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Ao fazer as considerações deste trabalho, ressalta-se que a tarefa de realizar uma avaliação da qualidade e eficiência da assistência hospitalar do mix público-privado do SUS no estado de Mato Grosso constituiu-se num grande desafio, mesmo diante do pequeno número de hospitais selecionados.

Apesar das dificuldades, principalmente na coleta e processamento do grande volume de dados primários, o saldo é positivo, pois praticamente todos os objetivos propostos foram alcançados, com exceção de parte do último objetivo.

Assim, é interessante nesse momento, sem ser redundante, apresentar de forma rápida os principais achados.

No primeiro objetivo, ao realizar a caracterização da assistência hospitalar no estado de Mato Grosso utilizando dados secundários, foram verificados alguns problemas que necessitam ser minimizados. O primeiro deles refere-se ao número de leitos por 1.000 habitantes. Nesse item, o Brasil apresenta um dos mais baixos coeficientes (1,8/1.000 hab.) e no estado de Mato Grosso esse indicador ainda está abaixo da realidade brasileira (1,7/1.000 hab.) e bem abaixo do mínimo estabelecido pelo Ministério da Saúde em clínicas básicas como clínica médica e pediatria. O segundo problema refere-se à distribuição da assistência hospitalar entre as regiões do estado. Verifica-se um vazio assistencial em algumas regiões e em contrapartida, alta concentração dos serviços na Baixada Cuiabana. Dessa (des)organização resulta a situação caótica vivida há muito pelos grandes hospitais da Baixada Cuiabana, além do grande volume de gastos realizados pelos municípios para custear a logística de transporte de pacientes das mais distantes regiões para esta região. No entanto, mesmo diante dessa realidade, não se pode olvidar a importância dessa região e seus hospitais para a saúde da população de todo o estado de Mato Grosso. A realidade visualizada indica que aparentemente os recursos que já são bastante escassos, são também mal distribuídos, ou seja, é necessário que o princípio da equidade seja efetivamente colocado em prática na distribuição dos serviços de assistência hospitalar do SUS neste estado.

Em relação ao segundo objetivo foi realizada a avaliação da qualidade da assistência hospitalar com foco em estrutura, processo e resultado. O resultado geral da avaliação da qualidade mostrou que num intervalo de zero a 100%, nove dos dez hospitais receberam pontuação acima de 50%. Destes, três destacaram-se com pontuação acima de 70%: um público sob gestão OSS, um privado e um filantrópico. O hospital que apresentou a pontuação mais baixa foi um público sob administração direta.

Embora essa evidência possa ser um estímulo para aqueles que defendem a adoção do novo modelo de gestão dos hospitais, baseado na transferência para as OSS, a mesma deve ser relativizada. A principal das razões é que entre os dois modelos, as condições de operação são muito diferentes. Pelo menos três delas aqui se destacam: em primeiro lugar, o hospital 3 é um hospital de portas fechadas, recebendo apenas pacientes via regulação. Em contrapartida, o hospital 2 é um hospital de portas abertas, que atende urgência e emergência e é referência para acidentados e outros casos graves da grande Cuiabá e muitos outros municípios do estado; e o hospital 9 tem características semelhantes. Em segundo lugar, os hospitais administrados por OSS têm seu funcionamento financiado com base no custo de operação e não na Tabela SUS, como ocorre com o hospital 2 e o hospital 9, ambos públicos. Além disso, no ano de 2012 estes dois hospitais foram prejudicados pela suspensão dos repasses do estado para o financiamento da assistência hospitalar, sendo esta suspensão possivelmente motivada por um ambiente político onde se desejava priorizar a transferência da gestão dos hospitais para as OSS. Além disso, o elemento “satisfação do paciente” é bastante influenciado pela impressão causada e pelas experiências anteriores desses usuários. Assim, o simples fato de estar num hospital novo, com mobílias e equipamentos recém-adquiridos, como ocorre no hospital 3, pode ser um elemento a influenciar a opinião dos pacientes, colocando em desvantagem os demais hospitais públicos. Desse modo, o resultado do Proxy de qualidade deve ser relativizado, visto que a comparação não se mostra justa, diante da diferença nas condições de operação dos estabelecimentos estudados.

Mesmo diante dessas limitações, os resultados mostraram que quando comparadas as médias do Proxy de qualidade segundo o tipo de prestador, os privados e filantrópicos tiveram melhor desempenho que os públicos, embora com diferença inexpressiva. Ao retirar do grupo o hospital 2, em virtude da sua heterogeneidade, praticamente não se verificou diferença entre os tipos de prestadores em relação à qualidade dos serviços, medida com os instrumentos utilizados.

O fato de um hospital administrado por OSS sobressair-se como um dos melhores no Proxy de qualidade, suscitou a pergunta: a que custo esse resultado foi alcançado? Conforme já destacado, estes hospitais atuam com um papel diferenciado, recebendo apenas pacientes referenciados, ou seja, não há superlotação e recebendo recursos com base no custo de manutenção dos serviços e não com base nos valores da tabela SUS. O cumprimento dos demais objetivos trouxe mais luz a essa questão. O segundo ponto interessante é que o resultado encontrado contraria os principais teóricos em virtude de apresentar uma relação inversa entre tamanho de hospital e Proxy (indicador aproximado) de qualidade.

Possivelmente esse fenômeno ocorreu em virtude da má distribuição dos serviços com excessiva concentração nos grandes hospitais da Baixada Cuiabana, ou seja, a má organização da assistência pode estar impactando negativamente a qualidade dos serviços prestados, além do subfinanciamento da assistência. Novamente os dados evidenciam a necessidade de mais investimentos na assistência hospitalar disponível nas regiões do estado, efetivando a lógica da regionalização. Esses investimentos deveriam ser direcionados a fim de concentrar nos municípios sede das regiões os serviços de maior densidade tecnológica, diminuindo a dependência da Baixada Cuiabana.

De forma geral, nesta avaliação da qualidade, não se visualizou grandes diferença entre os prestadores públicos, privados e filantrópicos, principalmente quando consideradas as diferenças nas condições de operação. Quando estas foram desconsideradas, os privados e filantrópicos apresentaram relativa superioridade em relação aos públicos quanto à qualidade.

No que tange ao terceiro objetivo, inicialmente foi proposta a realização da avaliação da eficiência utilizando a Análise Envoltória de Dados (DEA) com base em dois modelos empíricos de hospital, sendo o segundo modelo uma inovação quanto aos elementos utilizados como input e output. A aplicação do primeiro modelo empírico utilizou os dois modelos de análise DEA, ou seja, CCR e BCC, ambos orientados a output para o ano de 2011 e primeiro semestre de 2012. A comparação das médias dos scores de Eficiência Total (CCR) evidenciou que os hospitais privados e filantrópicos prevaleceram sobre os públicos, revezando-se no primeiro lugar nos dois períodos, ou seja, em ambos os períodos os públicos apresentaram o menor nível de Eficiência Total (CCR). Quando eliminados dois hospitais do grupo por se mostrarem muito distintos dos demais, a média dos scores de eficiência manteve os filantrópicos em primeiro lugar em ambos os períodos, seguidos dos privados, com os públicos sempre na última posição. Assim, nesse modelo de análise DEA, no grupo de hospitais pesquisados, os hospitais privados e filantrópicos mostraram-se mais eficientes que os públicos. Quanto ao modelo de gestão, no primeiro semestre de 2012, em que dois dos hospitais estavam sendo administrados por OSS, os scores médios de Eficiência Total são praticamente iguais para ambos os modelos de gestão, ou seja, praticamente não há diferença no grau de eficiência quanto ao modelo de gestão dos hospitais públicos. Quando foram retirados do modelo os dois hospitais mais heterogêneos, o único hospital da administração direta restante prevaleceu sobre aqueles sob gestão OSS. Ressalta-se que esses resultados não podem ser extrapolados para outros hospitais do estado de Mato Grosso, são específicos do grupo de hospitais analisados.

No modelo BCC, todos os hospitais foram considerados eficientes tecnicamente, em ambos os períodos, mesmo quando são retirados aqueles dois hospitais, resultado obtido em virtude do pequeno número e da heterogeneidade desses estabelecimentos, uma das limitações do modelo. Este modelo foi útil nessa avaliação apenas para possibilitar o cálculo da eficiência de escala, que se manteve com o mesmo resultado encontrado com o modelo CCR. Ressalta-se que, conforme a literatura, os hospitais considerados eficientes pelo modelo CCR não são ilhas de eficiência, afinal são apenas uma referência (benchmarking) para os demais hospitais. Já os que não alcançaram o índice de eficiência não podem ser considerados inferiores, mas tal informação pode ser entendida como um sinal de alerta para a melhoria de seus processos. Convém lembrar que os resultados encontrados restringem-se ao grupo de hospitais pesquisados, não podendo ser extrapolados para os demais hospitais do estado.

A última análise realizada não estava prevista, mas ocorreu em virtude da impossibilidade de operacionalização do segundo modelo empírico de hospital. Mesmo não podendo ser operacionalizado, ele foi mantido na metodologia como sugestão para que futuras pesquisas possam adotá-lo, pois tudo indica que este novo modelo elimina as distorções visualizadas no primeiro modelo. As principais mudanças referem-se: à utilização do custo ou valor gasto para manutenção do hospital, em substituição à receita do faturamento SIH/SUS como input; à utilização do total de internações, em substituição ao numero de internações SUS.

É possível que o fato de não se evidenciar diferenças na Eficiência Total (CCR) entre os hospitais públicos sob administração direta e administrados por OSS seja resultado das distorções atribuídas ao primeiro modelo, já que o segundo modelo levanta a possibilidade da existência de ineficiência total. A comparação dos valores gastos para manutenção de oito dos dez hospitais com os valores da receita SIH/SUS por internação trouxe luz à questão citada acima quanto à forma de financiamento dos serviços prestados pelos hospitais administrados por OSS. Chamou a atenção o alto valor médio gasto por internação nestes hospitais. A comparação com os valores médios gastos pelos hospitais administrados por OSS em São Paulo revelam que os gastos dos hospitais de Mato Grosso, na mesma forma de gestão, são bastante elevados. Ressalta-se que os estudos de São Paulo utilizaram gasto médio por saída e não gasto médio por internação, no entanto, na prática, ambos os indicadores podem ser utilizados na avaliação de hospitais. O gasto médio verificado nos hospitais administrados por OSS em Mato Grosso aparentemente não se justifica, principalmente quanto são analisados o porte dos hospitais e a complexidade dos procedimentos realizados.

Conforme já destacado, não foi objetivo deste trabalho analisar os gastos realizados pelos hospitais administrados por OSS no estado de Mato Grosso. No entanto, esse achado, traz um alerta para a necessidade de possíveis melhorias no monitoramento e na avaliação dos contratos de gestão, estabelecendo o controle dos custos de operação dos hospitais a fim de revisar os valores dos contratos. Sugere-se também que o acompanhamento da operacionalização do modelo de gestão seja supervisionado por uma equipe técnica externa, independente, composta por profissionais com expertise em gestão hospitalar. Tal acompanhamento poderia ser realizado por meio de convênio com a Universidade Federal de Mato Grosso, assim como foi realizado no estado de São Paulo com a Faculdade de Saúde Pública da USP. Tal medida daria maior transparência ao modelo e abertura para que sugestões fossem dadas pela equipe técnica externa a fim de aprimorar o modelo eliminando possíveis incoerências.

Ao finalizar este trabalho, espera-se que a desafiadora iniciativa de avaliar a qualidade e eficiência da assistência hospitalar em uma amostra de hospitais do estado de Mato Grosso sirva de inspiração para que novos trabalhos sejam realizados, preferencialmente com financiamento suficiente para que seja estudado um número mais representativo de hospitais. Espera-se também que este estudo possa colaborar para a construção do conhecimento científico relacionado à assistência hospitalar e de alguma maneira contribuir para a melhoria da assistência hospitalar no estado de Mato Grosso.