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Mídia, Liberdade de Expressão e Concentração de Propriedade

No documento Responsabilidade social da mídia (páginas 69-75)

4 Referenciais Teóricos e Contextuais

4.4 Mídia, Liberdade de Expressão e Concentração de Propriedade

Estudar o funcionamento das instituições de comunicação se faz tarefa essencial, pois “é necessário, em primeiro lugar, o reconhecimento de que mídia é um fator central da vida política contemporânea e que não é possível mudar este fato” (MIGUEL, 2002, p.158). Porquanto, a idéia de independência frente aos poderes políticos ou econômicos pelas instituições de comunicação tem sido cada vez mais posta em xeque por pesquisas acadêmicas. Em artigo clássico de 1924, denominado Sociologia da Imprensa, Max Weber questionava em que medida a “crescente demanda de capital significa um crescente monopólio das empresas jornalísticas existentes” (WEBER, 2002, p.189).

Em estudo realizado no início da década de 1990, Ben Bagdikian (1995) demonstra o quanto historicamente, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, tem havido uma concentração de propriedade com a formação de cadeias jornalísticas e oligopólios de comunicação que afetam o conteúdo editorial veiculado. Segundo o autor, de 1983 a 1991, o número de corporações que controlavam a mídia nos EUA havia diminuído de 50 para 23, contribuindo para que seja criado um silêncio que se estende às notícias e aos comentários nos principais jornais, revistas e noticiários de rádio e televisão. Robert McChesney, em seu livro Rich Media, Poor Democracy (1999) argumenta que a mídia, longe de promover bases sólidas para a democracia, tem se tornado uma força antidemocrática significativa nos EUA e, de variados níveis, em todo o mundo. McChesney defende a idéia de que as instituições de comunicação, ao serem

propriedade de grandes conglomerados estão se afastando cada vez mais da promoção de uma democracia participativa. O livro Rich Media, Poor Democracy expõe mecanismos de funcionamento da mídia, questionando mitos tais como a idéia de que as instituições de comunicação "give the people what they want”. McChesney recomenda uma mobilização política para reestruturar a mídia e restabelecer sua conexão com a democracia.

O ambiente contemporâneo de atuação e a natureza das ICs estão muito distintos se comparados ao ambiente histórico de formação da imprensa. Afinal, o mercado como afirma o professor Salvador M. Lozada se transformou muito, estando distante o tempo em que “los costos originales de um nuevo médio eran pocos

significativos. Las cosas son decididamente otras en el presente siglo y serán sin duda en el venidero” (LOZADA, 1998), à medida que, como decidiu a Corte

Suprema dos Estados Unidos na sentença Miami Herald versus Tornillo (1974), “los periódicos se han transformado en grandes empresas y son ahora mucho

menos para servir a una mucho más grande población analfabeta (...)” e o

resultado destas mudanças tem sido colocar em poucas mãos o poder de informar a população e de formar a opinião pública, de forma que “muchas de las opiniones

vertidas en editoriales y comentarios que se imprimen, provienen de estas redes nacionales de información y, como resultado, tiende a haber una homogeneidad de estas opiniones”. Assim, os eventuais abusos destas reportagens manipuladas

podem ser resultados da grande acumulação de poder pelos conglomerados de comunicação.

Conceitualmente, no que tange à relação direta entre ICs e salvaguarda dos valores democráticos, torna-se necessário perceber que as próprias liberdades necessitadas pela mídia e a ela oferecidas que serviram bem a pelo menos parte da sociedade, diante de interesses comerciais, podem estar a ponto “de serem destruídas por essa própria mídia em sua ostentosa maturidade” (SILVERSTONE, 2002, p.265). Concomitante ao modelo liberal que privilegia a livre iniciativa sem a interferência do Estado há potencial risco relacionado à exacerbação das políticas de cunhos meramente individualistas que podem se constituir como “uma ameaça à liberdade tanto como qualquer ideologia autoritária” (SILVERSTONE, 2002, p.275).

No Brasil, a preocupação associada ao reflexo dos interesses dos proprietários das ICs já estavam presentes nas reflexões dos profissionais de imprensa que atuavam no início do século XX. Austregésilo de Athayde, na Conferência Os

problemas do jornalismo no Brasil, proferida em dezembro de 1938, definia

liberdade de expressão como a necessidade de “elucidação dos acontecimentos” e “livre concorrência das opiniões”. Porém o autor já apontava que, se por um lado, a imprensa se constituía como um reflexo direto das condições do meio, “o mais fiel espelho do complexo social”, por outro, a partir da evolução tecnológica estaria se transformando numa indústria com necessidades tirânicas, pois o “progresso material creou tremendas imposições de ordem economica e financeira, cuja proporção bem se estabelece collocando o prelo antigo, com os typos de madeira ou de chumbo, ao lado das portentosas rotativas”, desaparecendo “a figura do jornalista apostólico, alheio aos resultados

economicos de seu esforço, para surgir em lugar delle o homem de negócios, que deve permanecer atento aos variados interesses que asseguram a vitalidade e o desenvolvimento da sua empreza” (ATHAYDE, 1939, p.20).

Em 2002, levantamento do Instituto de Pesquisas de Comunicação de Porto Alegre, coordenado por Daniel Herz60, revelou que a concentração de propriedade das emissoras de televisão e rádio e jornal nas mãos dos grandes grupos havia quase dobrado na década de 1990 e que, ao contrário de expectativas, a entrada da internet não ajudou a democratizar as instituições de comunicação no país que ostenta, segundo a pesquisa, um dos piores quadros do mundo. O levantamento também conclui que, números à parte, o principal efeito da concentração de propriedade nas instituições de comunicação é o condicionamento cultural e comportamental do público. Em 2005, estudo do professor Venício Artur de Lima divulgado no site do Núcleo de Estudos de Mídia e Política da UnB revela a conexão existente na propriedade das concessões de rádio e tevê e parlamentares. Segundo o pesquisador, dos 513 deputados federais, pelo menos 49 tem envolvimento direto na direção de rádios ou tevês no Brasil61. Investigação posterior realizada por Israel Bayma comprova a relação que, mesmo sem levar em consideração o envolvimento indireto de parentes ou de correligionários, 31,12% das emissoras de rádio e televisão no Brasil são controladas por políticos e, em alguns estados, metade ou quase a metade das emissoras de rádio estavam sob controle de políticos (2006). Pesquisa divulgada pela organização

60 Disponível em: <http://www.igutenberg.org/atualconcentra.html>. Acesso em: 14 jan. 2003. 61 Disponível em: <http://www.unb.br/ceam/nemp/deputados.htm>. Acesso em: 05 dez. 2005.

Transparência Brasil em janeiro de 2008 revela que 11% dos deputados federais, 28% dos senadores e 7% dos deputados estaduais ou distritais têm direta ou indireta autorização para explorar a radiodifusão, índice de envolvimento que atinge máximos indicadores entre os deputados federais pelo Rio Grande do Norte (50%), os senadores nordestinos (52% do total) e os deputados estaduais do Piauí (23%)62.

Em relação à concentração crescente de propriedade da mídia, César Bolaño, um dos idealizadores da União Latino-americana de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura63, afirma a importância de uma “análise genealógica de reconstrução histórica que faça compreensível as contraditórias condições sociais, acadêmicas e político-culturais que determinam o alcance do pensamento emancipador em comunicação” (BOLAÑO, 2005, p.27). Essa medida também seria útil para promover o “questionamento das formas de posicionamento e compromisso social da teoria com a práxis dos movimentos sociais” (BOLAÑO, 2005, p.29).

Diante das transformações empresariais nas ICs, John B. Thompson avalia que as formulações referentes ao princípio de liberdade de expressão devem ser relacionadas não apenas em relação à atuação do Estado, mas também diante da ameaça surgida do crescimento incontrolado das “indústrias dos meios de

62 Pesquisa publicada pelo Correio Braziliense na edição de 18 de janeiro de 2008, p.3 Disponível em: <http://www.transparencia.org.br/index.html>. Acesso em: 12 fev. 2008.

63 Cujo site www.eptic.com.br (Economia Política de las Tecnologias de Información y

comunicação como interesses comerciais” (1995, p.30). Como forma de balizar as pressões por parte do Estado e do Mercado, o autor estabelece a necessidade de criação de ações baseadas no princípio de “pluralismo regulado”, que requerem duas medidas concretas “a desconcentração dos recursos nas indústrias da mídia e a separação das instituições da mídia do exercício do poder estatal”, instrumentos conceitualmente próximos aos Meios de Assegurar a Responsabilidade Social da Mídia, que serão apresentados sobretudo a partir da obra de Claude-Jean Bertrand.

No documento Responsabilidade social da mídia (páginas 69-75)