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O objetivo desta dissertação foi avaliar o ENADE como instrumento da política de avaliação e regulação do ensino superior no Brasil e como ocorre sua implementação na Universidade Federal do Ceará. Objetivei com a pesquisa refletir sobre as concepções, usos e sentidos da avaliação de instituições universitárias e os paradoxos do ENADE no sistema

avaliativo vivenciados por coordenadores de cursos de graduação e por gestores da PROGRAD na instituição.

Para realizar esse estudo avaliativo, orientei minha pesquisa pela perspectiva da

avaliação em profundidade, proposta por L. C. Rodrigues (2008), segundo a qual uma

avaliação com foco interpretativo-hermenêutico deve envolver a análise de concepções da política, a análise do contexto de formulação desta, a compreensão de seu processo institucional e a apreensão do espectro temporal e geográfico da política avaliada. Construí o percurso dessa pesquisa avaliativa apoiado na concepção de experiência, conforme compreendida por Lejano (2012). Com isso, busquei compreender a perspectiva dos atores envolvidos em seus próprios termos sobre os conceitos de universidade e avaliação de instituição de educação superior, pensando e avaliando com eles o ENADE como instrumento avaliativo dos cursos de graduação e da universidade.

Visando contemplar o objeto avaliativo sob múltiplas dimensões, em consonância com a perspectiva avaliativa adotada por mim nessa pesquisa, adotei uma combinação de abordagem quantitativa e, principalmente, qualitativa, realizando um levantamento bibliográfico e documental com o intuito de revisar a literatura existente sobre o assunto. Na realização da pesquisa de campo, apliquei questionários e entrevistei diferentes sujeitos, para compreender a implementação do ENADE na UFC sob diversos aspectos.

Por meio da revisão da literatura, busquei analisar o contexto social, político e histórico das políticas públicas de avaliação da educação superior, caracterizando seu desenvolvimento nas últimas décadas e, também, a reconfiguração que o período neoliberal e as influências de experiências estrangeiras em avaliação de IES trouxeram para o ensino superior no país. Esse exercício me foi bastante importante, pois me possibilitou entender como surgiram as demandas por políticas de avaliação de IES e como as experiências e embates políticos ao longo do tempo foram incorporados à elaboração e ao desenvolvimento do SINAES em geral e do ENADE especificamente.

Conforme vimos, as políticas de avaliação de IES no Brasil foram surgindo à medida que o papel do Estado brasileiro foi sendo reconfigurado e reorientado pelo pensamento neoliberal e pelas transformações do capitalismo contemporâneo, como os processos de globalização, de desregulamentação de mercados e as revoluções científico- tecnológicas. Somados a isso, há os aspectos relativos à necessidade de ampliação da oferta de ES, de aumento da demanda social por esse nível de ensino e o papel atribuído ao ensino superior, nas últimas décadas, na qualificação de profissionais e na produção científica.

Com os estudos da literatura sobre o tema, pude definir os conceitos de universidade e avaliação institucional neste trabalho. Dessa forma, a concepção adotada nessa pesquisa compreende as concepções de Belloni (1996, 1999), Ristoff (1995, 2001), Dias Sobrinho (1995, 1996b) e Grego (1997), que afirmam que a avaliação de IES e de seus cursos e a meta-avaliação desse processo avaliativo devem ser um processo para o conhecimento da realidade institucional que, incluído num projeto institucional de aperfeiçoamento contínuo, vincula-se ao planejamento e à gestão da instituição a partir do envolvimento de todos os atores institucionais concernidos.

Esse processo, entendido como produtor de sentidos e de subsídios à ação institucional, necessita ser vivenciado como uma prática de aprendizado, de construção de saberes e de transformação emancipatória em consonância com o sentido de autonomia da universidade.

Vinculado a isso, esses autores entendem o processo avaliativo de uma IES e de seus cursos como uma necessária prestação de contas à sociedade, ao Estado e aos próprios membros da instituição, não no sentido de accountability, mas como demonstração e interpretação do exercício da missão social da universidade. Neste trabalho, entendi a universidade como instituição social produtora de sentidos, saberes e de propostas de compreensão, crítica e intervenção na sociedade, no mercado e no Estado, como pensado por Chauí (2001). Exponho também, nas pegadas desta autora, outra forma preponderante como pode ser vivenciada e concebida essa instituição, no caso a noção de organização operacional

administrada.

Assim, nesta dissertação, a avaliação de IES e de seus cursos foi relacionada às concepções de ES subjacentes à prática efetiva da avaliação institucional ao longo do tempo. Meu intuito foi compreender como concepções diferentes e contraditórias de avaliação e de universidade foram sendo gestadas, debatidas e incorporadas às políticas de avaliação e regulamentação de IES ao longo do tempo, sedimentando práticas, ressignificando objetivos e usos e reelaborando a própria vivência dessa política nas instituições. Foi nessa perspectiva que avaliei a implementação, os sentidos, objetivos e usos do ENADE na UFC.

Para compreender o processo de criação e implementação do SINAES e, especificamente, do ENADE, realizei um retrospecto das políticas de avaliação de ES no país desde os anos 1980, quando o país se viu diante da crise de sua dívida pública, das dificuldades de financiamento de políticas sociais e do processo de redemocratização política e expansão das lutas pela ampliação de direitos sociais. Com isso, analisei como o Estado

brasileiro foi reorientando sua função de provedor de serviços sociais sob a égide do neoliberalismo, conforme concepções preconizadas por organismos multilaterais como o Banco Mundial, e adotando instrumentos avaliativos da ES como prática de regulação e controle desse nível de ensino.

De acordo com minha análise, apreendi que as ações das políticas de avaliação e regulamentação da ES pelos governos brasileiros desde a década de 1990 estão em sintonia com uma visão mercantilizante de ES e de sua regulação e controle como um bem de consumo, paralelamente à ampliação de sua oferta preponderantemente pela via do mercado.

Pelo que discuti em capítulos acima, pude inferir que a configuração e implementação das políticas de avaliação da ES seguem prioritariamente a perspectiva do controle e da regulação, primando pela constituição de indicadores que favoreçam a construção de rankings e o uso da avaliação pelas IES como insumo para campanhas publicitárias e a construção de sua imagem social junto ao mercado. Por esse prisma, as instituições privadas têm sido sobremaneira beneficiadas, ao mesmo tempo em que recebem maiores concessões fiscais do Estado para a expansão da oferta de vagas.

Ao analisar a política de avaliação da ES no Governo Lula, percebi os tensionamentos e embates políticos na elaboração do SINAES e de sua efetivação como política para o conhecimento, planejamento e gestão da realidade das IES. O sistema avaliativo que se constituiu incorporou perspectivas avaliativas e concepções de universidade conflitantes, caracterizando-se como um sistema híbrido.

Inicialmente pensado e elaborado para o desenvolvimento de uma cultura avaliativa para subsidiar o planejamento e a gestão das próprias instituições, o SINAES buscou concomitantemente possibilitar ao governo federal condições para a verificação da qualidade das atividades desenvolvidas pelas IES e, então, regulamentar a oferta de ensino superior. Assim, a princípio o SINAES foi proposto como uma forma de atender às demandas por avaliação para o conhecimento e a transformação das instituições e à necessidade governamental de monitorar a qualidade da ES e regulamentar a sua oferta pelas IES.

Na elaboração do SINAES, foram pensados três tipos de instrumentos para a efetivação da avaliação: a autoavaliação institucional, a avaliação externa de cursos e de instituições por comissões de especialistas e a avaliação de desempenho dos estudantes de graduação. Esta última, materializada como ENADE, foi inicialmente concebida para a análise do desenvolvimento dos conhecimentos, habilidades e competências dos estudantes na vivência do currículo de seu curso e as condições de infraestrutura, de organização didático-

pedagógica e institucionais ofertadas nesse processo, segundo a visão dos estudantes. Os resultados dessa avaliação seriam, posteriormente, incorporados ao quadro geral da avaliação do SINAES juntamente com os dados dos demais instrumentos avaliativos, subsidiando o processo de diagnóstico, planejamento e gestão das instituições.

Contudo, muitos dos autores analisados apresentam um quadro em que as dificuldades iniciais de implementação do SINAES, as críticas e pressões de associações profissionais e de representantes do setor privado do ensino superior e a priorização, pelo governo, da regulação em detrimento da avaliação foram reconfigurando o SINAES. Como, dentre os instrumentos avaliativos propostos pelo SINAES, o ENADE era o que contemplava a maior quantidade de cursos, instituições e já possuía um extenso banco de dados coletados sobre o alunado das IES, o governo optou pela reconfiguração do papel do ENADE e o alçou a principal instrumento avaliativo, diminuindo o alcance e o papel dos demais instrumentos.

Dessa forma, foram construídos indicadores, inicialmente não previstos na elaboração do SINAES, que tomaram o ENADE como base de análise da maioria das IES, contrariando, inclusive, dispositivos da lei do SINAES, como a obrigatoriedade da realização das avaliações externas por comissões de especialistas para todos os cursos e instituições. As visitas dos avaliadores externos ficaram restritas aos processos de reconhecimento de cursos e a alguns cursos de graduação dispensados do ENADE por portaria do INEP.

E, principalmente, o exame se tornou o balizador dos cursos e instituições que obrigatoriamente deveriam receber visitas in loco como decorrência da nota do exame. Com a reconfiguração do SINAES, o ENADE passou a definir que cursos receberiam supervisão e quais cursos e instituições teriam sua qualidade atestada pelo MEC. Nesse sentido, todo o foco do processo avaliativo passa a se concentrar no ENADE e este é, na concepção do MEC, e, na vivência dos cursos e das IES, ressignificado como a própria avaliação institucional e de cursos.

Ao refinar minha análise para a implementação do ENADE na UFC, percebi que esses desdobramentos do SINAES em nível nacional são também vivenciados na instituição e que sua efetivação sofreu percalços e ressignificações. Na UFC, ao analisar historicamente a elaboração e a vivência de práticas avaliativas, percebi que a instituição experienciou poucos processos avaliativos. Nesse sentido, a concepção de avaliação na UFC parece ter-se limitado à noção de controle das ações da administração superior, com participação muito restrita dos vários sujeitos da instituição, conforme minha análise documental e bibliográfica.Na análise histórica, o que percebi é que, anteriormente ao SINAES, quase todas as práticas de avaliação