• Nenhum resultado encontrado

Tendo em vista que existem possibilidades de proteger o patrimônio cultural de C&T, mesmo sem um instrumento jurídico de proteção específico para a área, o que realmente pode estar impedindo que esses conjuntos se tornem patrimônio, bens musealizados ou de interesse

público, são outros problemas identificados na área da valorização dos objetos de C&T. Há muitos conjuntos alocados em lugares onde não há orçamento, pessoal, vocação, missão ou sensibilidade para a preservação e divulgação. Muitos desses conjuntos não têm o seu aspecto histórico e suas potencialidades patrimoniais reconhecidas e valorizadas por aqueles que convivem com esses objetos, falta conscientização por parte dos cientistas, que os utilizam / utilizaram. Apesar de alguns reconhecerem que há exemplares raros e de grande potencial científico, não se animam com a preservação, ainda mais quando se sabe que preservar requer uma série de atividades desligadas daquelas já executadas no ambiente de trabalho.

Além das dificuldades na atribuição de valor cultural aos itens da C&T, a possível retirada dos objetos de C&T dos seus ambientes originais e inserção em acervos museológicos levantam outras questões relacionadas às práticas museológicas. Por um lado, seria interessante que as instituições de ensino e pesquisa valorizassem seus materiais, organizando-os, inventariando-os e até musealizando-os no local onde estes objetos estiveram nas suas funções originais, e onde a sua permanência poderia auxiliar em uma série de atividades, e contribuir na formação da memória da instituição. No entanto, por outro lado, vê-se a precariedade nas condições de funcionamento de muitos pequenos e médios museus de C&T criados dentro de instituições, que não conseguem verbas e políticas que atraiam o público e garantam uma boa preservação, são “histórias de fracassos” (GRANATO e LOURENÇO, 2011).

A cidade do Rio de Janeiro possui uma quantidade significativa de objetos de C&T guardados em museus. Segundo os dados do projeto Valorização do Patrimônio Científico e Tecnológico Brasileiro, há cerca de 4.570 objetos, que corresponde a 30% do registrado em museus em todo o país. Além do número relativamente elevado, mais de 98% desses objetos está em coleções consideradas relevantes nacional e internacionalmente, o que mostra que nos museus dessa cidade há representantes do patrimônio de C&T de grande importância histórica e científica.

O que não se pode afirmar é que todos estão recebendo tratamento adequado, sob o ponto de vista museológico. Apesar da maioria, 15 conjuntos, estar inventariada ou pelo menos listada, 8 de fato estão sendo utilizados em estudos e outras atividades museológicas, além das exposições. Os demais não são usados da forma mais adequada, havendo conjuntos sem nenhum uso atualmente, outros apenas expostos permanentemente.

Também é de se concluir, baseado nessas análises, que a área menos evidente em um museu é a área da pesquisa. Pouquíssimos museus investigam o seu acervo, alguns chegam a produzir um inventário museológico, mas não seguem em direção à produção do

conhecimento sobre o patrimônio ali preservado. A produção de catálogos e fichas museológicas é ainda menor, e se pensar em pesquisas mais aprofundadas, com uso de outras documentações e metodologias, talvez apenas o Mast esteja cumprindo essa tarefa.

A falta de documentos relativos à trajetória dos objetos antes de serem musealizados, comum nos museus, acarreta inevitáveis dificuldades para a construção da biografia dos objetos de C&T, especialmente na etapa pré-museu de suas existências, que seria pedra angular para uma abordagem de cunho mais histórico nos museus de ciência (ALBERTI, 2005). A realidade demonstra que, ainda que nos museu o objeto receba um tratamento visando sua preservação na melhor forma possível, com os meios que se pode obter, a documentação pré-museu não está minimamente relacionada com esses objetos. Podem existir ainda muitos documentos que se refiram aos objetos de C&T, tais como notas de compra, empréstimo, manutenção, conserto, manuais, catálogos, etc., além de anotações, cadernos, relatórios, entre muitas outras documentações. No entanto, os locais de guarda de documentos em papel e documentos tridimensionais muitas vezes não se comunicam e consequentemente não associam seus acervos. Alberti (2005) questiona o porquê da documentação pré-museu não ser recolhida junto ao objeto no momento em que este se torna museológico, e encontra duas justificativas: uma, a percepção limitada das potencialidades dos objetos de C&T e, a outra mais pragmática, a urgência na preservação desses objetos, frequentemente retirados do lixo.

Tendo como base a análise desses dezenove museus, o que se percebe é a impossibilidade de muitas dessas instituições em cumprir as funções primordiais das instituições museológicas, colocadas no artigo 1º do Estatuto dos Museus.13

Todos os museus aqui apresentados são caracterizados como "Museus Tradicionais", isto é, aqueles onde a base conceitual é o objeto museológico. O que se percebe é que os pequenos museus criados pela necessidade de guardar objetos considerados importantes possuem características que se aproximam daqueles primeiros museus institucionalizados: espaços físicos de guarda de objetos, englobando tudo que pode ser colecionável, que desperte curiosidade ou interesse científico (SCHEINER, 2008).

13

Sucintamente, devem conservar os acervos, investigá-los, interpretá-los e expô-los, de forma que possam contribuir em estudos, pesquisas, atividades educativas e contemplação. Além de serem instituições sem fins lucrativos, permanentemente abertas ao público, e que contribuam para o desenvolvimento da sociedade.

É sabido que nem todas as instituições que se propõem a serem museus, ou que assim se intitulam, conseguem se enquadrar nessa categoria. Essa impossibilidade pode ter uma série de causas: a falta de recursos financeiros e humanos; a falta de espaço adequado; a falta de prioridade da instituição a qual estão vinculados; e inclusive, a falta de interesse em praticar todas as ações que deveriam ser primordiais nos museus, limitando-se a salvar do descarte peças consideradas importantes e possibilitando o acesso ao público. Portanto, o uso de outras nomenclaturas, como memoriais, exposições, coleções visitáveis, etc., deveriam ser adotados, sem demérito do trabalho realizado. Isso é importante tanto para a instituição, que não transparece executar um trabalho ineficiente, quando para as instituições museológicas, que não têm os seus objetivos e finalidades deturpados, o que prejudica a identidade dos museus. Por outro lado, em alguns casos a denominação de “museus” torna-se importante para o reconhecimento institucional e, muitas vezes para a própria sobrevivência do espaço que se propõe museológico.

Por fim, o que se conclui com a análise dos museus que possuem acervo de C&T é a necessidade da realização de muitos outros estudos e reflexões, havendo diversas possibilidades para a produção de conhecimento, como ampliar a análise para os conjuntos de museus do Brasil; ou eleger um ou alguns deles para que sejam minuciosamente estudados e descritos. Esses conjuntos não podem ser equiparados às centenas de conjuntos que se encontram pelas universidades, institutos de pesquisa e escolas de ensino médio. Os aqui apresentados estão de alguma forma protegidos, por terem sido selecionados, resignificados e estarem em um local que tem a salvaguarda de objetos culturais como missão. Conjuntos já alocados em museus podem estar mais próximos de serem estudados, pesquisados e divulgados do que tantos outros conjuntos que estão fora deste tipo de instituição.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa no Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo financiamento das pesquisas aqui apresentadas.

REFERÊNCIAS

ALBERTI, Samuel J. J. M. Objects and the museum. ISIS, v. 96, p. 559-571, 2005.

BRENNI, Paolo. Trinta anos de atividades: instrumentos científicos de interesse histórico. In: ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de. Caminho para as estrelas: reflexões em um museu. Rio de Janeiro: MAST, 2007. p.162-179

BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Museu, ciência, tecnologia e sociedade. In: VALENTE, Maria Esther Alvarez (Org). Museus de Ciência e Tecnologia – interpretações e ações dirigidas ao público. Rio de Janeiro: MAST, 2007. p. 41-45.

GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN, 1996.

GONÇALVES, José Reginaldo Santos. As Transformações do Patrimônio: da retórica da perda à reconstrução permanente. In: TAMASO, Izabela; LIMA, Manuel Ferreira (Org.).

Antropologia e Patrimônio Cultural: trajetórias e conceitos. Brasília: ABA Publicações, 2012. p. 59-73.

GRANATO, Marcus. Panorama sobre patrimônio da Ciência e Tecnologia no Brasil: Objetos de C&T. In: GRANATO, Marcus; RANGEL, Marcio (Org.). Cultura Material e

Patrimônio de Ciência e Tecnologia. Rio de Janeiro: MAST, 2009. p.78-103. Disponível em:

<http://www.mast.br/livros/cultura_material_e_patrimonio_da_ciencia_e_tecnologia.pdf>. Acesso em: 14 de jul. 2014.

GRANATO, Marcus; LOURENÇO, Marta. Reflexões sobre o Patrimônio Cultural da Ciência e Tecnologia na Atualidade. Revista Memória em Rede, v. 2, n. 4, p. 85-103, dez. 2010 / mar. 2011. Disponível em: www.ufpel.edu.br/ich/memoriaemrede. Acesso em: 12 Jul. 2014.

GRANATO, Marcus; LOUVAIN, Pedro. Legislação de Proteção ao Patrimônio Cultural de Ciência e tecnologia: análise e proposições. In: GRANATO, Marcus; SCHEINER, Tereza (Org.). Museologia, Patrimônio, Interculturalidade: museus inclusivos, desenvolvimento e diálogo intercultural. V.2. Museologia, Políticas Públicas e Inclusão Social. Museus, Patrimônio, Natureza e Biodiversidade. Museus e Patrimônio Científico e Tecnológico. (Textos Selecionados). Rio de janeiro: MAST, 2013. p.234-249.

GRANATO, Marcus; SANTOS, Claudia Penha dos; FURTADO, Janaina L.; NEVES, Luiz Paulo Gomes. Objetos de ciência e tecnologia como fontes documentais para a história das ciências: resultados parciais. In: VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da

Informação, 2007, Salvador. Anais do VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação. Brasília: ANCIB, 2007. p. 1-16.

JACOMY, Bruno. Instrumentos, máquinas e aparatos interativos de ciência e tecnologia exibidos em museus. In: VALENTE, Maria Esther Alvarez (Org.). Museu de Ciência e Tecnologia – interpretações e ações dirigidas ao público. Rio de Janeiro: MAST, 2007. LOURENÇO, Marta. O patrimônio da ciência: importância para a pesquisa. Museologia e Patrimônio, Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, v. 2, n. 1, p. 47-53, 2009. Disponível em:

<http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus/article/view/45/25>. Acesso em: 14 de Jul. de 2014.

LOURENÇO, Marta; GESSNER, Samuel. Documenting Collections: Cornerstones for More History of Science in Museums. Science & Education – Contributions from History,

LOURENÇO, Marta; WILSON, Lydia. Scientific heritage: Reflections on its nature and new approaches to preservation, study and access. Studies in History and Philosophy of Science, v. 44, p. 1-10, 2013.

NASCIMENTO, Silvania Sousa do. Museu, ciência, tecnologia e sociedade: um desafio de gerações. In: VALENTE, Maria Esther Alvarez (Org). Museu de Ciência e Tecnologia:

interpretações e ações dirigidas ao público. Rio de Janeiro: MAST, 2007. p. 47-55.

PANESE, Francesco. O significado de expor objetos científicos em museus. In: VALENTE, Maria Esther Alvarez (Org.). Museus de Ciência e Tecnologia: interpretações e ações dirigidas ao público. Rio de Janeiro: MAST, 2007. p.31-39.

POMIAN, Krzysztof. Colecção. In: Enciclopedia Einaudi, v. 1. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1984. p. 51-86.

SCHEINER, Tereza Cristina. O Museu como Processo. In: JULIÃO, Letícia (Coord.); BITTENCOURT, José Neves (Org.). Cadernos de diretrizes museológicas 2: mediação em museus: curadorias, exposições, ação educativa. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, Superintendência de Museus, 2008. p.34-47.

TAUB, Liba. Introduction On scientific instruments. Studies in History and Philosophy of Science, v. 40, p. 337-343, 2009.