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Regulação, co-regulação e auto-regulação

No documento Responsabilidade social da mídia (páginas 33-42)

As instituições de comunicação desempenham uma essencial tarefa numa sociedade democrática como instrumento de livre formação da opinião pública, influenciando na maneira como as pessoas compreendem os acontecimentos históricos e contribuindo decisivamente “no nível de informação e de conhecimento dos cidadãos sobre os assuntos públicos (...) porque constituem um instrumento importantíssimo na promoção e na generalização da cultura, bem como na difusão de valores sociais” (CARVALHO; CARDOSO; FIGUEIREDO, 2005, p.265). Diante de tamanha centralidade e relevância, a existência de marco legal das atividades da mídia se justifica pela necessidade de assegurar o equilíbrio entre os interesses públicos e privados, e a intervenção do Estado deve basear-se na “promoção e protecção da liberdade de expressão e de informação, mas também em qualquer circunstância pela salvaguarda dos valores constitucionais que possam ser afecatos pela comunicação social (CARVALHO; CARDOSO; FIGUEIREDO, 2005, p.265). Contudo, as instituições de comunicação, que tendem a ver como cotidiana a regulação de outras atividades econômicas, costumam manifestar resistência a atividades reguladoras em seu próprio setor, utilizando-se de discurso receoso à censura estatal de outrora, quando questões relacionadas à mídia são expostas publicamente. Pesquisa realizada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (2007) com 53 jornais de todas as Unidades da Federação do Brasil, além de quatro revistas de circulação nacional, no período 2003 a 2005, sobre a cobertura acerca da temática

Políticas Públicas de Comunicação24 aferiu a insuficiente visibilidade do tema, principalmente nos jornais e revistas que têm interesses cruzados, isto é, que também são coligados a emissoras de radiodifusão. A pesquisa demonstra que há uma considerável editorialização da cobertura sobre as Políticas Públicas de Comunicação, sendo publicados textos em espaços como editoriais, artigos e colunas (25%), com um especial foco nas propostas de regulação apresentadas com o aval do Poder Executivo (Conselho Federal de Jornalismo e Ancinav, por exemplo). O material informativo (reportagens e entrevistas) publicado geralmente (62% dos casos) é pautado nas declarações de uma fonte, preferencialmente “no âmbito do do governo e das empresas — e, no outro lado da moeda”, há “conseqüente desvalorização da sociedade civil como voz relevante nesse debate” (ANDI, 2007, p. 187). Apenas 16% do material publicado oferece “opiniões divergentes — resultado que fica distante do esperado, principalmente quando lembramos que estamos falando de um debate com tamanha polarização e complexidade” (ANDI, 2007, p. 187).

Como resposta a muitos intentos reguladores, internacionalmente a proposta de auto-regulação (ou auto-regulamentação) das instituições de comunicação surge como alternativa a ser implementada por parte dos empresários. O presidente do grupo Impresa e do Conselho Europeu de Editores25, Francisco Pinto Balsemão

24 O estudo parte de duas premissas: a primeira, de que a “mídia é um ator relevante para a

sociedade contemporânea e, portanto, também deve ser (...) accountable e passível de controle democrático”; e a “segunda, de que as comunicações são um tema central para os Estados Nacionais e, desta forma, deveriam ser objeto de Políticas Públicas específicas”, abordagens sintetizadas na verificação de como “os guardiões guardam a si mesmos?” (ANDI, 2006, p. 8). 25 The European Publishers Council is a high level group of Chairmen and CEOs of European

acredita nos mecanismos de auto-regulação, sabendo que estes não se constituem como “solução única e milagrosa”, mas como “caminho maduro, indispensável e democrático”, enfatizando que produzir mais legislação e criar mais órgãos reguladores pode gerar “sintomas de limitação à liberdade de informação”, preocupando-se pelo que considera uma “fúria regulamentadora européia” que incide sobre o setor “como se fosse um menino que nunca cresce e que tem de ser sempre acompanhado por um tutor”26. De toda maneira, estudo publicado recentemente pela International Clearing House on Children, Youth and

Media, entidade com sede na Suécia, criada e promovida pela Unesco,

manifestado no artigo “Regulation, awareness, empowerment”27 demonstra que as experiências de auto-regulação por parte das instituições de comunicação têm falhado no que se refere ao acompanhamento da programação dirigada a crianças e adolescentes, situação expressa na “metáfora dos cuidados do galinheiro nas maõs de raposas”28 O estudo demonstra que nos países de maior Índice de Desenvolvimento Humano, a regulação do conteúdo, em mecanismos como a Classificação Indicativa está consolidada, não havendo conflito conceitual entre liberdade de expressão e proteção dos direitos das crianças e adolescentes.

online database publishers. Many EPC members also have significant interests in commercial television and radio. The EPC is not a trade association, but a high level group of the most senior representatives of newspaper and magazine publishers in Europe. The EPC was founded in January 1991 with the express purpose of reviewing the impact of proposed European legislation on the press, and then expressing an agreed opinion to the initiators of the legislation, politicians and opinion-formers. Disponível em: <http://www.epceurope.org>. Acesso em: 12 nov. 2007.

26 Disponível em: <http://linhasdeelvas.net/2004/asps/news/one_news.asp?IDNews=1034>. Acesso em: 27 dez. 2007.

27Disponível em:

<http://www.nordicom.gu.se/common/publ_pdf/232_Regulation_Awareness_Empowerment.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2007.

28 Utilizada por Veet Vivarta, secretário-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) no artigo “Chega de Censura!”, publicado na p. 16 do Correio Braziliense de 25 de junho de 2007.

Assim sendo, regular a mídia traz algumas dificuldades associadas a como garantir e balizar a liberdade de expressão com a existência de outros direitos (de personalidade e proteção à infância, por exemplo) com o advento de novos desafios tecnológicos que põem em xeque a exclusiva competência dos Estados Nacionais diante do cenário internacional de transformação e convergência tecnológica com a, por exemplo, crescente troca de informações pela internet. Nesse sentido, vale ressaltar a importância dos MARS associando-os a uma perspectiva de auto-regulação — compreendida como um conjunto de ações que fiscalizam a prática de normas estabelecidas voluntariamente, na qual todos se submetem quando são implantadas e cujos resultados são apresentados ao público — e de co-regulação, denotando uma responsabilidade compartilhada entre a mídia e o poder público, combinando elementos de automonitoramento com posterior acompanhamento do Estado e do Mercado. Nessa perspectiva, o Poder Público promove a interação entre autoridades que propõem metas e as instituições reguladas que adotam o conjunto de medidas nos prazos necessários para o cumprimento dos objetivos firmados.

Nos últimos anos, a União Européia tem promovido debate sobre auto-regulação, tomando como referência o trabalho feito por organizações que atuam na publicidade29 e sobre co-regulação, que podem se constituir como medidas

29 Em 2004, a EASA (European Advertising Standard Alliance) numa reunião que contou com a presença de 130 participantes em representação dos principais anunciantes, agências e instituições de comunicação, assinou acordo para a promoção de um modelo de boas práticas e auto-regulação, cuja iniciativa visa comprometer e envolver a indústria européia da publicidade numa rede de auto-regulação. Em linhas gerais, o documento tem como “princípios a cobertura por parte dos sistemas de auto-regulação de todas as formas de publicidade (...); o financiamento adequado e sustentado por parte de todos os agentes envolvidos e a existência de códigos

complementares à regulação tradicional. O estudo sobre as medidas de co- regulação na mídia (encomendado pela Comissão Européia, órgão executivo da UE) foi realizado pelo Hans-Bredow Institut da Universidade de Hamburgo (instituto dedicado a pesquisas sobre a mídia) e concluiu que, geralmente, as instituições de comunicação precisam de incentivos para aderir a um regime de co-regulação, sendo que a “existência de um regulador estatal em plano de fundo tem, muitas vezes, por efeito dotar os organismos de auto-regulação do poder de que necessitam para trabalhar eficazmente”30. Além disso, segundo a investigação, para que um sistema de co-regulação seja viável, são necessários meios suficientes para fazer cumprir a regulamentação, tais como sanções adequadas e proporcionais. A pesquisa também considerou que a transparência e a abertura são vitais para proporcionar confiança nos mecanismos, sobretudo quando os órgãos responsáveis pela regulação são independentes do Poder Executivo, ou quando não estão envolvidos grupos de interesse. O estudo examinou as diferentes abordagens da co-regulação colocadas em prática na Europa em duas áreas importantes: a proteção das crianças e adolescentes e a publicidade, frisando o impacto de ações consorciadas entre o Estado, os dirigentes e as profissionais das instituições de comunicação. Dessa forma, a abrangentes e efectivos na prática da publicidade”, também prevendo “uma consulta alargada com as partes interessadas durante o desenvolvimento dos códigos e a necessidade de ter em consideração o envolvimento de personalidades independentes e não-governamentais na adjudicação dos processos de queixas”. O novo documento estipula “ainda uma gestão eficiente dos códigos e das queixas de uma forma independente e imparcial por um organismo de auto- regulação criado para esse efeito”. Disponível em: <http://www.apan.pt/?ref=detnot&id=401>. Acesso em: 12 dez. 2007. No Brasil, o órgão auto-regulador da publicidade é o CONAR (Conselho Nacional de Auto-regulamentação Pubicitária) que desde 1980 fiscaliza o cumprimento do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária. Disponível em: <www.conar.org.br>. Acesso em 13 nov. 2007.

30 Disponível em: <http://www.itd-tdi.org/pt/pubs/rapid/ip0701382007020600.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2007.

auto-regulação e a co-regulação são, portanto, encorajadas pela Comissão Européia na Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual (Diretiva 2007/65/EC) substitutiva da DTSF. A nova Diretiva faz referência explícita à auto e à co-regulação da mídia, com o artigo 3º determinando que os Estados-Membros encorajem “os regimes de co-regulação nos domínios coordenados pela presente directiva. Tais regimes terão de ser largamente aceites pelas principais partes interessadas e prever um controlo efectivo do seu cumprimento”31. Durante a apresentação dos resultados da pesquisa do Hans-Bredow Institut, Viviane Reding, Comissária responsável pela Sociedade da Informação e Midia felicitou os resultados, que para ela confirmaram a sua “convicção de que a auto e a co- regulação oferecem hoje alternativas muito reais às abordagens legislativas tradicionais no sector dos meios de comunicação”, avaliando que “se tais modelos de auto e de co-regulação forem credíveis e eficientes, a Comissão Européia encorajará a sua utilização”, principalmente para o ambiente on line32. Entre outros bons exemplos de práticas contemporâneas de auto e de co-regulação na União Européia, Reding referiu-se à assinatura pelos operadores de comunicações móveis, de um acordo-quadro europeu sobre a utilização mais segura dos telefones celulares por crianças.

A internet tem motivado ações de co-regulação entre empresas e representantes do Poder Público. Na França, diante da inviabilidade de um controle estritamente

31 Disponível em: <http://register.consilium.europa.eu/pdf/pt/07/st10/st10076-re06.pt07.pdf>. Acesso em: 02 jan. 2008.

32Disponível em:

<http://europa.eu/rapid/pressReleasesAction.do?reference=IP/07/138&format=HTML&aged=1&lan guage=PT&guiLanguage=en>. Acesso em: 12 nov. 2007.

estatal, o relatório Du droit et des libertés sur l'internet (Do direito e das liberdades na Internet), propôs a criação de medidas co-reguladoras com o entendimento entre os poderes públicos, os participantes da auto-regulação privada, e os usuários da Internet, “aos quais convém oferecer um local de discussão e de debate aberto (...) que teria uma função de recomendação, de alerta, de informação e de mediação”33. Na Espanha, onde o Estado mantém a competência de regulação da mídia nas mãos do Executivo sem a existência de um organismo nacional regulador (embora haja experiências regionais relevantes como será apresentado adiante), a co-regulacão estabelecida com a criação de um código de conduta determinado por autoridade reguladora e pelas instituições de comunicação poderia ser uma ação combinada interessante porque contaria “con

la supervisión, y con la sanción por incumplimiento, si fuera necesaria, de la autoridad reguladora”, segundo Josep Maria Carbonell i Abelló, presidente do

Conselho Audiovisual da Catalunha (CAC)34. Carbonel reitera que a criação de uma conselho regulador para a Espanha, coordenando a atuação dos conselhos regionais, seria um avanço decisivo na defesa dos interesses dos telespectadores, especialmente de crianças e jovens diante da ineficácia do código de auto- regulação e do comitê de auto-regulação estabelecido por parte das emissoras de radiodifusão e Governo em dezembro de 2004,35 mas ineficazes até o momento,

33 Relatório publicado em juho de 2000, Disponível em: <http://www.ambafrance.org.br/abr/label/label41/dossier/09.html> e <http://www.internet.gouv.fr>. Acesso em: 12 nov. 2007.

34 Durante sua participación no XXI Congresso Internacional da Facultad de Comunicación da

Universidad de Navarra. Disponível em:

<http://www.unav.edu/fcom/noticias/2006/11/10cicom03.htm>. Acesso em: 13 mai 2007.

35 Em 9/12/2004, as operadoras de televisão de transmissão para toda a Espanha (TVE, Antena 3, Tele 5 e Canal +) assinaram o “Código de autorregulación de contenidos televisivos e infancia. En ese mismo acto, dichos operadores firmaron con el Gobierno un acuerdo para el fomento del

não se produzindo nenhuma mudança nos conteúdos transmitidos, mesmo nos horários protegidos. Em 2004, o OFCOM, entidade reguladora britânica para a mídia, divulgou o documento “Criteria for promoting effective co and self-

regulation”36, determinando os critérios adotados e as práticas de auto-regulação e de co-regulação37. O texto foi resultado de um processo de consulta pública que envolveu inúmeras entidades, estabelecendo os princípios a seguir: a) o mecanismo de co-regulação deve traduzir-se numa efetiva melhoria para os consumidores; b) a divisão de responsabilidades e a repartição de atribuições entre os mecanismos de co-regulação e de regulação formal devem estar claramente definidas; c) as partes que integram a sua constituição devem incluir representantes da indústria mas também personalidades independentes. A estrutura de funcionamento do sistema de co-regulação deve ser independente de qualquer entidade sectorial; d) o financiamento e a equipe técnica responsáveis pela operacionalização do sistema devem ser os mais adequados; e) as sanções devem ser eficazes, efetivas e, eventualmente, com mais consequências mais graves para o transgressor, nomeadamente inibindo-o do exercício da atividade; sendo que a fiscalização do desempenho dos organismos de co-regulação será feita pelo OFCOM através da definição de critérios de avaliação, tais como o grau

mencionado código, al que posteriormente, en noviembre de 2005, se sumaría la cadena privada de televisión Cuatro”, o código de auto-regulação buscou conciliar os objetivos econômicos (e de audiência) das televisões com a garantia da proteção aos menores sancionada pela própria Constituição Espanhola e promovida por organizações da sociedade civil, que cobram a implementação efetiva dos Código de auto-regulação de contéudos televisos e infância. Disponível em: <http://www.icono14.net/revista/num7/articulos/carmen%20garcia%20galera.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2007.

36Disponível em: <http://www.ofcom.org.uk/consult/condocs/co- reg/promoting_effective_coregulation>. Acesso em: 13 jan. 2008.

37 Realizada por meio de parceria Estado-Sociedade, percebida como “accredited self regulation.

de satisfação dos consumidores ou a rapidez na resolução dos casos38. A Comissão Européia considera, por conseguinte, que a auto-regulação e a co- regulação, compreendida como a combinação de regulação estatal e não estatal “podem ser uma maneira de combater o risco cada vez maior de fracasso das abordagens tradicionais e devolverão a responsabilidade à sociedade e às partes interessadas, quando adequado”39. Assim sendo, os mecanismos de regulação, de co-regulação e de auto-regulação não são excludentes, podem ser aplicados de forma combinada, levando em conta as normas jurídicas e deontologias associadas às práticas mediáticas, afinal, “a actividade reguladora não se pode compreender sem ser baseada num triunvirato: regulação, co-regulação e auto- regulação” e o modelo de regulação tem de ser “um caminho de cultura, que tem passos para dar, e não se pode fazer por decreto”40.

38 Disponível em: <http://www.apan.pt/?ref=detnot&id=401>. Acesso em: 14 jan. 2007.

39Disponível em

<http://europa.eu/rapid/pressReleasesAction.do?reference=IP/07/138&format=HTML&aged=1&lan guage=PT&guiLanguage=en>. Acesso em: 15 jan. 2008.

40 Análise de Luís Landerset Cardoso, presidente do Obercom (Observatório da Comunicação. Disponível em: <http://linhasdeelvas.net/2004/asps/news/one_news.asp?IDNews=1034>. Acesso em: 11 jan. 2008.

3. Construindo o objeto de pesquisa: abordagem teórico-

No documento Responsabilidade social da mídia (páginas 33-42)