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Exemplos de regulação

No documento Responsabilidade social da mídia (páginas 183-191)

4 Referenciais Teóricos e Contextuais

5. Análise e resultados

5.2 Exemplos de regulação

No continente europeu, a criação de Conselhos de Comunicação, compreendidos como organismos de regulação da mídia, se intensifica a partir dos anos 1980, conexa ao fim de monopólios estatais na radiodifusão126, relacionada às deliberações da União Européia e influenciada por novas situações econômicas, políticas e tecnológicas que justificam sua existência, segundo o professor Vital Moreira127, da Universidade de Coimbra, por cinco razões:

a) a existência de falhas de mercado, que caberá à regulação atenuar; b) a garantia constitucional de um serviço público de rádio e de televisão; c) a proteção dos direitos de resposta e de retificação; d) a salvaguarda de outros direitos fundamentais, tais como o bom nome e a reputação; e) a atenção à difusão de discursos que não podem ser tolerados mesmo numa democracia liberal, como o discurso de “incitamento ao ódio”. As entidades criadas geralmente são dotadas

126O Reino Unido foi o primeiro país europeu onde o monopólio televisivo estatal foi quebrado. No ano de 1955, “foram autorizadas a emitir 15 sociedades privadas dispersas pelo conjunto do território e exclusivamente financiadas pelas receitas publicitárias. Seguiu-se a Itália, onde na seqüência de duas sentenças do Tribunal Constitucional (1974 e 1976), se constituíram, primeiro, rádios e televisões locais e depois, a partir de 1980, cadeias privadas nacionais. França (na seqüência da legislação de 1982) e Alemanha, em 1984, Bélgica e Suécia, em 1987, Dinamarca, Holanda e Noruega, em 1988, continuaram essa evolução para o sistema dual que percorreria toda a Europa” (CARVALHO; CARDOSO; FIGUEIREDO, 2005, p.178).

127 Vital Moreira foi um dos participantes do Painel IV “Regulação e Cidadania”, parte da Conferência Internacional da ERC “Por uma cultura de regulação”, realizada nos dias 24 e 25 de outubro de 2007 no Centro Cultural de Belém. A síntese conclusiva do evento está disponível em: <http://www.erc.pt/documentos/Conferencia%20ERC%20-%20S%EDntese%20Conclusiva.pdf>. Acesso em: 3 jan. 2008.

de poderes de autoridade128 para regular e entendem essa atividade como algo que significa colocar o sistema de mídia em pleno funcionamento, possuindo a:

Capacidade de nele intervir em várias fases e a diferentes níveis, desde o momento preliminar da fixação das regras gerais de funcionamento (regulamentação), passando pela supervisão da actividade desenvolvida (controlo), até a adopção de medidas que permitam manter ou induzir o cumprimento de condições predefinidas (decisões individuais) ou prevenir e penalizar

eventuais desvios (sanções) (CARVALHO; CARDOSO;

FIGUEIREDO, 2005, p.266).

Existem diversificadas modalidades de atuação dos órgãos reguladores. Geralmente, constituem-se primeiramente de organismos que se propõem a zelar para garantir a existência de uma mídia democrática e plural; em segundo lugar, observando as considerações de que o público leitor, telespectador ou radiouvinte tem queixas a fazer, exige reparações ou, simplesmente, aponta falhas na prática da mídia. Na maioria das vezes, os reguladores não se ocupam da imprensa escrita, que dispensa licença prévia, posto que editar um jornal não impede a priori a edição de outro, diferentemente da utilização do espectro radioelétrico de titularidade pública, recurso escasso limitado baseado no sistema de concessão. As entidades reguladoras não fazem censura prévia, ao contrário, intervém somente após a emissão para verificar se os conteúdos transmitidos estão em conformidade com o marco legal e os compromissos contratuais adotados pelas concessionárias, sem substitur o Poder Judiciário, já que os órgãos de regulação se constituem como mecanismos de:

128 Como não costuma haver eleição para membros de organismos de regulação, a legitimidade dos membros das entidades reguladoras é originada na “autolegitimação pessoal dos seus membros pela sua reputação e prestígio, pelo seu desempenho independente na condução do cargo, podendo falar-se por isso numa espécie de legimitação técnica” (MOREIRA, 1997, p. 132)

Administración independiente, no sujeta a instrucciones o a dirección por parte del Gobierno de la nación, pero administración al fin y al cabo. Sus actos son, pues, recorribles ante la jurisdicción ordinaria, que tiene la última palabra. Todos los organismos reguladores en el ámbito audiovisual tienen capacidad sancionadora. La experiencia europea (y estadunidense) es unánime: los organismos de regulación son organismos administrativos; y, en tanto que tales deben tener poder sancionador (BOTELLA, 2006, p.2).

Para exemplificar a atuação administrativa dos Conselhos, Botella os relaciona a mecanismos similares como os que caracterizam o Fisco e as autoridades de trânsito que julgam e sancionam infrações, deixando à autoridade judicial resoluções de última instância. Assim, as atividades das autoridades audiovisuais estão relacionadas tanto ao uso do espectro (mediante a concessão de licenças e convocatória de concursos e a defesa do pluralismo na oferta de canais), como aos conteúdos emitidos, valendo-se de princípio caro ao relatório da Comissão Hutchins que prescrevia a responsabilidade social como contrapartida ao locus privilegiado das instituições de comunicação, pois a “libertad de expresión, como

valor constitucional primordial, va acompañada de obligaciones por parte de quienes hacen de la comunicación una actividad profesional o empresarial”129

(BOTELLA, 2006). A existência de entidades independentes de regulação do setor audiovisual tem se generalizado na Europa, nas zonas tradicionalmente vinculadas à Commonwealth, e mais modestamente presente nos países da América Latina e Ásia.

129 Referenciada nessas obrigações é que o CSA sancionou emissoras televisivas francesas (públicas e privadas) por restringir o acesso de alguns grupos políticos aos seus programas informativos, o que infringe o pluralismo político, e a britânica OFCOM sancionou emissoras locais de rádio com fortes multas por emitirem conteúdos ofensivos a cidadãos muçulmanos. Disponível em:

<http://www.elpais.com/articulo/sociedad/Preguntas/respuestas/consejos/audiovisuales/elpepisoc/2 0060106elpepisoc_8/Tes>. Acesso em: 12 nov. 2006.

O estabelecimento de órgãos de regulação na Europa tem como referência a experiência, nos EUA, da Federal Communications Comission (FCC), cuja criação foi decorrência do Communications Act, de 1934. Incumbida da regulação “nacional e internacional das (radio) comunicações individuais e de difusão”, a FCC tem como característica essencial “a considerável independência orgânica e funcional em relação ao presidente como chefe do Executivo e da Administração Federal”, pois apesar de poder nomear seus membros, o presidente da República não pode “destituí-los como está impossibilitado de influenciar a orientação do órgão, cujos actos apenas são recorríveis aos tribunais” (CARVALHO; CARDOSO; FIGUEIREDO, 2005, p.267). A FCC é composta por cinco membros eleitos por cinco anos cujo cargo é exercido de maneira exclusiva e sob um severo regime de incompatibilidades, principalmente de ordem econômica, regulando serviços de telecomunicações e do espectro eletromagnético, principalmente em questões técnicas a respeito de quantidade de canais e qualidade de sinal. No que se refere às transmissões, pode proibir programação “obscena” ou “indecente”, quando tenham lugar entre seis e 22 horas, podendo impor determinados níveis de programação educativa para menores ou limitar a publicidade em horários de programação infantil. Sobre a difusão de conteúdo político, a FCC impõe aos operadores a doutrina do equal time, que concede tempo igual aos candidatos eleitorais, como réplica ou quando o próprio operador explicitamente assume uma posição sobre uma determinada candidatura à concessão de um direito de réplica aos outros candidatos ou ao candidato visado pelo editorial. Para por em prática seu trabalho de regulação, administração, vigilância e controle, a FCC desenvolve

uma intensa atividade de “investigação e de obtenção de informação, com a finalidade de detectar violações das suas normas ou das condições previstas nas licenças de emissão, interferências ou transmissões não autorizadas ou ilegais” (CARVALHO, CARDOSO, FIGUEIREDO, 2005, p.268). Contudo, no que se refere ao acompanhamento da concentração da propriedade, tem havido uma progressiva desregulação do mercado, principalmente no período posterior a aprovação do Telecommunications Act, de 1996, que manda rever a cada dois anos as normas relativas a concentração, com o objetivo de eliminar restrições consideradas injustificadas em decorrência da evolução do mercado.

Na França, conta-se com a atuação do Conselho Superior do Audiovisual (CSA), organismo restritamente relacionado à regulação da radiodifusão, acolhendo e intermediando queixas sobre o conteúdo transmitido. Criado em 1989, o CSA130 regula o sistema radiofônico e televisivo na França, nomeando membros dos conselhos de administração da rádio e da televisão públicas (incluindo os presidentes, no intuito de garantir a independência das instituições públicas de comunicação perante o poder político), com o intuito de assegurar que a mídia observe o pluralismo político e a honestidade da informação. O CSA fixa as regras relativas ao direito de réplica política às emissões do Governo, podendo solicitar a difusão das declarações ou comunicações que julgue importantes, além de dirigir recomendações aos operadores privados de rádio, televisão e dos serviços locais

de cabo para que observem a regra dos três terços131. Monitora aproximadamente 50 mil horas anuais de programação das emissoras de tevê de âmbito nacional e verifica, por amostragem, o conteúdo das tevês locais, por cabo e por satélite e das emissoras públicas e privadas de rádio, recebendo queixas, deliberando entre multas, redução temporal, suspensão, cancelamento da autorização ou obrigação de difusão das decisões do Conselho. O CSA é composto por nove membros, com mandato de seis anos, indicados da seguinte forma: três, pelo presidente da República; três, pelo presidente do Senado; e três, pelo presidente da Assembléia Nacional. Os mandatos não podem ser revogados, nem renovados e estão sujeitos a criterioso regime de incompatibilidades de interesses.

O CSA é responsável pela gestão do espectro radioelétrico, disponibilizando freqüências para as emissões de radiodifusão, outorgando autorizações para o exercício da atividade de rádio e televisão e assegurando respeito aos princípios fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a ordem pública e às obrigações presentes na convenção firmada pelos concessionários, que recaem essencialmente em seis domínios:

Pluralismo e honestidade da informação; quotas de difusão de obras cinematográficas e audiovisuais; contributo para o desenvolvimento da produção audiovisual; proteção da infância e da adolescência; publicidade, patrocínio e televendas; defesa da língua francesa (CARVALHO; CARDOSO; FIGUEIREDO, 2005, p.269).

131 Criada em 1979 (pelo antigo Office de Radiodiffusion-Télévision Française (ORTF), que coordenou os serviços públicos audiovisuais na França de 1964 a 1974), a regra de três terços prevê igualdade na duração das intervenções do governo, da maioria e da oposição parlamentar em todas os organismos de radiodifusão, sendo que o não cumprimento da norma sujeita o trangressor à penalidades do CSA.

No Reino Unido, a regulação da radiodifusão privada e de toda as comunicações eletrônicas está a cargo do Office of Communications (OFCOM)132, composto por um Conselho de Administração com nove membros, incluindo um presidente, nomeado pelo governo, que indica um administrador executivo e outros dois membros que gerem a instituição cuja competência é a defesa dos interesses dos cidadãos e consumidores, assegurando a gestão do espectro radioelétrico, a disponibilização de um leque abrangente de serviços de comunicação eletrônica e de programas de rádio e tevê plurais, assim como a defesa do público perante a transmissão de conteúdos prejudiciais, ofensivos ou que atentem contra a privacidade das pessoas. Busca-se que a intervenção seja assentada num largo conhecimento do mercado e orientada pelos princípios de accountability, transparência, objetividade, proporcionalidade e consistência por meio de ação diversificada em diversas comissões: a) comitê de conteúdos (treze membros em tempo parcial, tendo como competência assegurar a qualidade da programação); b) comitê de licenciamento de rádios (dez membros que verificam viabilidade técnica); c) comitê sancionador (cinco membros que avaliam e decidem penas aos infratores, de acordo com as normas do OFCOM); d) comitê de conduta (que intervém em casos de maior complexidade ou de recurso de decisões anteriores geralmente em casos de violência, pornografia, obscenidade e decência); e) comitê de eleições (com sete membros que avaliam querelas em relação aos

132 Diante do cenário de crescente convergência tecnológica entre radiodifusão, tevê por assinatura e telecomunicações, o Office Communications Act de 2002 e o Communications Act de 2003 criaram o OFCOM que unificou atribuições de cinco entidades: a) Broadcasting Standards

Commission, b) Independent Television Commission, c) Office of Telecommunications (Oftel), d) Radio Authority, e e) the Radiocommunications Agency.

tempos dedicados aos candidatos em período eleitoral); e f) comitê de auditoria (que fiscaliza as contas e procedimentos do OFCOM é e presidido por pessoa externa ao órgão regulador).

Além dos comitês, o OFCOM conta com “painéis consultivos especializados, que ou refletem os interesses e as opiniões dos grupos representados (consumidores, pessoas idosas e com deficiência)” ou “promovem a ligação entre a actividade geral da estrutura centralizada e as diversas nações e regiões (Inglaterra, Escócia, Gales, Irlanda do Norte e regiões inglesas)” (CARVALHO; CARDOSO; FIGUEIREDO, 2005, p.273). Os membros de cada um desses painéis são contratados por concurso e a radiodifusão pública exercida pela British

Broadcasting Corporation (BBC) tem sua missão, objetivos, poderes e modos de

funcionamento estabelecidos por Carta Real. As atividades previstas e desempenhadas por autoridades reguladoras fazem deles um possível espaço institucional que pode direta ou indiretamente estimular a retidão da mídia em prática na sociedade, da mesma forma como podem funcionar como um canal legítimo e independente de intermediação entre o público e as instituições de comunicação. As iniciativas colaboram para uma vigilância sobre a atuação da mídia, reivindicando dela boa informação e condições deontológicas de apuração e tratamento da notícia. As experiências poderiam basear a atuação do Conselho de Comunicação Social no Brasil, à medida que se constituem como instituições especializadas em defender o interesse público em face de deturpações, coberturas falaciosas e interpelações por parte de cidadãos que se consideram prejudicados pela atuação das intituições de comunicação.

No documento Responsabilidade social da mídia (páginas 183-191)