jornais e a Associação de Jornalistas Australianos, julgou, em trinta anos de atividade, mais de 850 reclamações, dando razão parcial ou total aos queixosos em aproximadamente 45% dos casos. A maioria das críticas se refere à inexatidão das reportagens. O queixoso se submete a abrir mão do direito de ação judicial, ou seja, se submete às ações do Conselho sem precisar, num primeiro momento, buscar a justiça comum.

4.8.4 O modelar Minnesota News Council e a multiplicidade de Conselhos no

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