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Capítulo I – Para que alfabetizar adultos em 1920?

1. A sociedade republicana e a educação popular

1.2. Transição econômica: de agrário-comercial a urbano-industrial

1.2.1. O proletariado industrial

Conhecer a configuração da classe operária no período republicano favorece a compreensão do público potencial das escolas e cursos noturnos.

Pinheiro (2004b) traz importantes contribuições para a compreensão da formação do proletariado industrial na Primeira República. Sobre a formação e a composição da classe operária, o autor chama a atenção para a presença da mão de obra estrangeira composta pelo imigrante europeu: “(...) dos anos 1890 até pelo menos 1920, os imigrantes estrangeiros e seus filhos, nascidos no Brasil, constituíam a maioria da classe operária urbana em São Paulo e Santos, e a maior parte do proletariado no Rio de Janeiro” (p. 138).

De acordo com o recenseamento populacional feito em São Paulo no ano de 1883, os estrangeiros constituíam mais de 80% da mão-de-obra industrial: “(...) os estrangeiros contavam 71.458 numa população de 130.775 habitantes o que representava 54%. Considerando a mão de obra ocupada na indústria – o que

colocavam-se contra os sindicatos, não os reconhecendo como instância representativa dos operários e reprimido-os com a força policial.

compreende manufatureiros, artistas e transportes – os estrangeiros constituem 82,5% (...)” (PINHEIRO, 2004b, p. 139).

Dentre a grande massa de imigrantes que atuavam nos setores industriais paulistas, os italianos constituíam a maior parte.

Em 1900, 92% dos operários industriais do Estado de São Paulo eram estrangeiros e 81% eram italianos. Em 1912, no mesmo Estado, 80% dos operários têxteis eram estrangeiros, sendo que 65% eram italianos. Em 1913, Antonio Piccarolo, um jornalista socialista de direita, calculava que 4/5 dos pedreiros da cidade de São Paulo eram italianos. Ainda em 1915, mais de dez anos após o encerramento do grande período de imigração italiana, um relatório do Departamento Estadual do Trabalho indica que os italianos constituíam a maior parte dos operários da cidade de São Paulo (PINHEIRO, 2004b, p. 139).

Em 1920, a população estrangeira ainda era parcela significativa da composição demográfica paulista, representando 52% da população adulta. “Entre os 100.388 empregados na indústria – uma classificação ampla que incluía fábricas e pequenas oficinas – 51% entre 13.914 eram imigrantes” (PINHEIRO, 2004b, p. 139).

Pinheiro (2004b) explica que os recenseamentos de 1872 e 1920 classificavam as artes e ofícios em geral - marceneiros, ferreiros, mecânicos, trabalhos manuais e as indústrias caseiras - como indústria. A estrutura industrial de São Paulo no início do século XX era a seguinte:

Tabela 1 – Estrutura industrial de São Paulo no início do século XX

ano número de empresas capital (contos) força motriz número de operários

1907 326 127.702 18.301 24.186

1920 4.145 537.817 94.099 83.998

1929 6.923 1.101.824 --- 143.376

Fonte: Pinheiro, 2004b, p. 141, com adaptações.

Apesar de existir um setor majoritário de pequenas empresas, a maioria absoluta de operários trabalhava em fábricas razoavelmente grandes: “(...) no Brasil, as empresas com mais de 100 operários compreendiam 69,7% da mão-de-obra industrial, apesar de somente abranger 3,5% dos estabelecimentos” (PINHEIRO, 2004b, p. 142).

Pinheiro (2004b) também destaca a relação entre os níveis de remuneração e as manifestações da classe operária. A intensificação do fluxo migratório, resultante do período de crise da lavoura cafeeira (1898-1910), atendeu a demanda de mão-de-obra

nas indústrias. Em São Paulo, mulheres e crianças engrossavam a massa de operários, o que pressionava o rebaixamento dos salários do operário adulto do sexo masculino. Segundo Pinheiro (2004b) em 1901, 4936 trabalhadores de 36 empresas paulistas, 3291 eram homens (67%), 943 eram mulheres (19%) e 702 crianças menores de 14 anos (12%). O detalhamento da faixa etária dos operários contribui para a configuração da clientela das escolas noturnas, como será tratado no capítulo II.

O excesso de mão-de-obra mantinha os salários baixos e, conseqüentemente, poucos operários ganhavam o suficiente para prover o sustento de suas famílias. No período de 1914 a 1916, o custo de vida aumentou em 16%, enquanto que os salários teriam subido somente 1%. A alta de preços dos produtos de exportação e dos gêneros alimentícios motivada pela Primeira Guerra Mundial colaborou com essa situação. “O descompasso entre o salário e o custo de vida se acentua no período posterior à guerra: entre 1914 e 1919 o custo de vida sobe 48%, enquanto que os salários sofrem um aumento de 23%” (PINHEIRO, 2004b, p. 147).

Os baixos níveis de remuneração, a ausência de legislação trabalhista (não havia férias, descanso semanal remunerado, licença remunerada para tratamento de saúde e jornada diária era superior a dez horas) e os castigos corporais que sofriam os meninos aprendizes de 12, 13 e 14 anos alimentou a luta dos movimentos anarco-sindicalistas pela melhoria da vida operária. Os núcleos anarquistas no Brasil eram compostos, em sua maioria de imigrantes e seus descendentes, simplesmente porque o proletário, na sua maioria, era estrangeiro. Contribuíram para a circulação dessas idéias anarquistas italianos, espanhóis e portugueses (PINHEIRO, 2004b, p. 149).

No período havia poucos sindicatos e nem todos eram de inspiração anarco- sindicalista. Os Congressos Operários de 1906 e 1913 nortearam a luta operária, defendendo a ação direta de pressão e resistência. Eram reivindicações: diminuir a jornada de trabalho para oito horas diárias; responsabilizar o patrão pelos acidentes de trabalho; realizar propagandas contra o alcoolismo; fixar um salário mínimo.

De acordo com Pinheiro (2004b, 154-155), “até o final do século XIX, as greves eram raras, e não passavam de incidentes isolados de rebelião da classe operária, que só atingiam uma fábrica ou uma seção de fábrica”. A primeira greve paulista aconteceu em agosto de 1904, na Cia de Docas de Santos, coordenada pela União Interamericana dos Operários. Em São Paulo, os gráficos também entraram em greve por solidariedade.

da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. A greve era motivada por abusos e arbitrariedades que vinham sofrendo os operários ferroviários, com redução de salários e descontos compulsórios” (PINHEIRO, 2004b, 155).

A greve de 1º de maio de 1907, iniciada em São Paulo, estendeu-se pelas cidades de Santos, Ribeirão Preto e Campinas, em defesa das oito horas de trabalho. Vinculam- se à greve os operários da construção civil, indústria, metalúrgica, alimentação, gráficos, sapateiros, empregados de limpeza e têxteis. Em 3 de maio, a greve já agrupava 2000 grevistas e sofreu intensas repressões policiais. Os empregados do ramo têxtil foram os últimos a obterem o atendimento de algumas de suas reivindicações e os metalúrgicos nada conseguiram (PINHEIRO, 2004b).

A fim de reprimir as greves e conter os “agitadores estrangeiros”, a Lei Adolfo Gordo de 05/01/1907, é promulgada e delibera a expulsão de estrangeiros que comprometam a segurança nacional ou a tranqüilidade pública e exige o registro dos estatutos e diretorias dos sindicatos. A deportação de ativistas e as campanhas de xenofobia contribuíram para o enfraquecimento do movimento operário. Segundo Pinheiro (2004b) as duras repressões contiveram o movimento grevista.

Fausto (1986) indica que em 1912 houve mais uma paralisação marcante do movimento operário paulista. Esta foi motivada pelo alto custo de vida e falta de condições de moradia (casas de aluguel). Os operários da fábrica de calçados Clark reclamavam por aumento de salário, abolição do trabalho por peça e jornada de oito horas. Os operários têxteis da fábrica Mariângela de Francisco Matarazzo e da fábrica Santana de Jorge Street engrossam a massa grevista, reivindicando 25% de aumento e redução de 10 e meia para 9 horas de trabalho diárias. Ao fim da greve generalizada, os sapateiros retornam ao trabalho com um aumento de 10% no salário e jornada de trabalho de 8 horas e meia. Os operários do ramo têxtil nada conseguiram, apesar de sua combatividade: a produção interrompida entre abril e maio só foi regularizada em junho.

Em de 1913, a crise internacional atinge a economia brasileira: o preço do café reduz em 30%, as construções param e as fábricas reduzem sua produção, chegando até a fecharem as portas. “As raras greves que ocorrem nos anos de 1914, 1915 e 1916 são motivadas por reclamação do pagamento de salários atrasados” (p. 159).

A crise da balança comercial motivada pelo início da Primeira Guerra aumenta as taxas de desemprego e a redução das horas de trabalho. A exportação de gêneros alimentícios e o encarecimento das importações elevaram o preço desses produtos.

Esses fatores associados aos ecos da Revolução Russa28 motivaram as greves de 1917 e 1919.

De acordo com Pinheiro (2004b), em maio de 1917 são paralisadas 35 empresas, entre elas o Cotonifício Crespi, Estamparia Ipiranga, a fábrica de bebidas Antarctica e fábrica têxtil Mariângela. É constituído um Comitê de Defesa Proletária, que fazia exigências sobre as condições de trabalho e sobre as condições de vida dos operários.

Seis das exigências dizem respeito às condições de trabalho: jornada de oito horas, semana de cinco dias e meio, fim ao trabalho do menor, segurança do trabalho, pagamento pontual e aumento de salários. Sete outros pontos requeriam a ação do governo e do capital: redução dos aluguéis e do custo dos gêneros fundamentais, requisição de gêneros essenciais para evitar especulações, medidas que impedissem a venda de mercadorias adulteradas, respeito ao direito de sindicalização, libertação dos operários presos e recontratação dos grevistas (PINHEIRO, 2004. p. 160).

Durante as greves, a polícia realizava prisões, desfazia manifestações e invadia sindicatos. Um sapateiro de vinte e um anos morre e nos três dias seguintes ao enterro a greve é geral. As paralisações duram até 16 de julho, quando os acordos são anunciados em comícios que reuniram 5.000 a 8.000 pessoas (PINHEIRO, 2004).

Em 1919 e início de 1920 ocorrem em São Paulo 64 greves na capital e 14 no interior. Participaram cerca de 50.000 grevistas, entre eles operários têxteis, padeiros, gráficos, costureiras, metalúrgicos e operários em frigoríficos. “A reivindicação principal era a jornada de oito horas e, ainda, a proibição do trabalho para as crianças e do trabalho noturno para as mulheres. Em meados do mês de junho os operários voltaram ao trabalho e em inúmeras indústrias se chegou ao acordo de oito horas” (PINHEIRO, 2004, p. 162).

Em 1920, a greve da Companhia Mogiana teve destaque por seu caráter revolucionário e anarquista: a polícia disparou contra cerca de 200 grevistas e quatro foram mortos. Neste ano, ocorreram 37 greves de pequeno porte, por motivos patronais. Apenas no final de 1920 ocorre outra manifestação importante, a greve das docas de Santos (PINHEIRO, 2004).

28“Os trabalhadores rurais viviam em extrema miséria e pobreza, pagando altos impostos para manter a base do sistema czarista de Nicolau II (...).As manifestações populares pediam democracia, mais empregos, melhores salários e o fim da monarquia czarista. Em 1917, o governo de Nicolau II foi retirado do poder e assumiria Kerenski (menchevique) como governo provisório” (http://www.suapesquisa.com,

O estado de sítio, que perdurou entre 1922 a 1927, criou dificuldades para a organização sindical e a repressão desmotivava a participação dos operários. Segundo Pinheiro (2004b), nesse período tem início o movimento dos migrantes rurais para compor a mão-de-obra fabril nos centros urbanos. Esses operários novos não tinham experiência com o movimento grevista. Dos operários antigos, alguns foram deportados e outros não prosseguiram na luta. “O antigo movimento operário jamais foi constituído” (p. 171).

A presença marcante do imigrante na população operária associada a grande turbulência social e econômica gerada pelas greves dos trabalhadores entre 1900 e 1910 motivou uma política de reação para controle dessa população por meio da educação. Segundo Carvalho (2000a), um dos objetivos da expansão da escola modelo republicana, sob a bandeira da erradicação do analfabetismo como uma questão nacional, era o de nacionalizar as populações operárias rebeldes. O impacto das greves operárias de 1917 e 1918 modificou o imaginário das elites republicanas sobre o imigrante, que deixava de ser visto como um meio de aprimorar a raça brasileira para tornar-se uma ameaça à ordem nacional.

A Cartilha do Operario, uma estratégia oficial provavelmente posta em circulação nos anos de 1920, durante o estado de sítio, possivelmente contribuiu com a formação de uma nova massa operária. Formar trabalhadores nacionais, provenientes dos fluxos migratórios ocasionados pela baixa da lavoura cafeeira em 1910, e adequar os trabalhadores imigrantes à importância do trabalho e da alfabetização como valor moral positivo que possibilita o progresso da nação foi o principal papel da escola noturna, expresso em seus programas. Essa questão será tratada com maior profundidade no capítulo IV, durante a análise da cartilha.