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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento ABISMOS SUPERFICIAIS: ANTINOMIAS DO ORNAMENTO (páginas 104-108)

Diz-se que o ornamento, entendido como elemento não discursivo das imagens, afirma o ideal modernista da independência das artes visuais em relação à narrativa. Ainda que os mitos modernos sejam questionáveis, o ornamento parece sugerir que as imagens podem, de fato, prescindir da narrativa, que sua apreciação pode se dar por vias não cognitivas, como uma experiência puramente sensorial. Porém, a idéia de uma independência absoluta das artes, bem como de qualquer outro sistema ou campo do conhecimento, não serve mais diante de uma realidade em que, como lembrou Baudrillard, as fronteiras entre os sistemas estão suspensas, e seus conteúdos postos em circulação, para fluir livremente de modo a alimentar as redes que caracterizam o que, hoje, entendemos por pós-modernidade. Pode-se pensar apenas numa independência relativa em que as imagens prescindem da narrativa, seja no abstracionismo moderno defendido por Greenberg, seja no ornamento puramente estético de Riegl e Wornum. Se no ornamento a imagem prescinde da narrativa, o objeto ou imagem adornado também prescinde do ornamento. O que é realmente dispensável?

Imagens não precisam de palavras. As pinturas e gravuras examinadas no decorrer desse estudo têm uma potência que lhes é própria, e que independe não só da biografia e contexto dos artistas que as produziram, mas também daquilo que se escreve a seu respeito pelos teóricos e historiadores da arte. A literatura teórica sobre o ornamento, produzida em sua maioria na segunda metade do século XIX por teóricos como Riegl e Goodyear, não fazem mais do que estabelecer tipologias, sistemas de classificação que separam estilos e épocas. Ora, se o ornamento é artifício de separação, a teoria do ornamento também o é; textos sobre arte são como molduras para quadros, e textos sobre o ornamento na arte, complementos para complementos. Assim, todo as palavras reunidas em livros pelos historiadores da arte são perfeitamente descartáveis; a arte não precisa da história, e as próprias palavras que compõem esse trabalho são, senão inúteis, igualmente dispensáveis.

Não queremos com tal afirmação sugerir que uma imagem vale mais do que mil palavras; pois mesmo que isso seja verdade para certas imagens, é certo que outras palavras também valerão mais do que mil imagens; ver as inúmeras formas de se desenhar idéias abstratas como justiça, verdade ou o sagrado. Tampouco queremos desmerecer todo o trabalho que foi necessário

à elaboração dessa pesquisa; pelo contrário, essa é sua celebração mais desvairada. Escrever sobre imagens é atividade tão dispensável quanto o erotismo ou a religião.

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No documento ABISMOS SUPERFICIAIS: ANTINOMIAS DO ORNAMENTO (páginas 104-108)