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Parte I – Enquadramento Teórico

5. Carne e seus Produtos

5.1 Transformação do Músculo para Carne

O músculo-esquelético com o tecido conjuntivo associado representa perto de 40% do peso corporal e é o responsável pelos fenómenos de contração. Estes compõem-se em fibras musculares esqueléticas, associadas a pequenas quantidades de tecido conjuntivo, vasos sanguíneos e nervos (Seeley, et al., 2007). A figura 1.6 representa a composição do músculo.

Figura 1.6 Constituição do músculo VI.

O músculo é então constituído por vários feixes de fibras musculares, envolvidos por uma membrana externa de tecido conjuntivo denominado por epimísio. Estes na sua extremidade fudem-se dando origem a um tendão que se encontra ligado à estrutura óssea.

Dentro do epimísio, os feixes musculares encontram-se divididos por vários septos de tecido conjuntivo, denominados por perimísio, e cada fibra por sua vez está envolvida por uma cama de fibras reticulares formando o endomíssio (Seeley, et al., 2007).

Para que ocorra a contração muscular é necessário existir adenosina trifosfato (ATP) em quantidades adequadas para que os músculos possam contrair repetidamente por longos períodos de tempo. Para tal, esta tem que ser sintetizada à medida que vai sendo degradada durante a movimentação, visto que apenas pequenas quantidades são armazenadas nas fibras musculares. Esta pode ser sintetizada a partir da creatina fosfato ou partir das reservas de glicogénio (Seeley, et al., 2007).

O músculo pode, então, utilizar as pequenas reservas que possui de glicogénio, um polissacarídeo, que pode ser degradado a glucose para fornecer energia, quer por via aeróbia como anaeróbia (Figura 1.7).

Figura 1.7 Degradação da glucose para originar energia.

Após o desdobramento do glicogénio em glucose pela via glicolítica, este é convertido em ácido pirúvico, que poderá ser metabolizado aerobicamente por diversas reações químicas dentro das mitocôndrias, produzindo ATP. No caso de não existir oxigénio, o ácido pirúvico é metabolizado anaerobiamente, sendo convertido em ácido láctico, que ao contrário do ácido pirúvico, difunde-se nas fibras musculares para a corrente sanguínea (Seeley, et al., 2007).

Após o sacrifício do animal, ocorre a interrupção do fluxo sanguíneo e, consequentemente, a interrupção da distribuição de nutrientes e excreção de metabólitos (Lidon & Silvestre, 2008).

Como o músculo tenta manter a sua homeostasia, continua a exercer as suas funções de degradação e síntese de ATP, porém nesta situação, onde não existe o fornecimento de oxigénio, a via aeróbia fica bloqueada, apenas funcionado a via anaeróbia. As reservas de creatina fosfato e de ATP são rapidamente esgotadas devido às suas pequenas concentrações, sobrando apenas o glicogénio como principal reserva de energia. Assim, com a metabolização do ácido pirúvico a ocorrer de forma estritamente anaeróbia, existe a acumulação gradual de ácido láctico no músculo e a sua consequente acidificação (Seeley, et al., 2007; Lidon & Silvestre, 2008).

Com o esgotamento total das reservas de glicogénio, instala-se o rigor mortis, onde os músculos apresentam-se rijos e em permanente contração. O tempo que leva até a atingir esta fase depende das reservas de glicogénio existentes, quanto maior for maior será o tempo que leva a instalar-se o rigor mortis, e a temperatura a que está exposto o músculo, sendo que se esta for baixa, a velocidade de degradação do glicogénio é mais lenta, tal como a diminuição do pH. Só quando se atinge o final desta fase, onde se já verifica um amaciamento das fibras musculares, o músculo passa a ser considerado como carne (Lidon & Silvestre, 2008).

Na transição de músculo para carne, o pH é um fator importantíssimo para a qualidade final do produto. Quando o animal é abatido, o pH é cerca de 7, porém depois de 24h decresce para 5,8-5,5, devido à acumulação de ácido láctico, sendo este o valor associado ao sabor e paladar típico da carne. Para além das características organoléticas, esta gama de pH permite aumentar o tempo de prateleira, visto que muitos microrganismos são inibidos (Heinz & Hautzinger, 2007).

Glucose PirúvicoÁcido

Via Aeróbia Acetil coA ATP Via

A capacidade de retenção da água, isto é a capacidade da carne reter a água durante o seu processamento, como corte, picagem, confeção, entre outros, é, igualmente, influenciada pelo valor de pH final.

Figura 1.8 Relação do pH com a capacidade de retenção da água VII.

Como se pode observar na figura 1.8, a capacidade de retenção de água é menor a um pH próxima de 5,0, ou seja no seu ponto isoelétrico. À medida que se desvia deste ponto, a capacidade de retenção água aumenta, quer seja para um pH ácido ou básico.

Esta relação entre o pH e a capacidade de retenção da água é essencial para a qualidade final, visto que podem ocorrer situações em que o pH decresce demasiado até ao ponto isoelétrico da água, onde praticamente toda a água é perdida, ou então na situação inversa, onde existe um máximo de retenção da água, levando a consequências tecnologias na carne.

Quando os animais são sujeitos a um elevado nível de stress, ocorre uma descida abrupta do pH para valores inferiores a 5,6 uma hora após o seu abate. Esta condição ocorre geralmente nos suínos, e denomina-se por PSE (Pale, Soft and Exudative), onde a carne tem uma tonalidade pálida, é flácida e mole e apresenta uma superfície muito molhada (exsudativa). Neste caso, a carne tem pouca capacidade de retenção de água e perde peso rapidamente durante a sua confeção, devido à perda de água (Heinz & Hautzinger, 2007).

Ao permitir que os suínos descansem por um hora antes do abate, com um tratamento silencioso e cuidado para evitar o stress do animal, pode evitar o aparecimento de carnes PSE (Heinz & Srisuvan, 2001).

Por outro lado, poderá ocorrer a situação inversa, onde não existe a descida suficiente do pH. Ocorre tanto em suínos como em bovinos que não tenham sido alimentados por um longo período de tempo antes do abate, ou que se encontrem extremamente fatigados, onde todas as reservas de glicogénio encontram-se praticamente esgotadas. Nesta situação, o pH após 24h do abate, permanece na gama dos 6,0, produzindo carnes DFD (Dark, Firm and Dry),

pH da carne

A um en to d a c ap ac ida de d e rete nç ão da ág ua

onde o elevado pH, permite que a carne retenha maior parte da sua água, com uma tonalidade escura e um aspeto vitrificado (Heinz & Hautzinger, 2007).

Devido ao elevado teor de água presa no seu interior, este tipo de carne apresenta um tempo de prateleira muito pequeno, uma vez que favorece condições para proliferação de microrganismos (Heinz & Hautzinger, 2007).

A figura 1.9 ilustra a aparência das carnes PSE e DFD quando comparadas com a carne usualmente apontada como “normal”.

Figura 1.9 Da esquerda para a direita, carne PSE, carne normal e por último carne DFD. Adaptado de Heinz & Srisuvan (2001).

As carnes DFD e PSE não são impróprias para consumo, porém não apresentam as propriedades organoléticas consideradas como agradáveis para o consumidor, visto que após a confeção de carne PSE, devido à perda excessiva de água, ficam demasiado secas, e as carnes DFD, devido à falta da acidez, ficam sem sabor e demasiado rijas (Heinz & Hautzinger, 2007).

No entretanto, quando se trata de produtos base de carne, as carnes PSE e DFD podem ser misturadas com a carne dita “normal”, por forma a obter certas características. De fato, em certos produtos em que perdas de água sejam desejáveis, podem adicionar-se carnes PSE e nos casos que seja necessário uma elevada retenção de água, podem utilizar-se carnes DFD (Heinz & Hautzinger, 2007).