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Parte I – Enquadramento Teórico

5. Carne e seus Produtos

5.5 Conservação da carne

O contínuo crescimento populacional e o consequente aumento da procura de géneros alimentícios, acentua a necessidade da constante aplicação de tecnologias orientadas para conservação de alimentos, permitindo aumentar o tempo de prateleira (durabilidade) do produto, tal como mantendo a sua qualidade, quer a nível das características organoléticas e nutritivas, como também a nível de segurança do produto.

A conservação de alimentos tem como principal objetivo estabilizar as características físicas, químicas e biológicas do alimento, retardando / inibindo a sua decomposição. Neste processo devem equacionar-se fatores ambientais, nomeadamente a temperatura, humidade relativa do ar, condições de circulação do ar, ação direta da luz solar, e também as características do próprio alimento, destacando-se o aw, o pH, a composição química e

estrutural do alimento e os aditivos ou substâncias anti-microbianas naturais presentes no alimento. Assim, é essencial conhecer as características do alimento, para subsequente aplicação das técnicas mais adequadas (Baptista & Antunes, 2005; Lidon & Silvestre, 2008).

A carne fresca é considerada como um produto perecível, apresentando uma grande facilidade de deterioração, devido ao seu elevado teor de água e à ausência de fatores intrínsecos inibidores do crescimento microbiano. O seu tempo de prateleira e qualidade é fortemente influenciada pela temperatura, presença de oxigénio, enzimas endógenas, humidade e a presença de microrganismos, sendo estes um dos principais fatores de deterioração da carne. Geralmente, são utilizados técnicas de conservação orientadas para inibição microbiana, para a estabilização da coloração da carne e inibição das alterações oxidativas (Zhou, et al., 2010).

Assim, conhecendo as características do género alimentício em questão, as técnicas de conservação baseiam-se no controlo da temperatura e da humidade, assim como na aplicação de processos inibitórios (bactericidas, destrói os microrganismos e bacteriostáticos, impede a proliferação microbiana). Por outro lado pode ainda optar-se por outras tecnologias, nomeadamente a aplicação de sistemas de embalagem com atmosferas modificadas, compostos anti-microbianos naturais e técnicas não térmicas (Zhou et al., 2010; Dave & Ghaly, 2011).

O controlo da temperatura é um dos métodos mais frequentes para a conservação das carnes, baseando-se nas variações acima ou abaixo do intervalo de temperatura de crescimento ótimo dos microrganismos. No caso das carnes frescas, o seu armazenamento deve, então, ser feito em condições de baixas temperaturas, podendo ser dividido em dois níveis: refrigeração e congelamento. Nestes níveis existe diminuição, no caso da refrigeração, ou inibição completa do crescimento bacteriano, como no caso da congelação, porém as alterações enzimáticas e não enzimáticas nunca são inibidas, ocorrendo apenas a uma velocidade muito lenta (Zhou et al., 2010; Dave & Ghaly, 2011).

O processo de refrigeração é essencial logo após o abate, durante o transporte e armazenamento, sendo fundamental para a higiene das carnes, segurança, aparência e ainda qualidade nutricional. Após o abate, a carcaça poderá ser refrigerada pela sua imersão em água refrigerada entre 0ºC e 4ºC, ou então pela circulação de ar frio, sendo que este último permite a secagem da carcaça e, consequentemente, minimizando a deterioração (Dave & Ghaly, 2011). A quando do transporte e armazenagem das peças de carne fresca devem manter-se temperaturas relativamente baixas (entre 0 - 7ºC), consoante a espécie e o tipo corte da carne. Em condições adequadas de temperatura a carne tem um período de conservação entre 2 - 3 dias, no caso de carnes de suíno e bovino, e de 3 - 4 no caso de carne de aves e de caça (Monteiro, 2004; Decreto-Lei nº 207/2008). Salienta-se que tal se refere a peças de carne fresca, pois no caso de preparados de carne picada ou simplesmente carne picada, o período de conservação é menor, sendo aconselhável o consumo no próprio dia.

Evidencia-se ainda que apesar de ser um processo fundamental e largamente utilizado na conservação de alimentos, não inibe o crescimento microbiano, apenas reduz atividade dos

microrganismos presentes no alimento e, consequentemente, aumenta ligeiramente o tempo de vida (Baptista & Antunes, 2005).

Caso se pretenda aumentar por um longo período de tempo de prateleira da carne, pode optar-se pelo processo de congelamento, permitindo manter as características originais, quer organoléticas, quer nutricionais. Esta técnica consiste na conversão da maioria da água presente na carne em gelo, limitando-se assim a água disponível para o desenvolvimento microbiano (Dave & Ghaly, 2011).

A velocidade deste processo é fundamental e irá determinar a qualidade final do género alimentício, porque se esta for demasiado lenta irá ocorrer a formação de grandes cristais de água que rompem as estruturas celulares, ocorrendo a desnaturação proteica, e evoluindo uma carne mole e com pouca textura (Dave & Ghaly, 2011). Para além das consequências estruturais, deve ter-se em consideração que com uma velocidade lenta de congelação o alimento permanece por indeterminados períodos de tempo a temperaturas favoráveis ao crescimento microbiano.

Ao contrário da refrigeração, a congelação inibe o crescimento microbiano, porém não os elimina, entrando apenas num estado de latência, retomando a sua atividade assim que as temperaturas forem novamente as adequadas. O crescimento microbiano termina a uma temperatura que pode oscilar em torno de -12ºC, inibindo completamente a atividade metabólica a uma temperatura inferior -18ºC. Por outro lado, o processo de congelamento não inibe as reações enzimáticas e não enzimáticas (Dave & Ghaly, 2011).

Outra abordagem no âmbito da conservação da carne, é pelo controlo da humidade que se encontra diretamente relacionado com aw, sendo que quanto menor for, menor serão as

alterações microbiológicas. Desta forma, é possível controlar este parâmetro mediante aplicação de processos simples de desidratação, congelamento ou pela adição de solutos, como sal, criando um desequilíbrio osmótico e, consequentemente, inibindo o crescimento celular.

Para além da adição de sal, existem outras substâncias consideradas como aditivos alimentares, isto é conservantes, aumentando o tempo de vida do alimento pela redução da proliferação microbiana. Os mais comuns são os cloretos, nitritos, sulfitos e ácidos orgânicos, porém cada país têm a sua própria regulamentação da utilização destes produtos, devido aos efeitos nefastos que poderão ter na saúde do consumidor (Dave & Ghaly, 2011).

A nível Europeu, o Regulamento (UE) nº 1129/2011 da Comissão Europeia de 11 de Novembro, estabelece os aditivos alimentares autorizados consoantes cada grupo de alimentos, tal como os valores máximos admissíveis. De acordo com o presente Regulamento, entende-se como aditivos alimentares, substâncias que não são consumidas como género alimentícios em si, mas são adicionadas como ingredientes por forma atingir uma determinada característica tecnológica.

No que concerne ao grupo das carnes, apenas é permitida a adição de conservantes, em quantidades controladas, em preparados de carne e pré-embalados de carne picada, enquanto na carne fresca não é permitida a aplicação de conservantes nem outros aditivos, com exceção de corantes de origem natural para efeito de marcação de salubridade (Regulamento (UE) nº 1129/2011).

Para além dos conservantes, subsiste igualmente a utilização de antioxidantes, minimizando a oxidação lipídica e a descoloração da carne, como por exemplo ascorbato de sódio e citrato de sódio, regulamentado pelo Regulamento (UE) nº 1129/2011 da Comissão Europeia de 11 de Novembro.

No que concerne aos sistemas de embalagem, estes são essenciais, pois para além de constituírem uma barreira física contra contaminações exteriores, previnem, igualmente, a descoloração da carne, desenvolvimento de sabor, perda de nutrientes, alterações da textura e o desenvolvimento de microrganismos. As opções a utilizar no embalamento de carne fresca são a embalagem permeável ao ar, baixo vácuo, e a utilização de atmosferas modificadas (Zhou et al., 2010).

Equacionando outra perspetiva, podem aplicar-se processos térmicos que promovam a desnaturação das proteínas, como no caso de produção de conservas (Lidon & Silvestre, 2007).

Para que o processo de conservação seja eficaz é necessário que ocorra a adoção do código de boas páticas, nomeadamente do que concerne à receção de matérias-primas, higienização das instalações, equipamentos e utensílios, higiene pessoal dos manipuladores, controlo de pragas, eliminação de resíduos e controlo da qualidade de água (Baptista & Antunes, 2005).

A receção das matérias-primas é a fase em que é possível determinar e fazer a segregação de produtos não conformes, evitando a entrada de produtos de má qualidade e suscetíveis de causar contaminações cruzadas. Assim, deve proceder-se a uma seleção e avaliação cuidada dos fornecedores, valorizando-se uma inspeção cuidada do estado de embalagem e da aparência geral produto e das condições de transporte, a par da aferição do estado de higienização e temperatura do veículo de transporte (Baptista & Antunes, 2005).

O processo de higienização é fundamental para a eliminação de sujidades e destruição de microrganismos, evitando-se assim a contaminação cruzada. Na questão da carne, é uma situação de extrema importância, pois trata-se de um género alimentício que se degrada facilmente, sendo veículo de vários agentes patogénicos (Baptista & Antunes, 2005).

Os manipuladores de alimentos são um dos principais veículos de contaminação da carne, pelo que o cumprimento das boas práticas de higiene pessoal torna-se essencial, nomeadamente uma correta lavagem das mãos e a utilização de vestuário adequado e limpo. A permanência de resíduos no local e de pragas (roedores, insetos e outros), constituem, igualmente, uma fonte de contaminação, que ao estarem em contacto com os produtos

armazenados irão potenciar a contaminação e desenvolvimento de microrganismos (Baptista & Antunes, 2005).