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6 O ENADE NA UFC: UMA AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL?

6.3 Avaliação na/da UFC no SINAES: o ENADE como instrumento e política

6.3.4 Entre coordenadores de cursos de graduação e gestores da PROGRAD: o

A proximidade dos gestores da PROGRAD com a administração superior da instituição e com o MEC lhes dá um panorama sobre os processos avaliativos não desfrutado pelos coordenadores. Isso possibilita a elas ver a avaliação da instituição e de seus cursos por diversos ângulos, como pela perspectiva dos coordenadores dos cursos de graduação, da gestão superior da UFC e do próprio MEC. Essa condição, a princípio, favorece uma convergência da perspectiva dos gestores com a da administração superior e com a do MEC.

Entretanto, isso não significa necessariamente afinidade irrestrita com o pensamento destes dois últimos. A posição institucional dos gestores como técnicos administrativos com função de gestão na instituição lhes permite certo distanciamento do pensamento a respeito do ENADE parcialmente partilhado entre a administração superior e o MEC. Nesse sentido, eles se permitem exercer suas funções de gestores sem abrir mão do questionamento sobre a forma como a UFC vivencia seus processos avaliativos, especialmente o ENADE.

Por estarem muito próximos aos coordenadores e com eles compartilhar muitos dos problemas ocasionados pelos maus resultados dos processos avaliativos, os gestores da PROGRAD tendem a desenvolver certa afinidade com aqueles na forma como o ENADE é experienciado pelos atores da instituição. Com isso, eles conseguem apreender de forma ampliada as possibilidades e limites do ENADE como instrumento avaliativo para os cursos e a UFC.

Também vivenciando os tensionamentos ocasionados pela percepção de que o MEC aumenta as exigências num ritmo maior do que concede condições adequadas para empreender processos avaliativos mais pluralizados e adequados para a promoção da reflexão e das mudanças consideradas necessárias, os gestores da PROGRAD lidam com constantes

dilemas sobre a vivência do ENADE. Se por um lado elas entendem que ele é pouco compreendido pelos coordenadores, docentes e alunos e, por isso, visto com relativa indiferença, por outro, elas compreendem que a conjuntura institucional não favorece um processo avaliativo adequado para subsidiar um planejamento focado em mudanças.

O pouco conhecimento, na percepção dos gestores da PROGRAD, atribuído aos alunos, professores e coordenadores sobre o ENADE, seus resultados e desdobramentos para a graduação caminha lado a lado com a utilização, pela gestão superior e pelo MEC, dos resultados do ENADE para a construção de rankings das IES e dos cursos. Dessa forma, a avaliação na instituição parece ser percebida e vivenciada pelos coordenadores como algo com aspectos punitivos e negativos.

Em contrapartida, na visão dos coordenadores, os resultados do ENADE parecem ser capitalizados preponderantemente para a promoção publicitária da instituição, ocultando os problemas vivenciados pelos cursos ou discutindo-os de forma insuficiente e inadequada. E isso parece gerar um sentimento de desolação com os resultados do ENADE, por mais refinados que possam parecer seus relatórios.

Além disso, o longo período vivenciado, pelos atores institucionais na UFC, da ausência de processos autoavaliativos, direcionados para o planejamento e a gestão institucional, favorece a experiência da avaliação como algo impositivo, pontual e distanciado das necessidades dos cursos. A isso se soma a percepção, pelos coordenadores, de que a UFC, como instituição, não se apropria dos resultados dos poucos instrumentos avaliativos para pensar efetivamente os problemas da instituição e de seus cursos e elaborar propostas para a melhoria.

Assim, os processos avaliativos existentes na universidade parecem ser vivenciados como uma necessidade protocolar, sem consequências concretas para a resolução de problemas. Por essa razão, muitos coordenadores consideram difícil “sensibilizar” os alunos a fazer o ENADE com o devido cuidado e a responder ao questionário socioeconômico de forma “compromissada” e “responsável”.

Juntando-se essa percepção com a inexistência prolongada da autoavaliação institucional com o envolvimento de todos os atores, o ENADE acaba sendo compreendido e experienciado como a própria avaliação institucional e não como um de seus instrumentos. E essa vivência do ENADE é reforçada pelo peso que o MEC atribui aos insumos dele extraídos para os processos avaliativos e regulatórios e pela perspectiva da própria gestão superior em

esclarecer os alunos sobre a importância do ENADE para a melhoria não necessariamente das condições da instituição, mas principalmente de seus indicadores gerais junto ao MEC.

Os coordenadores também se queixam de que as reuniões realizadas pela PROGRAD sobre o ENADE não discutem os problemas apresentados pelas respostas dos alunos sobre infraestrutura, organização didático-pedagógica, dentre outros. O que eles percebem é que a preocupação da PROGRAD não parece ser a de buscar analisar junto com os coordenadores os problemas apresentados a partir das respostas dos alunos, mas principalmente a de reforçar que os alunos não estão sabendo responder corretamente as questões sobre infraestrutura e organização didático-pedagógica.

Como já relatei anteriormente, a compreensão que permeia essa perspectiva da gestão superior é a de que os estudantes que não estão avaliando a infraestrutura e a organização didático-pedagógica de forma positiva estariam procurando exercitar seus questionamentos ao status quo universitário, conforme podemos ver nos relatórios de autoavaliação institucional. E essa questão é tratada como um problema que necessita ampliar os canais de esclarecimento sobre o ENADE e não os canais de discussão para entender o porquê dessas respostas pela perspectiva das comunidades discentes dos cursos.

De tão reiterada essa perspectiva, o processo avaliativo, que deveria coletar dados para o conhecimento, a discussão, o entendimento e a busca pelas mudanças diagnosticas como necessárias, acaba sendo um processo inócuo de conhecimento e subsídio às ações de melhoria e passa a ser uma preocupação da gestão superior e dos coordenadores dos cursos para a construção da imagem social dos cursos e não necessariamente de sua melhoria. Nesse sentido, mesmo considerando muitas vezes corretas as queixas dos alunos, muitos coordenadores pensam que o questionário socioeconômico não deveria ser o instrumento para a exposição das críticas e queixas quanto aos problemas, devendo-se deixar isso para outros canais. Como me disse um coordenador a respeito de sua campanha de sensibilização dos alunos para o ENADE:

Então a gente tentou fazer uma só, mas nem todos apareceram e aí a gente resolveu fazer mais uma reunião. Só pra falar um pouco da importância dessa avaliação. Porque a gente aqui... a universidade enfrenta vários problemas e muitas vezes o aluno... não é a hora do aluno se revoltar, não é na hora do ENADE, né? Porque muitas vezes tem o questionário que eles preenchem, por exemplo, que é falando sobre a infraestrutura, né?, e tal. E aí às vezes o aluno se revolta nessa hora aí, não é o momento certo. Porque, nesse momento aí, é como eu falo, vocês vão estar se punindo. Vocês vão estar punindo o curso. Existem outras formas de a gente dizer que não tá legal. (COORDENADOR F).

Por essa perspectiva, os próprios coordenadores, incentivados pela PROGRAD, acabam efetivando a avaliação sob uma perspectiva diferente da que eles próprios pensam como a mais adequada para a instituição. E, com isso, estimulam nos estudantes o descrédito com relação aos processos avaliativos institucionais em geral e com o ENADE em particular. E isso parece se tornar um círculo vicioso em que as críticas e tensionamentos ocasionados pelos processos avaliativos não são resolvidos da forma considerada adequada pelos coordenadores, de modo que os resultados e as notas dos cursos são percebidos como não refletindo a realidade dos cursos, por ocultarem problemas ou por superestimarem os aspectos positivos.

Assim, a preocupação que prepondera com relação ao ENADE é incentivar os alunos a fazer uma boa prova e responder positivamente ao questionário socioeconômico para evitar indicadores ruins para os cursos e a instituição, tornando desnecessária a vinda das comissões de avaliadores do MEC, consideradas pela maioria dos coordenadores como inócuas e meramente protocolares, mas que ocasionam mais problemas do que soluções.

A continuar por essa linha de raciocínio, posso pensar que, na perspectiva do MEC, se os cursos estão bem avaliados e os indicadores da instituição estão satisfatórios, logo não existiriam tantos problemas e, consequentemente, não haveria a necessidade de ampliar os recursos que fossem considerados necessários para sanar problemas e melhorar as condições de desenvolvimento das atividades dos cursos de graduação.

Por esse prisma, compreendo que o ENADE, assim entendido e vivenciado, é ressignificado pelos distintos atores e instituições que o vivenciam. Nessa ressignificação, o ENADE, que - segundo seus próprios pressupostos - deveria somente aferir os conhecimentos, habilidades e competências dos estudantes e as condições de desenvolvimento desses aspectos, vem se constituindo como a própria avaliação institucional da UFC. Esse foi o resultado central a que cheguei na avaliação do ENADE na UFC.