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2. AVALIAÇÃO DA QUALIDADE E EFICIÊNCIA HOSPITALAR NO SUS

2.2 Qualidade: definições e principais pensadores

A qualidade em si é um conceito abstrato, gerando dificuldades tanto na sua definição quanto na sua operacionalização. Mesmo diante de tal constatação, é relevante a discussão de algumas definições propostas ao termo qualidade (LA FORGIA e COUTTOLENC, 2009).

O dicionário Houaiss (2001) define qualidade como “propriedade que determina a essência ou a natureza de um ser ou coisa; característica superior ou atributo distintivo positivo que faz alguém ou algo sobressair a outros; virtude; característica inerente; grau negativo ou positivo de excelência”.

Para Silva (2005, p. 449) “qualidade é a totalidade de aspectos e características de um produto ou serviço que propiciam a habilidade de satisfazer dadas necessidades”. Para esse autor, a falta de uma definição clara dificulta a medição, o controle e o gerenciamento da qualidade nas organizações.

De acordo com Campos (1998, p. 2), “qualidade é quando um produto ou serviço atende perfeitamente, de forma confiável, de forma acessível, de forma segura e no tempo certo às necessidades do cliente”.

Percebe-se, nas definições citadas, que a qualidade é relacionada aos atributos ou características presentes nos produtos ou serviços que são capazes de distingui-los positivamente, fazendo-os se sobressair a outros, tornando tais produtos ou serviços capazes de atender adequadamente as necessidades de seus usuários.

Existem muitas definições para a ideia de qualidade, recebendo cada uma delas um foco específico. As mais importantes são: Excelência (o melhor nível de desempenho alcançado em qualquer atividade), Valor (características que fazem do produto ou serviço luxuoso, caro; valor percebido pelo cliente, sua disposição em gastar); Especificações (qualidade estabelecida quando do planejamento do produto ou serviço determinando como deve ser); Conformidade (relação entre o produto ou serviço obtido e sua especificação quando do planejamento); Regularidade (manutenção de padrões, produtos ou serviços idênticos); Adequação ao uso (produto ou serviço bem planejado e isento de deficiências) (MAXIMIANO, 2006).

O movimento voltado para a gestão da qualidade ganhou relevância depois da segunda guerra mundial. Inicialmente esse movimento se estabeleceu nos Estados Unidos, de forma tímida, com ênfase nos métodos e desenvolveu-se no Japão, com ênfase no conceito e nos métodos (MARTINS, 2007). A escassez de recursos naturais no Japão fez com que o país visualizasse a exportação de produtos como a principal alternativa, tornando a qualidade uma obsessão nacional logo depois da segunda guerra mundial (MAXIMIANO, 2006).

A partir desse período, os engenheiros e industriais japoneses empreenderam uma busca, em diversos países, por conhecimentos e técnicas que ajudassem o país a se recuperar, mediante o aprimoramento da qualidade de seus produtos. Nesse cenário, ganharam notoriedade alguns nomes que se destacaram na criação e difusão das ideias relacionadas à qualidade. Em virtude da importância de suas ideias, os mesmos são apresentados, de forma breve, a seguir.

William Edwards Deming, estatístico, consultor, professor da New York University foi convidado pelo governo japonês para ajudar suas indústrias a melhorar sua produtividade através da aplicação da estatística ao controle da qualidade. Seu método implicava no envolvimento de todos os membros da organização, trazendo a responsabilidade pelos resultados da alta administração, somente, para o nível operacional, também. Todos os membros da organização receberiam treinamento em controle de qualidade e estatística e poderiam oferecer sugestões para melhorar o sistema (SILVA, 2005).

Para Deming a qualidade é definida como a capacidade de atender continuamente as necessidades e expectativas dos clientes a um preço que eles estejam dispostos a pagar (MALIK e SCHIESARI, 1998).

Em 1982, Deming escreveu o livro Quality, productivity and competitivive position (qualidade, produtividade e posição competitiva), que foi transformado em Out of the crisis (Superando a crise) em 1986. Nesse livro, o autor apresenta seu método para a gestão da qualidade baseado em 14 princípios. A aplicação das ideias de Deming no Japão produziu o chamado milagre japonês na década de 1970, despertando o interesse do mundo em descobrir as razões de tamanho crescimento econômico. Os japoneses atribuíam a Deming, um americano desconhecido em seu próprio país, grande parte das orientações, que postas em prática, conduziram o país em direção ao sucesso, despertando a partir daí o interesse dos americanos pela qualidade (MAXIMIANO, 2006).

Joseph M. Juran foi mais um americano que prestou sua contribuição ao Japão, difundindo as teorias voltadas à gestão da qualidade. No ano de 1954, ministrou nesse país uma série de cursos e seminários sobre controle da qualidade. Segundo Maximiano (2006, p. 124), com base nos ensinamentos de Juran, foi possível “ampliar os horizontes dos gerentes participantes, mostrando que o controle da qualidade não se aplicava apenas à manufatura e à inspeção, mas a todas as áreas funcionais e a todas as operações da organização”. Uma das grandes contribuições de Juran foi a estruturação da gestão da qualidade em três processos: planejamento da qualidade, controle da qualidade e melhoria da qualidade, a chamada Trilogia de Juran (MARTINS, 2007).

Philip B. Crosby escreveu o livro Quality is Free (A qualidade não tem custo) no ano de 1979. Ele difundia a ideia de que qualquer nível de defeito é alto demais e que a empresa deveria perseguir o alvo de zero defeito. A ideia por trás da qualidade grátis é que a avaliação dos custos da má qualidade está errada, pois deveria considerar todas as consequências de não executar o trabalho corretamente na primeira vez. Assim, quantias ilimitadas poderiam ser gastas na melhoria da qualidade (SILVA, 2005). Para Crosby são quatro os princípios da qualidade: a definição de qualidade é a conformidade com os padrões; o sistema de qualidade é a prevenção; o padrão de desempenho é o defeito zero; a mensuração da qualidade é o preço da não-conformidade (MALIK e SCHIESARI, 1998).

Kaoru Ishikawa, químico japonês, foi aluno de Deming e Juran. É conhecido pelo diagrama que recebeu seu nome, conhecido também como Espinha de Peixe ou Causa e Efeito. Criou instrumentos muito importantes no auxílio ao controle da qualidade: Círculo de Controle da Qualidade (CCQ) e as Sete Ferramentas da Qualidade (Diagrama de Pareto,

Diagrama de Causa e Efeito, Estratificação, Folha de verificação, Histograma, Diagrama de Dispersão e Gráficos de Controle). Para ele a qualidade pode ser obtida, com a utilização dessas ferramentas, por qualquer trabalhador (WOOD et al., 1994; MARTINS, 2007).

Armand Feigenbaum apresentou suas idéias pela primeira vez em 1961, denominando- as de controle da qualidade total (TQC – Total Quality Control). Para ele, o ponto de partida da qualidade é o interesse do cliente. Assim, a qualidade deveria estar presente no produto ou serviço, desde o início de sua produção, tendo por base os interesses e anseios dos clientes. Desse modo, a qualidade deveria estar presente, na indústria, em todos os estágios do ciclo industrial, enumerados em oito: marketing, engenharia, suprimentos, engenharia de processo, produção, inspeção e testes, expedição, instalação e assistência técnica (MAXIMIANO, 2006). Assim, a idéia é que a responsabilidade pelo controle da qualidade seja assumida por todas as áreas da empresa (“Total”), desde o contato com o cliente até a entrega do produto ou serviço. Para isso, o autor difundiu a necessidade de utilizar-se de manuais de orientação, como o manual da qualidade e demais procedimentos e registros (MARTINS, 2007).

Avedis Donabedian, pediatra armênio radicado nos Estados Unidos, foi quem primeiro se dedicou de maneira sistemática a estudar e a publicar sobre a qualidade nos serviços de saúde. Donabedian desenvolveu um quadro conceitual para o entendimento da avaliação de qualidade em saúde, partindo da tríade estrutura, processo e resultado. Essa tríade é oriunda da Teoria Geral de Sistemas correspondendo a: input-process-output (MALIK e SCHIESARI, 1998).

Segundo este autor, preocupado com a aferição da qualidade do cuidado médico, a “estrutura” corresponderia às características estáveis dos prestadores do serviço, aos instrumentos e recursos, assim como às condições físicas e organizacionais; o “processo” seria o conjunto de atividades desenvolvidas na relação entre profissionais e pacientes; e os “resultados” as mudanças verificadas no estado de saúde dos pacientes que pudessem ser atribuídas a um cuidado prévio (DONABEDIAN, 1980).

Numa primeira classificação, Donabedian atribuiu três dimensões à qualidade: conhecimento técnico-científico, relações interpessoais entre os profissionais e o paciente e amenidades, isto é, condições de conforto e estética das instalações e equipamentos no local onde a prestação ocorre (SILVA e FORMIGLI, 1994; DONABEDIAN, 1992).

Propondo outro modelo, Donabedian (1990) ampliou o conceito de qualidade, aplicando o que chamou de “sete pilares da qualidade”, os quais são: eficácia, efetividade, eficiência, otimização, aceitabilidade, legitimidade e equidade.

Donald Berwick, pediatra americano, envolveu-se com a qualidade na saúde quando de sua participação do Plano de Demonstração Nacional – PDN (National Demonstration Project - NDP). Publicou um livro adaptando os conceitos da administração da qualidade da área industrial para a saúde ao tempo em que destacava exemplos práticos da aplicação das ferramentas da qualidade. Em seu livro, apresenta 10 (dez) princípios aplicáveis à administração da qualidade na área da saúde, os quais são: 1) o trabalho produtivo é realizado através de processos; 2) relações sólidas entre cliente e fornecedor são imprescindíveis para uma segura administração da qualidade; 3) a principal fonte de falhas de qualidade são os problemas nos processos; 4) a má qualidade é cara; 5) a compreensão da variabilidade dos processos é a chave para melhorar a qualidade; 6) o controle de qualidade deve concentrar-se nos processos; 7) a abordagem contemporânea de qualidade está fundamentada no pensamento científico e estatístico; 8) o envolvimento total do empregado é crucial; 9) estruturas organizacionais diferentes podem ajudar a obter melhoria da qualidade; 10) a administração da qualidade emprega três atividades básicas, estreitamente inter-relacionadas: planejamento da qualidade, controle da qualidade e melhoria da qualidade (MALIK e SCHIESARI, 1998).

Mais recentemente, contribuindo para a teoria relacionada à qualidade na saúde, o Instituto de Medicina dos EUA publicou o trabalho Crossing the Quality Chasm (Transpondo o abismo da qualidade). Na abordagem desse Instituto (IOM, 2001), consideram-se seis dimensões da qualidade da atenção:

Segurança dos pacientes: evitar danos aos pacientes por parte dos serviços cujo

propósito é ajudá-los;

Efetividade: proporcionar serviços pautados no conhecimento científico e evitar

proporcioná-los àqueles que provavelmente não se beneficiariam deles;

Cuidados centrados nos pacientes: proporcionar cuidados que respeitem e

correspondam às preferências, necessidades e valores dos pacientes individualmente e assegurar que os valores dos pacientes orientem todas as decisões clínicas;

Adequação no tempo: reduzir as demoras às vezes prejudiciais tanto para os

beneficiados como para os fornecedores dos serviços;

Eficiência: evitar desperdício de equipamentos, suprimentos, ideias e energia;

Equidade: prover cuidados que não variem em qualidade em virtude de características

pessoais, tais como gênero, grupo étnico, naturalidade ou status socioeconômico.

Este trabalho utiliza a abordagem proposta por Donabedian (1980) e sua definição de qualidade, embasada na tríade estrutura-processo-resultado. A opção por essa abordagem se

deu principalmente em virtude do instrumento utilizado haver sido criado sobre essa base teórica.