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Capítulo III – Theodoro de Moraes, autor da Cartilha do Operario

CALLIGRAPHIA VERTICAL

4. Propagador do método analítico para o ensino da leitura

4.3. Influências do método de ensino intuitivo

De acordo com o artigo 10 do decreto nº 248 de 16 de julho de 1894, que aprova o regimento interno das escolas públicas “o professor deverá ter em vista, principalmente, desenvolver a faculdade de observação, empregando para isso os processos intuitivos”. O artigo 4º do decreto nº 930 de 13 de agosto de 1904, que modifica várias disposições das leis em vigor sobre a instrução publica do Estado reforça adoção do método de ensino intuitivo:

O poder executivo fará a revisão dos programmas de ensino preliminar, de modo que a distribuição das materias se atenda ao desenvolvimento intellectual dos alumnos e se observem os principios do methodo intuitivo.

Segundo Valdemarin (1998), a implantação do método intuitivo no ensino brasileiro seguiu uma tendência da renovação pedagógica européia, motivada pelas transformações sociais, econômicas e políticas durante a transição para o regime republicano. De acordo com Vidal (2000, p. 498):

O trabalho individual e eficiente tornava-se a base da construção do conhecimento infantil. Devia a escola, assim, oferecer situações em que o aluno, a partir da visão (observação), mas também da ação (experimentação) pudesse elaborar seu próprio saber. Aprofundava-se aqui a viragem iniciada pelo método intuitivo no fim do século XIX, na organização das práticas escolares. Deslocado do “ouvir” para o “ver”, agora o ensino associava “ver” a “fazer”.

Valdemarin (2004, p. 107-8), ao analisar o manual de Delon & Delon72, nos oferece uma significativa descrição do método intuitivo:

Na concepção dos autores desse manual, o método intuitivo corresponde ao método experimental em uso nos níveis mais avançados de ensino, pois “a experimentação é um procedimento aperfeiçoado pela observação”. O caminho a ser seguido é progredir “da percepção à idéia, do concreto ao abstrato, à inteligência por meio dos sentidos, ao julgamento por meio de provas”. A lição intuitiva, posta em prática numa linguagem apropriada aos alunos, assume a forma de diálogo, com perguntas e respostas que provocam e dirigem atividade das faculdades intelectuais. “Sua característica distintiva, que é a própria característica geral do método, é partir da observação

72Autores do manual Méthode intuitive. Exercices et travaux pour les enfants selon la méthode et les

direta e imediata, para fazer as crianças raciocinarem na presença do fato observado.” (DELON & DELON, 1913, p. 12, trad. minha). Imagens, desenhos ou moldes são materiais auxiliares que o método intuitivo emprega com bom proveito para realizar seus objetivos.

O método de ensino aí descrito pode ser sintetizado com dois termos, observar e trabalhar, segundo os autores, já aceitos por todos. Observar significa progredir da percepção para a idéia, do concreto para o abstrato, dos sentidos para a inteligência, dos dados para o julgamento. Trabalhar implica a adoção de uma descoberta genial creditada a Fröebel, que consiste em fazer do ensino e da educação na infância uma oportunidade para a realização de atividades concretas, similares àquelas da vida adulta. Aliando observação e trabalho numa mesma atividade, o método intuitivo pretende direcionar o desenvolvimento da criança de modo que a observação gere o raciocínio e o trabalho prepare o futuro produtor, tornando indissociáveis pensar e construir. Tanto o trabalho fröebeliano quanto o trabalho em geral consistem numa ação do ser humano sobre a natureza e sobre a matéria, isto é, na criação de objetos relacionados aos desejos e ao pensamento, concretizados na atividade transformadora por excelência, isto é, o trabalho. O trabalho na infância, por sua vez, consiste na expressão de um pensamento, ainda incipiente, por meio das construções reduzidas, feitas com material adequado a esta faixa etária. Por isso, todas as atividades propostas devem motivar o aprimoramento da observação e da inteligência consistindo em imitações das formas e objetos existentes no cotidiano da criança: os jogos com sólidos, cubos, prismas, bastões, tábuas, anéis, mosaicos etc. permitem reproduzir construções, móveis e utensílios familiares, aliados ao prazer na aprendizagem.

O manual de Norman Alison Calkins, Primeiras lições de coisas, traduzido e adaptado por Rui Barbosa em 1886 é considerado por Valdemarin (1988) um marco significativo da implantação do método intuitivo no ensino brasileiro. Em Mortatti (2000) temos a referência de que Theodoro de Moraes traduziu Palestras Pedagógicas, de William James e Lições de Cousas, de E. A. Sheldon, em 1917, ambos editados pela Tipografia Siqueira.

Segundo Hippeu (apud Bastos, 2002, p. 82), Lições de Coisas de E. A. Sheldon é um manual graduado de instrução elementar, “destinado a exercitar o sentido e desenvolver as faculdades intelectuais dos alunos”. Por esta indicação, deduz-se que a obra de Sheldon tratar-se de um material sobre o método intuitivo e, pelo fato de ter sido traduzido por Moraes, possivelmente influenciou suas produções. Além disso, comparação entre análise de Valdemarin (2004) sobre os manuais de Delon & Delon e Calkins com as orientações prescritas por Moraes aos professores em relação ao ensino da leitura pelo método analítico, reforça a hipótese de que Theodoro de Moraes foi fortemente influenciado pelas diretrizes que norteiam o ensino intuitivo.

Em A Leitura Analytica (1913) verificamos a grande importância que assume a observação para o aprendizado da linguagem oral e escrita, assim como a própria dinâmica das aulas, na forma de palestras, estabelecidas por meio de perguntas e respostas, num diálogo dirigido pelo professor. Os objetos e as imagens são o ponto de partida do conhecimento. Em Moraes (1913) constatamos que todas as aulas partem da visualização de um objeto ou de uma estampa associada à lição a ser estudada. No caso de histórias, os personagens também são representados por meio de ilustrações visíveis aos alunos, para que sejam estabelecidas relações entre o que é visto com o que é contado.

Valdemarin (2004) descreve a lição com a bola presente no manual Delon & Delon. A bola também é objeto nas lições de Moraes (1920). Nas orientações da cartilha

Meu Livro – primeiras leituras, há o exemplo da palestra de uma das primeiras aulas,

onde aparece a estampa da bola. Algumas considerações expostas pela autora sobre a lição com a bola - sua forma, seu uso e suas característica – são verificáveis na palestra de Moraes:

Prof. – (mostrando a bola) – Que é isto? Al. – Isso é uma bola.

Prof. – De que côr é a bola? Al. – A bola é amarella.

Prof. – Que podemos fazer com a bola? Al. – Podemos jogar a bola.

Prof. – E que faz a bola quando a jogamos? Al. – A bola corre.

Prof. – E si a jogarmos com força?

Não sabem? Pois vejam o que ella faz (deixe o professor a bola cahir sobre o soalho). Ah? Muito bem! Sabem agora, não é assim? Diga lá você, Renato.

Al. – A bola salta primeiro e depois corre.

Prof. (levantando a bola) – Que é que vossês vêem? fale você, João Gomes.

Al. – Eu vejo a bola (MORAES, 1920, p. 137).

A atenção e a utilização dos sentidos (visão e tato) para a interpretação de objetos familiares à criança são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, como podemos observar na palestra acima. A observação é o ponto de partida para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita. O aluno exercita a linguagem descrevendo aquilo que observa.

Em Calkins (apud VALDEMARIN, 2004), aquilo que já é conhecido é a ponte para novos conhecimentos. Esse pressuposto também pauta a organização das lições de retrospecto nas obras de Moraes.

Valdemarin (2004), na análise do manual de Calkins, retoma um dos aspectos mais marcantes das orientações de Moraes quanto à relação entre a fala e a escrita. A fala está vinculada à escrita e pela fala a criança organiza sua produção escrita, sistematiza a composição das frases em palavras e fonemas, compreende o emprego das classes gramaticais e o conteúdo das leituras.

Apesar de muitas semelhanças, os passos do ensino de leitura pelo método intuitivo diferenciam-se em alguns aspectos das etapas estabelecidas do ensino pelo método analítico. De acordo com Calkins, o ensino da leitura pelo método intuitivo prevê três momentos. Em primeiro lugar, a partir da observação de objetos, deve-se estimular o diálogo entre as crianças, a fim de construir uma lista de palavras que serão decompostas em sons e letras para, então, associar letras e sons semelhantes.

Em seguida, a criança iniciará o uso do livro de leitura, sendo ensinada a manuseá-lo, sem que sejam abandonadas as atividades no quadro negro. Para exercitar a leitura nesta etapa, deverão ler as palavras em ordem salteada e as frases em ordem inversa. Por fim, a criança deve exercitar a exposição de fatos e pensamentos apresentados no texto, lendo-os com entonação e recontando a narrativa com suas palavras.

No ensino da leitura pelo método analítico descrito por Moraes, o professor parte da estampa ou objeto para sua palestra com os alunos, induzindo a expressão oral. Em seguida, são trabalhadas as sentenças e as palavras, as quais serão analisadas em seus sons e letras, pra em seguida serem novamente reunidas, a fim de formar novas palavras e frases.

Ao final deste capítulo, diante do conhecimento sobre as grandes questões educacionais do período, acredita-se que a experiência de Theodoro de Moraes no magistério primário e como inspetor pode tê-lo inspirado na autoria de livros didáticos voltados tanto para alunos como para professores.