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Os estudos de usuários começam nas primeiras décadas do século XX, com os estudos de comunidade, que se preocupavam com os hábitos de leitura dos usuários de bibliotecas. Os estudos desenvolvidos desde o início até a década de 1970 são considerados estudos da chamada abordagem tradicional ou física. Em geral, são investigações quantitativas, de caráter puramente empírico, que buscam estatísticas para medir o comportamento dos usuários, seja no sentido de verificar qual a fonte mais utilizada em um sistema de informação ou saber qual o grau de satisfação com determinado serviço. Preocupam-se em traçar um comportamento desejável para os usuários e eliminar o comportamento não desejável, com o objetivo de ajustar o usuário ao sistema de informação (LIMA, 1994; FIGUEIREDO, 1994; FERREIRA, 1997; GONZÁLEZ TERUEL, 2005).

Uma característica marcante dos estudos da abordagem tradicional é a noção de utilidade, um aspecto visível do positivismo e, especialmente, do funcionalismo. Os estudos de usuários eram realizados com o intuito de aperfeiçoar serviços, sistemas e fluxos de informação. Outro aspecto fundamental para a compreensão desta abordagem é a noção de informação, entendida como um ente objetivo cujo significado é fixo, neutro e que independe da interpretação e dos estados mentais dos usuários, que assumem uma postura passiva diante de todo o processo de busca e uso da informação. Desconsidera, também, que tanto a informação e os sistemas quanto os usuários estão inseridos em um contexto sociocultural (GONZÁLEZ TERUEL, 2005; ARAÚJO, 2010). Observa-se que estas características são percebidas também nos primeiros estudos de visitante, como discutido na seção anterior.

Se os estudos de usuários começam com pesquisas que buscam a caracterização do perfil dos sujeitos na abordagem tradicional, um grande salto conceitual vem com a abordagem cognitiva, que busca investigar os conhecimentos necessários para que as pessoas

exerçam suas atividades. Esta abordagem surge a partir dos esforços de inúmeros investigadores do campo, que investem no desenvolvimento de teorias e modelos para os estudos de usuários, em uma tentativa de reagir às críticas sofridas pelos estudos anteriores, especialmente em relação à ausência de uma base teórica e metodológica nos estudos (GONZÁLEZ TERUEL, 2005).

A abordagem cognitiva passa a considerar alguns aspectos que eram desconsiderados nos estudos anteriores: as dimensões cognitiva, emocional e situacional. Os estudos buscam entender as necessidades de informação dos sujeitos, a partir de suas perspectivas individuais, contextualizando a situação real que desencadeou tal necessidade de informação (MARTUCCI, 1997; CHOO, 2003; GONZÁLEZ TERUEL, 2005).

A ideia central da abordagem passa pela noção de necessidade de informação e a dimensão cognitiva: assume que os sujeitos possuem necessidades de informação ou lacunas na mente, que seriam preenchidas por determinada informação. Assim, incorpora uma visão específica sobre informação, enquanto uma construção subjetiva na mente do sujeito, e sobre como as pessoas conhecem a realidade: cada indivíduo possui uma estrutura de conhecimentos prévios que ao se adicionar uma nova informação, resulta em uma nova estrutura de conhecimentos. Desta forma, a informação é vista como algo capaz de reduzir incertezas e solucionar dúvidas ou problemas.

A dimensão situacional nesta abordagem é considerada como um fator interveniente, voltando-se principalmente para o contexto mais individual do sujeito, especialmente os contextos de tarefa e trabalho. E a dimensão emocional também é percebida como uma interferência nos processos de necessidade, busca e uso da informação, mas que, por vezes, é vista como um problema.

Os modelos e teorias desenvolvidos por pesquisadores nesta abordagem (como os de Brenda Dervin; Carol Kuhlthau; Taylor; Belkin, Oddy e Brooks; Ellis) assumem-se como influenciados por abordagens compreensivas, em especial algumas vertentes como o construtivismo. As principais críticas sofridas referem-se à exclusão de uma série de outras dimensões que influenciam no comportamento informacional dos usuários, como as dimensões econômicas, políticas e socioculturais, bem como a historicidade dos sujeitos (GONZÁLEZ TERUEL, 2005).

Justamente este caráter mais restritivo da abordagem cognitiva é que motiva os pesquisadores a propor novas direções para as investigações, com a abordagem sociocultural, que reconstrói os conceitos e dimensões presentes nos estudos a partir de uma nova maneira de se olhar para os fenômenos investigados. A principal característica é a relevância dada ao

contexto do usuário nos estudos, que passam a considerar a influência dos precedentes históricos e das dimensões sociocultural, econômica e política na interação dos sujeitos com a informação (GONZÁLEZ TERUEL, 2005; ARAÚJO, 2010).

A noção de contexto nesta abordagem é diferente da adotada na abordagem cognitiva. Se antes o contexto é assumido como um fator interveniente, na abordagem sociocultural é considerado um fator constituinte, ou seja, o contexto em que o sujeito viveu toda a sua vida, os grupos sociais aos quais pertence, os papéis que assume, bem como a sua historicidade, são considerados aspectos que formam, constituem o seu comportamento, inclusive as suas práticas informacionais, que se voltam para “os estudos entre aspectos informacionais socioculturais (formas coletivas de se relacionar com a informação, critérios coletivos de relevância, necessidade, etc.) e os comportamentos informacionais individuais” (ARAÚJO, 2013, p. 21).

A noção de informação também é vista de outro modo: deixa de ser considerada como algo que depende apenas da cognição de um indivíduo (sujeito antes estudado fora de seu contexto sociocultural) e passa a ser vista como um produto da intersubjetividade presente na sociedade. Em outras palavras, a informação é entendida como um processo, cujo significado engloba várias dimensões, desde a manifestação física ou material de um determinado registro (seja uma obra ou objeto de museu, um livro, um documento digital, etc.), as ações humanas de interpretação e apropriação da realidade e de seus objetos, as ações envolvidas nos procedimentos técnicos (como os que ocorrem em museus, bibliotecas, arquivos e sistemas de informação, por exemplo) e os mais variados usos e apropriações que os sujeitos fazem, em diferentes contextos.

Percebe-se, portanto, uma nova forma de se enxergar a informação e a maneira como os sujeitos conhecem e apreendem a realidade de acordo com esta abordagem: a informação não é vista como redutora de incertezas e dúvidas ou como algo que preenche vazios na mente, mas ao contrário, ela deve ser capaz de provocar mais dúvidas e inquietações no sujeito; e o conhecimento é percebido como resultado da interação do sujeito com a realidade social, a partir de seus próprios critérios de valor e relevância, por exemplo.

A dimensão emocional, antes percebida como um fator que influencia negativamente os processos de necessidade, busca e uso da informação, agora é vista como um elemento constituinte do processo e, muitas vezes, é considerada o aspecto mais relevante para os sujeitos em sua interação com a informação e o conhecimento.

3.1 Interlocuções entre os estudos de usuários e os estudos de visitante

Vislumbram-se pontos de interlocução entre os estudos de visitante e estudos de usuários da informação, pois tanto as abordagens contemporâneas da Museologia quanto a abordagem sociocultural da CI assumem um modo particular de interpretar as experiências dos sujeitos com os fenômenos museais e informacionais, oferecendo grande atenção à complexidade de tais fenômenos e a articulação entre seus elementos.

Outras investigações já se dedicaram a articular os estudos de visitante com os aportes teóricos da CI e, especificamente, os estudos de usuários da informação. Muitos estudos voltam-se para a investigação dos processos e fenômenos informacionais presentes em museus virtuais, como o trabalho de Carvalho (2008), que dedica-se a estudar o visitante virtual, de modo a caracterizá-lo e investigar sua satisfação com o museu na internet. Os trabalhos de Ross e Terras (2011) e Skov (2013) também tiverem como foco os museus on-line. O primeiro trabalho analisou o comportamento de busca de informação de usuários de um museu britânico on-line, investigando aspectos como o motivo da visita, o perfil dos visitantes, as estratégias utilizadas no processo de busca de informação e o grau de satisfação com serviços e coleções do museu. Já Skov (2013) investigou o comportamento de busca de informação de visitantes de museus virtuais, passando pelo perfil dos usuários, suas necessidades informacionais e o uso de fontes de informação.

Além de pesquisas sobre visitantes de museus virtuais, mais frequentes, outras pesquisas dedicam-se a investigar o visitante de museus físicos, como o trabalho de Silva e Ramalho (2011), que analisaram o uso da informação pelos visitantes de um centro cultural, traçando o perfil socioeconômico dos visitantes, os motivos e a frequência de visitas a museus e a satisfação dos usuários com o acervo.

Estes estudos que buscam caracterizar os visitantes de museus, bem como os que investigam o uso da informação e a satisfação dos usuários com os acervos e serviços são de grande importância para museus, em suas atividades de gestão e planejamento. Tais estudos, pelos seus objetivos e resultados apresentados, podem ser considerados como estudos das abordagens tradicional e cognitiva dos estudos de usuários.

Entendemos que a investigação da experiência de visita ao museu é complexa e inclui outros aspectos além dos investigados nos estudos citados acima. E nesta pesquisa nos dedicamos a investigar outros aspectos, visando à compreensão de tal experiência em suas múltiplas dimensões, sob a perspectiva informacional. Para isso, recorremos aos aportes da abordagem sociocultural dos estudos de usuários da informação, pois entendemos que tal

experiência de visitação envolve outras dimensões, além daquelas que os modelos das abordagens tradicional e alternativa conseguem explicar.