• Nenhum resultado encontrado

Direitos humanos, cidadania e jornalismo

No documento Responsabilidade social da mídia (páginas 52-56)

4 Referenciais Teóricos e Contextuais

4.1 Direitos humanos, cidadania e jornalismo

Os ideais do Iluminismo, ou Filosofia das Luzes, começaram a marcar presença na Europa a partir do século XVII. Filósofos iluministas afirmavam que somente quando a razão e o conhecimento fossem difundidos entre todos é que a humanidade faria grandes progressos. Seria apenas uma questão de tempo para que desaparecessem a irracionalidade e a ignorância e surgisse uma humanidade esclarecida. Os iluministas não se contentaram apenas com concepções teóricas sobre o lugar do ser humano na sociedade. Eles lutaram por aquilo que chamaram de "direitos naturais"55 dos cidadãos. Tratava-se de uma luta que envolvia combate à censura, ou seja, defendia-se a liberdade de expressão. No que diz respeito à religião, à moral e à política, o indivíduo precisava ter assegurado o seu direito à liberdade de pensamento e de expressão de seus pontos de vista. Além disso, lutou-se contra a escravidão e por um tratamento adequado aos infratores da lei.

O princípio da "inviolabilidade do indivíduo" resultou na Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, promulgada pela Assembléia Nacional Francesa em 1789,

55 Posteriormente, o conceito de direito natural recebeu críticas à medida que alguns pesquisadores passaram a entender que o direito não é meramente natural, pois se trata de

construção social. A concepção do direito, visto como processo histórico, fruto da luta e dos

princípios libertadores contidos na totalidade social é um dos resultados da reflexão e da prática de um grupo de intelectuais reunidos num movimento denominado Nova Escola Jurídica Brasileira, cujo principal representante foi o professor Roberto Lyra Filho, e que tem sido exercitada há mais de 30 anos, principalmente na Universidade de Brasília, por meio da linha de pesquisa “Direito Achado na Rua”, atividade do Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos (SOUSA JR, J.G. 1993).

como iniciativa conseqüente da Revolução Francesa, que declarou uma série de direitos válidos, em princípio para todos os cidadãos, porém na prática, à época, restritos basicamente aos homens. A questão dos direitos da mulher foi colocada no bojo da revolução francesa, contudo, logo que a situação política se estabilizou numa nova ordem, a antiga predominância da pauta masculina foi restabelecida. Somente no século XIX é que o movimento em defesa dos direitos das mulheres começou a ganhar força, tanto na França como em toda a Europa. E foi muito lentamente que essa luta começou a dar os seus primeiros frutos. No Brasil, por exemplo, somente a partir de 1934 as mulheres conquistaram o direito ao voto.

Em 1795, Immanuel Kant escreveu o artigo Sobre a paz perpétua (KANT, 1995), que afirmava a necessidade de união de todos os países em uma associação, que teria a atribuição de zelar pela coexistência pacífica das diferentes nações. Cerca de 125 anos depois de publicado o texto, logo após a Primeira Grande Guerra (1914-18), a Liga das Nações foi efetivamente fundada. Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-45), ela foi substituída pela Organização das Nações Unidas (ONU). É possível encontrar, então, pontos de contato entre os postulados de Kant e a formulação e atuação da ONU, pois o filósofo acreditava que a "razão prática" dos seres humanos forçaria as nações a abandonar um "estado natural", que provocava sucessivas guerras, e a fundar uma ordem legal internacional com o objetivo de evitar conflitos. Para Kant, é dever universal cuidar para que a paz entre os povos seja sempre assegurada. O autor foi o grande inspirador do ideal de uma ética universal, de um agir baseado no imperativo categórico: a lei moral como ato absoluto e universal. O agir humano deve sempre visar à ação como seu

fim último. O indivíduo age em liberdade quando age seguindo aquelas máximas

através das quais possa, ao mesmo tempo, querer que elas se transformem numa lei geral (KANT, 1992). A ação deve ser feita de modo que outras pessoas

possam, na mesma situação agir da mesma maneira.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada em 10 de dezembro de 1948 por 48 nações do mundo, em resolução da 3ª Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas. Os principais objetivos foram consagrar valores como o direito à dignidade a todos os membros da família, à liberdade de palavra e de crença, à igualdade de direitos do homem e da mulher, à justiça e à paz mundial. Essas condições imprescindíveis ao desenvolvimento físico, moral e intelectual dos seres humanos e fundamentais para o estabelecimento de relações amistosas entre os países, passaram a ser asseguradas, pelo menos formalmente, por Estados signatários. A DUDH marca importante papel nas relações internacionais, porém somente a Declaração e a existência da ONU infelizmente não deram conta da consolidação de uma paz mundial. Interesses políticos e econômicos, que não contemplavam as aspirações de todas as nações, fizeram com que muitos ainda sofressem danosamente, pós- 1948, os horrores dos combates armados e da tortura de governos autoritários em países pertencentes aos cinco continentes.

Críticos da reduzida efetividade de aplicação da DUDH como Joaquín Herrera Flores, diante do grande número de direitos consagrados pelos tratados internacionais, mas negados (FLORES, 2004) à grande parte da população como

habitação e lazer, apontam a necessidade de um novo processo cultural que transforme a sociedade. Em El proceso cultural: materiales para la creatividad

humana (FLORES, 2005), o pesquisador propõe a centralidade dos Direitos

Humanos numa perspectiva que restaure a centralidade da política nos homens e mulheres. Joaquín Herrera Flores dinamiza a cultura reivindicando-a como processo humano criador e emancipador onde se situam as lutas concretas das políticas de Direitos Humanos: a liberdade de expressão, a diversidade, o gênero e o meio ambiente amparados por uma concepção de dignidade humana que, assim sendo, deveria guiar todas as práticas culturais. Assim, se do ponto de vista regulado pelo Artigo 5.º da DUDH, a cidadania, entendida como exercício pleno de direitos e deveres não foi universalmente contemplada sob a égide moral e o processo cultural, não satisfatoriamente abusos da liberdade de imprensa e de expressão tem se sobreposto ao respeito aos seres humanos determinado no Artigo 1.º da Declaração dos Direitos Humanos: “todos os homens nascem livres e

iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Torna-se importante

avaliar quais pressupostos teóricos têm orientado a atuação das instituições de comunicação e quais mecanismos e perspectivas têm sido planejados e colocados em prática para a promoção da liberdade de expressão compatibilizada com os ideais de Direitos Humanos e responsabilidade social da mídia.

No documento Responsabilidade social da mídia (páginas 52-56)