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Esta pesquisa realizou o esforço de compreender a educação paulista de adolescentes e adultos, durante a Primeira República, por meio da análise da 2ª edição da Cartilha do Operario (1924), livro didático de Theodoro de Moraes, professor normalista e inspetor de ensino.

O fato da Cartilha do Operario ter sido adotada para cursos e escolas noturnas oficiais, ajuda a analisar e compreender as políticas públicas republicanas direcionadas para a educação de adolescentes e adultos no sistema de ensino que ora se configurava. O final do Império já trazia uma série de iniciativas particulares voltadas ao atendimento desta população. Umas eram expressas de forma assistencialista, a fim de oferecer condições ao menor desvalido de ter e um ofício, sendo realizadas pelo Liceu Salesiano e pelas Escolas Populares. Outras, mais específicas, eram destinadas à instrução e formação do operário, realizadas pelas Escolas Noturnas da maçonaria e pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.

A regulamentação de cursos noturnos públicos (decreto 248 de 26 de julho de 1894) foi uma iniciativa de utilizar uma estrutura escolar existente em função do atendimento de adolescentes e adultos no ensino preliminar. Os cursos noturnos eram destinados a pessoas do sexo masculino, de faixa etária acima daquela atendida pelas escolas preliminares diurnas (a partir de 16 anos), que exercessem “afazeres” durante o dia, tratando-se, provavelmente de algum ofício. Neste primeiro momento, a educação de adolescentes e adultos não tinha especificidade no que se refere aos programas de ensino, pois utilizavam os mesmos programas das escolas preliminares voltadas para crianças.

Nos anos 10, é marcante na sociedade paulista a transição econômica do modelo agrário-comercial para urbano industrial. Essa transição associada aos elevados fluxos imigratórios ocasionados pelo início da Primeira Grande Guerra (1914-1918) resultou na incorporação desta massa estrangeira à mão-de-obra industrial paulista. Dificuldades econômicas de ordem nacional, motivadas pelo contexto internacional de guerra, ocasionaram dificuldades de importação de produtos e o aumento inflacionário. Essas questões, associadas às más condições de trabalho nas fábricas e aos baixos salários dos operários, resultaram na eclosão de uma série de greves paulistas. Essas greves,

incitadas principalmente pelos imigrantes operários associados aos movimentos sindicalistas, perduraram durante toda a década.

Durante a década de 1910 foi realizada a distinção entre cursos e escolas e noturnas. Os cursos noturnos eram estruturados da mesma forma que as escolas isoladas, dependentes de uma demanda local e sem destinação de recursos financeiros para sua instalação. As escolas noturnas funcionavam em prédios cedidos pelos municípios. No início da década de 10, foi estabelecido o Programa das Escolas Noturnas pelo decreto 1915, pautado pelo método de ensino analítico recém adotado pela instrução pública paulista, enfatiza a especificidade do ensino noturno para adolescentes e adultos, estabelecendo o ensino da linguagem pelo emprego de situações relacionadas ao universo operário e trazendo o programa de ensino para as matérias de Aritmética, Lições Gerais, Educação Cívica e Moral e Desenho. Desta forma, além do ensino das primeiras letras, da matemática e do desenho, as matérias de Lições Gerais e Educação Cívica e Moral acresciam ao programa a formação desejada ao cidadão republicano: os valores patrióticos, a noção de direitos e deveres e importância do trabalho e da instrução como os caminhos para o progresso na nação.

Considerando o que foi exposto, é importante observar as distinções que o ensino noturno marca na institucionalização da educação primária durante a Primeira República: a definição da faixa etária de atendimento, cabendo ao curso noturno o oferecimento de instrução àqueles alunos acima da idade atendida pelos cursos diurnos (maiores de 14 anos, de acordo com o decreto nº. 2225 de 16/04/1912); a definição de horário de atendimento, o que caracteriza funcionamento destas escolas no período noturno devido ao perfil de seus alunos, operários que exerciam suas atividades profissionais durante o dia; a definição de gênero, pois a escola era destinada, na forma da lei, a alunos do sexo masculino e; a diferenciação de programas, ou seja, a escola e os cursos noturnos conseguiram manter sua especificidade, no que se refere aos métodos de ensino e conteúdos veiculados no ensino primário (decreto nº. 1915 de 19/07/1910).

No o capítulo II, a análise dos Livros de Matrícula da Escola Noturna para Adultos anexa à Escola Normal da Capital dos anos de 1911 e 1912 possibilitou aproximações em relação ao público potencial da Cartilha. Neste curso noturno recebeu a matrícula de brasileiros (cerca de 80%) e imigrantes (cerca de 20%), entre 12 e 37 anos. Os adolescentes entre 13 a 18 anos compunham quase 70% dos alunos atendidos

exercício de algum ofício, havendo o predomínio de profissões voltadas aos ramos industriais de tecelagem, metalúrgica, e construção civil.

Este contexto de produção motivou a produção da Cartilha do Operario. Pelo mapeamento da participação de Theodoro de Moraes na educação paulista republicana, como pela análise de suas produções educacionais discutidos no capítulo III, verificou- se que o autor da Cartilha esteve vinculado às orientações propostas pela Diretoria de Instrução Pública nos anos 10 e 20, o que pode ser confirmado em suas publicações em defesa e para a propagação do método analítico, destinadas à orientação de professores e pela produção de cartilhas e livros de leitura, recomendados e adotados oficialmente para uso em escolas públicas.

O fato da Cartilha do Operario ter sido produzida a partir das orientações oficiais de ensino estabelecidas no programa para as escolas noturnas de 1910, por meio do método analítico, foi uma estratégia republicana de imprimir à educação a tarefa de propagar a mentalidade republicana de nacionalismo, trabalho e progresso na formação do cidadão ativo, aquele que contribui com a grandeza da nação, procurando instrução e exercendo um ofício.

Contudo, o fato de determinados programas serem excluídos da proposta da

Cartilha, tratando-se esses da questão da cidadania e dos diretos políticos, faz com que

esse material didático torne-se uma estratégia direcionada a formação desta massa operária de 1910, vinculada a conflitos nas esferas sociais e econômicas, por meio do intenso movimento grevista.

Em 20, há o aumento das escolas noturnas e neste período ocorre a adoção oficial e circulação da Cartilha do Operario. Conclui-se que esta mão-de-obra operária de 20 não partilharia, via educação, das discussões republicanas iniciais sobre cidadania, direitos e deveres políticos.

Ao final deste trabalho, foi possível perceber que o investimento em escolas e cursos noturnos, durante a Primeira República, foi um momento marcante da história da educação de adolescentes e adultos em São Paulo. Se estas iniciativas oficiais tivessem ganhado espaço ao longo do tempo, no lugar de serem substituídas pelas campanhas emergências de educação de massa a partir dos anos 30, possivelmente a elevada taxa de analfabetismo absoluto no Brasil não estaria na pauta dos debates e políticas educacionais contemporâneos.

Esta pesquisa apresenta importantes contribuições para a história de educação de adolescentes e adultos e para a história da alfabetização. No primeiro caso, por trazer a

análise deste atendimento na Primeira República, portando, rompendo com a idéia de que esta história só começou com as campanhas de alfabetização iniciadas em 1930- 1940.

No segundo caso, por abordar a constituição do campo e do conhecimento construído sobre alfabetização de adolescentes e adultos a partir da análise uma cartilha, a Cartilha do Operario que, de certa forma, pode ser considerada representativa de uma prática que se queria instaurar dos ideários pedagógicos vigentes, bem como das práticas editoriais postas em circulação.

A abordagem histórica da Cartilha do Operario ajuda a compreender de forma específica as práticas escolares de leitura e da escrita, voltadas, pela primeira vez, para adolescentes e adultos, na sua especificidade, trabalhadores; e as transformações das concepções de ensino e aprendizagem ocorridas ao longo do tempo.

Espera-se que esta pesquisa desperte o interesse de outros pesquisadores em aprofundar uma série de questões aqui indicadas e que não foram possíveis de serem abordadas.