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Capítulo I – Para que alfabetizar adultos em 1920?

2. A instrução paulista durante a Primeira República

2.2. Oscar Thompson, 1909 a

Oscar Thompson foi um dos personagens de destaque dentre os intelectuais que dirigiam a educação paulista no início do século XX e sua atuação foi marcante nos diferentes níveis de escolarização e na sua defesa pelo método intuitivo de ensino.

Thompson assumiu duas vezes a direção da instrução pública paulista: de 1909 a 1911 e de 1917 a 1920. Em sua primeira gestão como Inspetor Geral da Instrução Pública, as principais ações de Thompson foram: a Reforma da Inspetoria Geral e da Inspeção Escolar, as discussões acerca dos mental tests e a oficialização da leitura pelo método analítico (GONÇALVES, 2002).

Na primeira gestão de Thompson, a Inspetoria Geral de Ensino foi reformulada pelo decreto nº 1883 de 06/06/1910. Os assuntos administrativos (nomeações, permutas, demissões e remoções) estão a cargo da Secretaria do Interior. Assuntos relativos à pedagogia geral, higiene escolar, publicação de revistas e manuais didáticos, bem como inspeção de escolas isoladas, grupos escolares, escolas complementares e ensino preliminar privado em todo o estado são de responsabilidade da Diretoria Geral35.

De acordo com Gonçalves (2002), as atividades executadas pela Diretoria Geral foram organizadas em duas classes: a classe interna, dividida em três sessões de atribuições diferentes, e executadas por três escriturários. Essas sessões tinham a função de definir os instrumentos e uniformizar o ensino do estado em relação às questões teórico-metodológicas e técnicas (localização das escolas, organização de estatística sobre a instrução pública e particular e levantamento de dados sobre os recursos

materiais, número de alunos e professores espalhados pelo estado) e; a classe externa, sob a responsabilidade de dezesseis inspetores nomeados, com a função de organizar tecnicamente as escolas e grupos escolares e difundir os métodos de ensino prescritos pela Diretoria Geral.

Oscar Thompson defendia o ensino intuitivo, implantado desde Caetano de Campos e incentivou a adoção dos mental tests nas escolas públicas. Em 1909, Clemente Quaglio, professor do Grupo Escolar Rangel Pestana (Amparo, SP), montou um gabinete de Antropologia Pedagógica e Psicologia Experimental para avaliar o desempenho intelectual das crianças. Os resultados obtidos por Quaglio foram publicados na Revista de Ensino e, em 1910, Thompson o convida para assumir a primeira seção de serviços internos da Diretoria Geral de Instrução Pública (GONÇALVES, 2002).

Em 1909, após um extenso debate acerca da adoção de um método de ensino adequado à formação do cidadão republicano36 (CARVALHO, 1998b; MORTATTI, 2000), Thompson oficializa o método analítico para o ensino da leitura com o objetivo de uniformizar a instrução pública e diminuir o índice de analfabetismo. O método analítico para o ensino da leitura foi defendido e oficializado por Thompson (Annuario

do Ensino do Estado de São Paulo de 1909-1910, p. 8) por ser comprovado

empiricamente como "o mais compatível com a nossa natureza para ensinar a criança a pensar". Os relatórios elaborados por Thompson e publicados nos anuários oferecem orientação metodológica para o ensino da leitura pelo método analítico, ensino de desenho e caligrafia37 a partir dos trabalhos desenvolvidos por estudiosos estrangeiros como Parker, Roark, Faria de Vasconcelos, Webb, Gallandet, Farnham, Arnold e Virdeu, entre outros (GONÇALVES, 2002).

Em 1910, Theodoro de Moraes fez parte do grupo de inspetores de ensino da classe externa, atuando na 5ª zona38. Oscar Thompson, em relatório publicado no

Annuario de Ensino de 1909-1910 define que a inspeção dos grupos escolares será feita

por matérias e nomeia M. Carneiro Júnior, Theodoro de Moraes, J. Pinto e Silva e Mariano de Oliveira para a inspeção das matérias de leitura e linguagem. Em 1911 estes 36Carvalho (1998b) trata dos debates do período publicados na Revista de Ensino (1902-1918) acerca da escolha entre os métodos sintético e analítico e das abordagens de alfabetização (soletração, silabação, palavração ou sentenciação) associadas a esses métodos. Segundo a autora, a escolha do método está associada ao perfil do cidadão ativo que a república intencionava formar.

37Cf. Esteves (2002).

38A quinta zona abrangia os municípios de Sorocaba, Piedade, Pilar, Sarapuí, Tatuí, Campo Largo, Porto Feliz, Tietê, Pereiras, Rio Bonito e São Roque e na capital eram visitadas as escolas de Vila Cerqueira Cesar, Pinheiros e Butantã.

inspetores publicam o livreto Como ensinar a leitura e linguagem nos diversos anos do

ensino elementar, pela Diretoria Geral de Instrução Pública, que orienta os professores

sobre a utilização do método analítico para o ensino de leitura. Este material será analisado no capítulo III, juntamente com as demais produções de Moraes.

Gonçalves (2002) afirma que Oscar Thompson também deixou evidente em seus relatórios a importância da implantação do ensino profissionalizante e do ensino agrícola no estado de São Paulo diante na necessidade de "formar mão-de-obra escolarizada e disciplinada para a geração de riquezas e de um futuro próspero para o país". O analfabetismo e a falta de mão-de-obra para satisfazer a demanda da indústria paulista incipiente, conjugados com a grande quantidade de migrantes das zonas rurais e imigrantes, então considerados indisciplinados, indolentes e improdutivos, eram apontados como parte dos problemas sociais do final da década de 1910.

Thompson acreditava na educação como um meio de solucionar os problemas sociais. A escola poderia oferecer formação integral do sujeito e era considerada como o instrumento capaz de regenerar essa população, tornando-a produtiva, saudável e otimista. Theodoro de Moraes, como inspetor de ensino atuante na gestão de Thompson, deveria compartilhar desta visão, o que pode ser verificado em suas produções didáticas direcionadas à alfabetização de adolescentes e adultos, alunos de cursos noturnos, escolas noturnas, liceus e cursos profissionalizantes, a Cartilha do Operario (1924) e

Leituras do Operario (1928). O estudo destas produções didáticas de Moraes é

realizado no capítulo III deste trabalho.

Na primeira gestão de Thompson, entrou em vigor o decreto n. 1915 de 18/07/1910, que regula o funcionamento e estabelece o programa das escolas noturnas. Estas escolas eram “destinadas a pessoas do sexo masculino, maiores de 14 anos” e funcionariam durante toda a semana, das 18h30 às 21h00. O programa trata das matérias de leitura e linguagem (ensinadas pelo método analítico), aritmética, lições gerais, educação cívica e moral e desenho, e em todas essas há a relação dos conteúdos às questões do universo operário: relações do trabalho (produção e consumo), a valorização do trabalho e da instrução, importância da higiene e prejuízos do alcoolismo, entre outros temas. As temáticas que perpassam o programa das escolas noturnas serão retomadas no capítulo IV desta dissertação, durante a análise da Cartilha

2.2.1 O Anuário de Ensino de 1909-191039

Publicado durante gestão de Oscar Thompson na Diretoria Geral de Instrução Pública, este anuário traz informações iniciais sobre do número da população escolar do estado e a quantidade de seus habitantes, enfatizando-se que a maioria da população permanecia sem escola.

Cumpre notar desde já, neste preambulo, que o estado de S. Paulo com 3.029.650 habitantes, tem uma população escolar de 432.807 individuos, dos quaes 122.678 frequentam escolas e 310.129 permanecem sem escolas.

Verifica-se, pois, que a porcentagem da população com escola é de 28,3% e da população sem escola é de 71,1% (Annuario de Ensino

do Estado de São Paulo de 1909-1910, p. VI).

No Annuário consta que funcionavam na Capital dois cursos noturnos e dez escolas noturnas e no interior, doze cursos noturnos e doze escolas noturnas. Oscar Thompson apresenta uma crítica aos programas de ensino, porque eram adotados os mesmos programas das escolas preliminares diurnas para os cursos noturnos, sem consulta às necessidades dos operários que os freqüentavam. Para ele, o programa está muito além das necessidades do trabalhador manual, “que necessita de conhecimentos de immediato alcance pratico”.

Leitura e escripta, exercicios praticos de linguagem, arithmetica e lições geraes, comprehendendo noções de geographia e historia, geometria pratica e desenho, noções moraes e civicas relativa aos deveres para com a familia, a sociedade e a patria, applicações das sciencias physico-naturaes á industria, ao commercio e á agricultura, taes são, julgamos, as materias essenciaes á vida do trabalhador manual.

39 O Annuario do Ensino do Estado de São Paulo foi uma publicação da Diretoria Geral de Instrução Pública de tiragem anual, que circulou com interrupções nos anos de 1907 a 1921, de 1923 a 1926 e de 1935 a 1937, num total de 18 números (CATANI; SOUSA, 1999, p. 45). Durante a etapa de coleta de fontes em arquivos, tivemos acessos aos anuários de 1909-1910, 1910-1911, 1911-1912, 1913, 1914, 1917, 1920-1921, 1922, 1923, 1924-1925, 1926, 1935-1936 e de 1936-1937, os quais estavam localizados no acervo Paulo Bourroul e Macedo Soares da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e no acervo do Instituto de Estudos Educacionais Sud Mennucci do Centro do Professorado Paulista. Os

Annuarios do Ensino trazem informações da Diretoria de Ensino sobre o movimento do ensino oficial e

particular, relatórios do Diretor Geral de Instrução Pública e dos Inspetores de Ensino, quadros de estatística escolar e a relação de funcionários docentes e administrativos das escolas públicas do Estado de São Paulo. Nos relatórios dos Diretores de Ensino e dos Inspetores Escolares foram localizadas informações sobre a organização e as demandas da educação de adolescentes e adultos durante a Primeira República, as quais são utilizadas nesta exposição.

Esta ultima parte – “lições geraes” deve comprehender apenas conhecimentos de alcance pratico que habilitem o proletariado ás condições e exigencias do mundo moderno, fazendo-o conhecer, rudimentarmente embora, as mais communs aplicações das sciencias physico-naturaes á industria, ao commercio, á agricultura, ou, de modo geral, ás artes e officios (Annuario de Ensino do Estado de São

Paulo de 1909-1910, p. 66).

No relatório do inspetor escolar José Carneiro da Silva, há informações sobre a falta de adequação das escolas diante das necessidades de formação do aluno trabalhador.

Temos nos nossos programmas o desenho, os trabalhos manuaes, as noções de sciencias, NAS SUAS MAIS UTEIS APPLICAÇÕES ÁS INDUSTRIAS E Á AGRICULTURA... Que têm feito nossas escolas a tal respeito? Nada.

Faltam-nos apparelhos, faltam-nos recintos apropriados, faltam- nos mestres de preparo experiemntal, que no conceito de Pestalozzi, citado por Oliveira Lima, “trabalhem com os alumnos, fazendo uso de suas proprias mãos, dando-lhes o exemplo da união do cerebro e do esforço dos braços”.

Tratando-se do ensino pratico, deve insistir aqui pela remodelação dos nossos cursos nocturnos e dos que foram ultimamente creados, bem como pela organização das novas escolas dos centros industriaes de accôrdo com as immediatas necessidades dos alumnos (Annuario de Ensino do Estado de São Paulo de 1909-

1910, p. 252-253).

Por fim, o inspetor escolar Miguel Carneiro Junior aponta a necessidade de organizar um regimento interno especial e um programa para as escolas isoladas e cursos noturnos.

Nos relatórios de Oscar Thompson e dos inspetores de ensino José Carneiro da Silva e Miguel Carneiro Junior, há a preocupação em marcar a especificidade dos cursos noturnos em relação à criação de regimento e programas de ensino, que foi obtida com o decreto 1915 de 18/07/1910, e de investir em um curso noturno que também seja profissionalizante, proposta que será retomada por Pedro Voss, em 1926.